Por Natalia Szermeta e Josué Medeiros (*)
O governo Lula atingiu a marca dos 200 dias atravessado por um duplo desafio: iniciar e consolidar a reconstrução da democracia brasileira depois de quatro anos de destruição bolsonarista. Ao mesmo tempo, Lula terá que unificar e mobilizar a sociedade brasileira na direção de um efetivo pacto de combate às desigualdades em direção ao futuro de mais direitos e de um desenvolvimento sustentável e justo para o nosso povo.
Para contribuir com o enfrentamento a esse duplo desafio, a Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (FLCMF) do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) organizou em 2022 uma pesquisa sobre o Método Bolsonaro de Destruição da Democracia. Com uma equipe de 30 pesquisadores especializados em 20 temas.
A pesquisa envolveu a análise de 20 mil normas infralegais (decretos, portarias, instruções normativas e resoluções), além de centenas de Medidas Provisórias, Projetos de Lei e Emendas Constitucionais do governo Bolsonaro com o objetivo de mapear tudo o que o novo governo Lula deveria revogar para reconstruir nossa democracia. O relatório está disponível em https://flcmf.org.br/revogaco/.
Agora, no marco dos 200 dias de governo Lula, apresentamos a pesquisa Revogaço 2023: um balanço da reconstrução da democracia brasileira. No relatório de 2022, demonstramos que o Método Bolsonaro de Destruição da Democracia é composto por um conjunto de ações coerentes e sistemáticas da extrema-direita brasileira dentro das instituições do Poder Executivo nacional com o objetivo de destruir definitivamente a ordem democrática inaugurada com a Constituição de 1988.
Nesse sentido, tanto a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, quanto a política de genocídio do povo Yanomami que o governo Lula enfrentou logo no começo de sua gestão são parte estruturante do projeto bolsonarista e não podem ser relativizadas ou esquecidas pelas forças democráticas brasileiras.
Além disso, em nossa pesquisa optamos por dividir o Método Bolsonaro de Destruição da Democracia em quatro dimensões que são complementares e se retroalimentam: o Método Bolsonaro de Destruição Orçamentária, que consistiu em uma profunda e constante operação de cortes orçamentários para asfixiar materialmente as estruturas do Estado cuja função é garantir e promover direitos; o Método Bolsonaro de Destruição Ideológica, caracterizado por um sistemático e poderoso movimento de ataques ideológicos aos setores que são sujeitos de direito e de legitimação da violência e do autoritarismo como método de resolução dos conflitos; e por fim, mas não menos importante, o Método Bolsonaro de Destruição Institucional, um consistente e metódico processo de desarticulação das políticas públicas em todos os níveis (federal, estadual e municipal) e em todas as áreas de atuação das instituições democráticas.
É com satisfação e esperança que identificamos nesse primeiro relatório de balanço do governo Lula uma série de avanços em quatro dimensões. No âmbito orçamentário, o Teto de Gastos foi revogado e não há mais orçamento secreto. Ademais, áreas estratégicas para os direitos do povo brasileiro voltaram a receber dotações orçamentárias significativas. Destacamos a retomada do Minha Casa Minha Vida, um passo importante para o enfrentamento do absurdo de termos milhões de brasileiras e brasileiros sem moradia digna. Com relação aos sentidos públicos do Estado, celebramos a suspensão das privatizações, bem como a retomada dos concursos e da valorização dos servidores públicos. Na arena ideológica, é fundamental destacar o fim dos sigilos de 100 anos em áreas importantes como gastos do cartão corporativo de Bolsonaro e a agenda do ex-presidente. No plano institucional, os sistemas universais como o SUS e o SUAS voltaram a ser valorizados e fortalecidos e as políticas públicas estratégicas como o Bolsa Família e o Programa Mais Médicos foram retomadas.
Sabemos que esses avanços são um passo necessário, mas não são suficientes. A lógica da austeridade fiscal segue ameaçando o orçamento público e a garantia e a ampliação de direitos para o nosso povo; a forma de governabilidade que Arthur Lira tenta impor ao país pode comprometer um planejamento orçamento que priorize o combate às desigualdades; setores econômicos privilegiados seguem pautando políticas públicas, como é o caso do agronegócio e da absurda manutenção, por parte do governo Lula, do ritmo de liberação de agrotóxicos.
Por fim, mas não menos importante, entendemos que, para uma efetiva reconstrução da democracia brasileira, é fundamental que o governo Lula promova políticas públicas de mobilização da sociedade em favor dos direitos. A retomada da demarcação de terras indígenas liderada pela ministra Sônia Guajajara é um exemplo de ação institucional que fortalece a democracia ao consolidar os povos originários como sujeitos de direitos. Outro exemplo é o desenvolvimento de políticas públicas para os territórios periféricos que vem sendo conduzida pelo companheiro Guilherme Simões na Secretaria Nacional de Periferias. Sem ações do Estado enraizadas no território e sem direitos para o povo das favelas e periferias não será possível derrotar a extrema-direita no Brasil.
Natália Szermeta é Presidenta da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco. Josué Medeiros é cientista político e professor da ufrj. Na universidade, é Coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e do Núcleo Brasileiro de Estudos sobre a Democracia (NUDEB). É coordenador do Núcleo de Análises, Pesquisas e Estudos (NAPE) da FLCMF