O que sabemos do orçamento secreto
O orçamento secreto é o maior exemplo da tenebrosa relação entre o Governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. O presidente Lula denominou o orçamento secreto por vezes como o maior esquema de corrupção da história, antes e durante a campanha eleitoral.
Afinal, o que é o orçamento secreto? A cada ano, o Congresso Nacional aprova a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano seguinte. Em 2019, o Congresso aprovou a LDO de 2020 com as emendas do relator-geral (Resultado Primário 9 – RP9), sendo o marco fundacional do orçamento secreto. Uma inovação no orçamento, visto que os parlamentares já possuíam as emendas individuais, as emendas de bancada e as emendas de comissão. Em resumo, uma fatia generosa do orçamento não é coordenada pelo Poder Executivo através dos ministérios, sendo tal fatia na verdade direcionada pelo relator-geral do orçamento à utilização de parlamentares, sobretudo da base do governo. Tal fato faz com que o relator-geral do orçamento se transforme num “super parlamentar”. A outra ilegalidade envolvendo as emendas de relator (RP9) se dá pela sua falta de transparência, visto que é um recurso público que é executado sem autoria.
Há diversas denúncias acerca da utilização das emendas do relator-geral (RP9). Por exemplo, em reportagem, a revista Piauí noticiou casos como do município de Pedreiras (MA), que, em 2021, realizou mais de 540 mil extrações dentárias. Para realizar tantos procedimentos seria necessário que cada morador da cidade tivesse arrancado 14 dentes.
A oposição ao governo bolsonarista tomou algumas medidas concretas contra o orçamento secreto. A Liderança da Minoria na Câmara dos Deputados representou no Tribunal de Contas da União contra a falta de transparência na execução das verbas do orçamento secreto. Já o PSOL ajuizou a ADPF nº 854 requerendo a inconstitucionalidade das emendas do relator-geral (RP9). Há uma expectativa acerca do julgamento da ADPF proposta pelo PSOL ocorrer ainda este ano.
Arthur Lira já afirmou que o orçamento secreto não é secreto, visto que há um portal na Comissão Mista de Orçamento (CMO) em que é possível consultar a utilização dos recursos. O portal citado foi criado a pedido do STF após o ajuizamento da ADPF nº 854.
Contudo, pergunta-se: quem autoriza a utilização do recurso? Quais os critérios utilizados para autorizar o repasse de verbas? Conclui-se que as emendas do relator-geral (RP9) continuam sendo utilizadas como manobra para garantir maioria no Congresso Nacional e lealdade dos presidentes das duas casas.
A nova correlação de forças do Congresso Nacional
Após a votação ocorrida em 2 de outubro, muito se especulou sobre o aumento do bolsonarismo no parlamento brasileiro. Mas será que em se tratando da Câmara dos Deputados e do Senado Federal há uma diluição do centrão e um real crescimento da extrema direita?
A Câmara dos Deputados conta com 513 parlamentares. A coligação de partidos que apoiou a eleição de Lula elegeu 122 deputados e deputadas (Federação Brasil Esperança 80; Federação PSOL/Rede 14; PSB 14; Avante 7; Solidariedade 4; e PROS 3). Já o PDT desembarcou da aventura cirista, declarou apoio a Lula no segundo turno e elegeu mais 17 parlamentares. Em suma, é possível dizer que há uma bancada “progressista” de quase 140.
O fortalecimento da Federação Brasil Esperança e da Federação PSOL/Rede, ainda que insuficiente visto o tamanho da Câmara, torna a esquerda mais ideológica, podendo se tornar um interessante polo de luta no parlamento se conectada com os anseios dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada. Houve também uma diminuição das bancadas do PDT e do PSB, partidos que tinham cerca de metade de seus pares votando com o governo, sem tanto rigor ideológico.
