Documento político para o III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação
O direito à educação pública universal é uma conquista do povo, tirada do capitalismo em décadas de luta. No entanto, as burguesias internacionais e nacionais continuam tentando manter os sistemas escolares e as universidades dentro do quadro limitado da empregabilidade e do controlo social.
Nos anos 1970, a Conferência Internacional sobre a Crise Mundial na Educação (1967), convocada pelo presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson, promoveu um renovado ataque ao humanismo pedagógico, estabelecendo a nível global a ideia de que a educação estava em crise, porque os sistemas escolares e as universidades tiveram sérias dificuldades em incorporar a inovação científica e tecnológica em tempo hábil.
Esta iniciativa foi seguida de múltiplas declarações e documentos, entre os quais o livro “Crise Mundial na Educação” (1971), do cofundador do Instituto Internacional de Planeamento Educacional (IIEP-Unesco) Philip Coombs (1968), e o Relatório Fauré (1973). A solução que o capital começou a propor para sair desta “crise educacional” foi a cultura avaliativa, a comercialização e a privatização.
Na década de 70 do século XX, quando os ventos neoliberais começaram a soprar no mundo, o discurso da cultura avaliativa tomou forma com a normalização dos termos, a padronização dos currículos e das práticas pedagógicas, a indexação dos modelos de políticas públicas para o setor, a serialização de publicações e bibliometria, o pragmatismo didático e o funcionalismo avaliativo. A comercialização centrou-se na construção de perfis de formação escolar e universitária orientados para a empregabilidade e para o mercado, enquanto a privatização baseou-se na instalação da noção de que boas práticas educativas só poderiam ser alcançadas se fossem possíveis diferentes formas de privatização.
Na década de 1980, o capitalismo avançou na promoção das cinco categorias avaliativas para a educação, para construir indicadores e metas de realização, como se os sistemas escolares e as universidades fossem fábricas convocadas a produzir mercadorias tituladas. Qualidade, relevância, inovação, eficácia e impacto tornaram-se as ideias que permitiram institucionalizar a lógica da oferta e demanda comercial na educação.
Ao longo do caminho, os salários e as condições precárias de trabalho de professores e professoras tornaram-se mais agudos, enquanto o desinvestimento educacional se generalizou. A terceirização de serviços, prestação, manutenção e até infraestrutura acabou abrindo caminhos para que o orçamento educacional fosse parar nas mãos dos setores empresariais. O ataque ao sindicalismo docente foi intensificado para reduzir as possibilidades de resistência organizada à ofensiva capitalista contra a educação.
Na década de noventa do século XX, o neoliberalismo popularizou os testes padronizados para o ensino primário e secundário, fazendo o mesmo com as classificações padronizadas para o ensino universitário. A cultura ISO foi instalada na educação, fazendo da medição a forma de avaliar se a educação estava saindo dos parâmetros de “crise”, para reinventar-se de acordo com as exigências do mercado.
O paradigma STEM e os testes padronizados, implementados pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade Educacional (LLECE – Unesco) e PISA (OCDE), tornaram-se as referências aceitas pelo cosmopolitismo empresarial para indicar se estava ou não saindo da crise educacional, quando, em realidade, tratava-se de conjugar a empregabilidade e a comercialização dos processos de ensino e aprendizagem. No ensino superior, os rankings se consolidaram através da dinâmica de acreditação, internacionalização, bibliometria, imposição de captação de recursos privados para poder realizar pesquisa e extensão, bem como com a desvalorização do conteúdo humanístico e do pensamento crítico. A universidade tentou ser encapsulada para poder estudar a realidade sem pisar nela.
No século XXI, a padronização multilateral da educação (Objetivos do Milênio, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), a chamada transformação digital da educação (centralidade do digital-virtual) e a influência crescente da filantropia corporativa (Think Tanks que dizem e financiam o que as empresas consideram que deve ser feito na educação) continuaram tentando alinhar os sistemas escolares e as universidades com os propósitos do mercado.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um esforço terrível de homogeneização educacional à escala planetária, que procura alinhar os sistemas escolares e universitários à transição do modo de produção capitalista da terceira para a quarta revolução industrial. Tentam impor uma visão única da educação, com indicadores, metas e realizações uniformes, como se a diversidade não existisse. Querem impor um modo único e controlável de diversidades sexuais, negritude, gênero, novas masculinidades e opressões em geral, despolitizando as diferentes formas de resistência às opressões de corpos, mentes e classes sociais.
