Por Vladimir Safatle*
Recentemente, o mundo acompanhou Los Angeles em chamas devido a queimadas provocadas pela crise climática que ganharam proporções devastadoras. Pelo menos 28 pessoas morreram e mais de 16 mil estruturas foram destruídas devido a fenômenos extremos, como estiagens prolongadas e ventos intensos, associados à irresponsabilidade da especulação imobiliária que constrói em zonas de alto risco.
Há meses, uma cena similar foi vista no Brasil em meio às queimadas produzidas por fazendeiros no interior de São Paulo. Por muito pouco, os condomínios de Ribeirão Preto não tiveram o mesmo destino que seus amigos californianos.
Essa repetição é a expressão didática de que estamos globalmente conectados em uma espiral de catástrofes. Foi para tal espiral que, ao final, nossos ideais de progresso e desenvolvimento nos levaram.
As catástrofes se retroalimentam de forma didática. As 18 árvores queimadas por segundo na floresta amazônica em 2021 devido à pressão do agronegócio por pasto e grandes áreas para plantações aceleraram o aquecimento climático, criando as condições para que incêndios florestais como o que atravessou Los Angeles ocorram. De certa forma, a árvore derrubada na amazônia queimou na Califórnia.
Diante disso, devemos ter a coragem de assumir que o modelo de ação contra a crise climática foi, até agora, um largo fracasso. Os atores políticos governamentais globais, com seus foros espetaculares de deliberação, suas COPs que sempre terminam decepcionando ativistas ecológicos seriamente engajados, não fizeram e não farão nada que possa efetivamente mudar a direção de uma crise anunciada há décadas.
Eles não farão algo por estarem completamente conectados à preservação de um modelo econômico, com seu extrativismo, sua dependência de combustíveis fósseis, sua visão da natureza como mero espaço de valorização do capital, que é o verdadeiro responsável pelas casas queimadas e pelo ar cheio de fumaça.
Nesse sentido, qualquer ação que espere ser minimamente eficaz deve começar por mudar o padrão de decisão. Isso passa por lutar pela decretação de um estado de emergência climática que retire dos governos a capacidade de decisão e dê à soberania popular a possibilidade de deliberação. Aqueles que sofrem imediatamente as consequências da crise climática devem decidir, e não grupos políticos submetidos ao poder obscuro dos lobbies e aos interesses econômicos hegemônicos. Isso obrigaria a criação de espaços de debate aberto onde as informações poderiam efetivamente circular e a luta política ser feita de outra forma, com maior chance de sucesso.
Àqueles que, ao contrário, temem a pretensa irracionalidade das massas, lembraria de Spinoza, para quem esconder as verdadeiras causas do povo, submetê-lo a um fluxo de informações distorcidas e esperar que ele decida bem é o cúmulo da estupidez.
Neste momento onde fica evidente a aceleração em direção a uma crise ecológica sem fim, lutemos para que a decisão sobre nosso futuro volte para nossas mãos.
*Vladimir Safatle é Professor Titular de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).
Texto originalmente publicado na Folha de São Paulo