Já a coligação derrotada nas eleições presidenciais elegeu 187 parlamentares (PL 99; PP 47; e Republicanos 41). O PL se tornou o maior partido na Câmara. Foi o partido que mais concentrou candidaturas bolsonaristas. Porém, mesmo com Valdemar Costa Neto afirmando que o partido será oposição ao Governo Lula, é quase impossível pensar que os 99 parlamentares do partido serão linha auxiliar de Eduardo Bolsonaro ou de Carla Zambelli. Ao analisar nome a nome a bancada do PL, percebe-se que os bolsonaristas são cerca de 40, menos da metade da bancada. Existem sim outros atores que bebem na fonte da extrema-direita e se encontram no Republicanos e no PP, ainda que em número substancialmente menor. Dessa forma, a bancada que continuará fiel ao presidente derrotado e à sua agenda neofascista é menos da metade do que a bancada “progressista” elegeu no país.
A eleição para o Senado gerou mais alarde do que deveria por conta das eleições de bolsonaristas como Damares Alves e Hamilton Mourão. Ocorre que as 5 maiores bancadas do Senado concentram 2/3 da casa (PL 14; PSD 11; MDB e União Brasil cada um com 10; e PT 9). Ou seja, é evidente que o centrão também dominará a Câmara Alta, numa complexidade inclusive menor do que na Câmara dos Deputados. É preciso relembrar que a eleição para o Senado ocorrida em 2022 renovou apenas 1/3 das vagas da casa.
Em resumo, há alarde quando se afirma que houve um avanço bolsonarista no parlamento. Todavia, o ovo da serpente chocou e existirá uma bancada de extrema-direita organizada no Congresso Nacional com forte influência de massas, fazendo oposição radical a qualquer avanço na pauta de costumes ou na tentativa de remontagem do Estado Social brasileiro, dizimado pelos governos Temer e Bolsonaro.
Centrão, Arthur Lira e a Presidência da Câmara
Enquanto o Senado parece caminhar para uma reeleição tranquila do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), os olhos do meio político estão voltados para a sucessão de Arthur Lira na Câmara dos Deputados.
O atual presidente da Câmara se destacou por ter manejado o orçamento secreto junto ao relator do orçamento, além de ter encampado os interesses da extrema-direita e do neoliberalismo. Apesar de oriundo do centrão, Arthur Lira foi o grande operador do Governo após a vitória esmagadora na disputa com Baleia Rossi (MDB/SP), candidato do então phresidente da Câmara Rodrigo Maia e da maioria da esquerda na Câmara. Mesmo com a derrota de Bolsonaro, segue favorito para seguir presidente da casa.
O PT só conseguiu vitória nas disputas da Câmara dos Deputados quando fechou acordos prévios. Nas vezes que foi para a disputa saiu derrotado, inclusive já tendo a Presidência da República. Quem não lembra da vitória de Severino Cavalcanti? Ou então de Eduardo Cunha? Imagina-se que a última coisa que Lula quer é ser derrotado nessa disputa. Dessa forma, não é de se espantar que ocorra algum acordo entre o governo eleito e o atual Presidente da Câmara pela sua recondução.
Guilherme Boulos, em sua mais recente entrevista ao programa Roda Viva, afirmou que o centro fisiológico se fortaleceu no último pleito eleitoral e será com ele que Lula terá que negociar. Esse grupo político formado na Constituinte de 88 é o maior interessado na manutenção do Orçamento Secreto. O pouco comprometimento ideológico com as pautas do governo eleito, a sanha por espaço nos primeiros e segundos escalões do governo e a manutenção do orçamento secreto serão alguns dos principais obstáculos do novo governo Lula.
O PSOL tem uma enorme responsabilidade neste cenário. Ao partido com a bancada mais representativa da Câmara caberá ser a ala esquerda da sociedade no parlamento, dando sustentação ao governo Lula contra golpismos e arroubos autoritários, ajudar na governabilidade e na estabilidade, denunciar o orçamento secreto e ser porta-voz das pessoas que estão na linha de frente da luta por direitos, impedindo retrocessos e somando forças para avanços estruturais. Pelas razões já expostas, o partido também deve ser oposição à reeleição de Arthur Lira. A extrema-direita segue fortemente organizada nas ruas, diferente da correlação de forças que existia na sociedade em 2003. Ou seja, o papel do PSOL vai ser bastante diferente do que foi há quase 20 anos.
Caio Moura é advogado, coordenador jurídico da Liderança da Minoria na Câmara dos Deputados e secretário de Movimentos Sociais do PSOL/DF.