A chamada Transformação Digital da Educação foi acompanhada por novas formas de privatização. Desde a quarentena devido à pandemia da Covid-19, foram alunos, alunas, professoras e professores, trabalhadores e trabalhadoras da educação e famílias que tiveram que assumir os custos da mudança para modelos de educação virtuais, híbridos, assíncronos e digitais. O acesso à internet e a planos de dados, a aquisição de equipamentos de ligação remota e acesso a plataformas de ligação proprietárias são cada vez mais uma responsabilidade da qual os Estados procuram isentar-se de pagar. A soma individual desta dinâmica privatizante significa a transferência de milhões de dólares dos bolsos de trabalhadores e trabalhadoras para os cofres do capital e das grandes corporações tecnológicas. No entanto, a desigualdade de oportunidades, devido à origem social e ao poder de compra de muitos e muitas estudantes, também está gerando formas renovadas de estratificação e exclusão educativa.
O capital pretende converter aqueles de nós que participam nos processos de ensino e aprendizagem em simples operadores tecnológicos esclarecidos, eliminando a possibilidade de sermos trabalhadores e trabalhadoras da educação e estudantes que pensam sobre as formas tecnológicas que a educação exige no presente. Pretendem limitar as demandas dos setores organizados ao fornecimento de equipamentos, conexão e manutenção de redes e não pensar em tecnologia situada e socialmente capaz de produzir uma transformação das mentes e do meio ambiente.
Como culminação desta situação, agora, o digital-virtual nas escolas e universidades torna-se um instrumento de captação de dados, para instalar um regime preditivo capitalista, que permite modelar personalidades de acordo com as necessidades de consumo e do mercado, mas também implementar modelos orwellianos de controle em espaços educacionais. Isto levanta novas exigências aos sindicatos e organizações estudantis, que também não podem esquecer os outros aspectos da ofensiva do capital na educação.
Todos os dias, cada vez mais, os chamados “empresários unidos pela educação” querem ditar o tom do que precisa ser feito na educação e usam os fundos disponíveis nas suas fundações para o fazer. Financiam think tanks que se tornam os novos locais de enunciação de políticas públicas em educação e controlam o multilateralismo educativo, através da chamada governança global da educação.
Tudo isso aconteceu – e acontece – com a cumplicidade aberta ou encoberta dos governos. As políticas públicas em educação foram permeadas por essas perspectivas e práticas, tentando construir um senso comum de aprendizagem, alinhado à formação como mercadoria.
Porém, o que o capital não contava com a resistência sindical, dos trabalhadores e das trabalhadoras da educação, de estudantes e suas famílias, que construíam um tecido social alternativo, travando a ofensiva das burguesias sobre a educação, mas também construindo práticas e propostas que recuperassem a ideia do comum, a perspectiva das pessoas, das trabalhadoras e dos trabalhadores sobre o sentido e a orientação da educação.
Essas resistências sindicais e estudantis foram contornando os aparatos burocráticos, que buscavam legitimar o pensamento comercial único para a educação e tomando consciência de que o combate ao capital, em matéria educacional, se faz em todos os lugares e territórios do planeta. A ofensiva do capitalismo contra a educação pública, gratuita, popular, secular, científica, democrática e humanista é global e, portanto, resistir-lhe só é possível se aqueles de nós que resistem o fizerem de forma coordenada.
Hoje, as maiores possibilidades de resistência à ofensiva do capital se expressam na aliança de sindicatos e associações de trabalhadores e trabalhadoras da educação, organizações estudantis e comunitárias. A aliança do capital contra a educação do povo só pode ser confrontada com uma ampla aliança dos setores populares organizados.
Esse é o espírito que inspira a convocação e realização do III Congresso Mundial contra o Neoliberalismo na Educação: a defesa da educação pública. De 11 a 17 de novembro de 2024, lutadores sociais, sindicais e estudantis estarão se unindo não só para analisar o que está acontecendo e construir um mapa de resistência, mas para pensar alternativas pedagógicas e continuar trilhando caminhos de unidade na diversidade, para defender a educação crítica, a criatividade e o compromisso social. As pessoas humildes de hoje e as novas gerações de homens e mulheres que vivem do trabalho exigem um esforço redobrado para impedir que o capitalismo alcance os seus propósitos na educação.
Esperamos vocês de braços abertos, com o coração entusiasmado e com a clara consciência do desafio que temos pela frente. O evento acontece de 11 a 17 de novembro, nas instalações da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), na capital fluminense, no Brasil. Vamos construir juntos o futuro da liberdade, da democracia e da justiça social através da educação, que o nosso povo exige.
Comitê Organizador