Por Mariana Conti*
Observo consternada um movimento por parte da esquerda e do campo progressista de naturalização do ajuste fiscal. A recepção entusiasmada do pacote anunciado por Haddad é a teatralização disso. Antes, a esquerda combatia o ajuste como o “fim do mundo”. Os contornos do governo de coalizão fizeram com que parcela da mesma esquerda comemorasse agora o pacote do ajuste fiscal como “avanço”.
Em geral, a consciência de esquerda entende que “era o que dava para fazer diante de um Congresso conservador”. Sim, o Congresso é conservador, pragmático e serve como correia de transmissão das demandas do mercado. A questão é que a aplicação do arcabouço fortalece objetivamente os conservadores, dentro e fora do Congresso. Os direitos sociais e as políticas públicas, ainda mais desmantelados pela aplicação do arcabouço fiscal, tem sido substituído pelo assistencialismo clientelista financiado pelas emendas parlamentares.
O resultado é obvio: políticos conservadores e neoliberais saem fortalecidos nas suas bases eleitorais. É o avanço ideológico e material do conservadorismo sobre os mais pobres. Tenho visto setores da esquerda, sobretudo após a derrota eleitoral de 2024, se questionar sobre o problema do “diálogo” com os debaixo. Isso é real e acho que, em grande medida, é um esforço sincero de reflexão. Mas qualquer diálogo e defesa no campo das ideias tem como terreno o campo da realidade material. O corte de direitos trabalhistas e sociais piora a vida das pessoas e as deixa mais reféns do clientelismo conservador capitaneado pelos partidos do centrão e da extrema direita. Precisamos disputar projeto alternativo e isso passa por combater o ajuste fiscal. Isso não significa embarcar em aventuras, é preciso pé no chão e reconhecer que as forças estão em disputa. Mas é preciso disputar, se não perdemos por WO.
O alastramento da pauta do fim da jornada 6×1, o impacto social e político que essa pauta trouxe, evidencia que a esquerda não pode entregar a toalha de antemão. Há muito tempo não víamos uma agitação social tão potente em torno da redução da jornada de trabalho. O imaginário da pauta levou os trabalhadores da PepsiCo de Itaquera e Sorocaba a entrarem em greve com essa demanda. Ainda não sabemos o desdobramento dessa luta corajosa, mas é um exemplo de resistência decidida e um indício de que no subterrâneo da luta de classes as coisas se movem.
Mais do que nunca, é preciso construir e reagrupar a esquerda anticapitalista e isso só se faz na experiência real das lutas. Por isso, é preciso ter posição firme e lutar contra esse ajuste fiscal que o capital financeiro exige e o governo federal apresenta. Não aceitaremos a lógica da austeridade fiscal como saída da crise.