No dia 12 de março, um vídeo viralizou nos Estados Unidos. Nele, um jovem deputado do estado de Nova York confrontava duramente Tom Homan, o policial designado por Donald Trump para ser o “Czar das Fronteiras”, um dos chefes da repressão à imigração. O parlamentar, que gritava “Quantos mais de Nova York vocês vão deter?”, era Zohran Mamdani, 33, do Democratic Socialists of America (DSA).
Zohran é pré-candidato a prefeito de Nova York. Ele disputará as prévias democratas em 24 de junho desafiando o status quo e defendendo um conjunto de propostas radicais, a serem colocadas em prática com base na taxação dos ricos.
Sua campanha está envolvendo o ativismo com energia semelhante à que Bernie Sanders criou durante as campanhas presidenciais. Zohran é a novidade nas eleições e aparece em segundo lugar nas pesquisas, atrás de Andrew Cuomo, o nome do establishment democrata. Sua vitória representaria um revés para o trumpismo na maior cidade do país.
Nossa coluna conversou com Zev Reisman, um dos ativistas e líderes envolvidos na campanha. Leia abaixo a tradução da entrevista:
- Olá, Zev. Obrigado pela entrevista. Você pode se apresentar e dizer qual é o seu papel na campanha de Zohran?
Meu nome é Zev Reisman. Eu faço parte do Bread & Roses (caucus marxista do DSA) na cidade de Nova York e atualmente sou líder voluntário na campanha de Zohran Mamdani. Semanalmente, eu organizo voluntários em equipes de campanha, cuja responsabilidade é bater à porta de eleitores e apresentar a eles a candidatura de Zohran.
- Quem é Zohran? Onde ele nasceu e qual a sua trajetória política?
Zohran é filho de uma cineasta de Bollywood (Mira Nair) e de um acadêmico marxista (Mahmood Mamdani), ambos indianos. Ele nasceu em Uganda, mas mudou para Nova York ainda criança.
Ele começou a se envolver com política quando era estudante, organizando o Students for Justice in Palestine na Bowdoin University. Depois, tornou-se membro do DSA no contexto da candidatura de Bernie Sanders à presidência. Ele foi parte da primeira equipe de campanha municipal do DSA em Nova York, que lançou o nome do reverendo Father El-Yateem (primeiro palestino-americano a disputar um cargo público na cidade) para a Câmara Municipal.
Desde então, Zohran tornou-se um quadro ativo do DSA na cidade. Ele disputou e venceu as eleições para a Assembleia Legislativa pelo distrito de Astoria (Queens), o mesmo pelo qual foram eleitas Alexandria Ocasio-Cortez (para a Câmara de Deputados) e Tiffany Cabán (para a Câmara Municipal). É a “República Popular de Astoria”, como costumamos dizer.
Portanto, Zohran foi um dos primeiros quadros do DSA a vencer eleições, em 2020, e contribuiu para tornar o Queens uma fortaleza do DSA em Nova York.
- Quais são as principais propostas de Zohran para a cidade de Nova York?
Sua plataforma de campanha tem como eixo construir uma cidade voltada para a classe trabalhadora, uma Nova York mais acessível financeiramente e que atenda às necessidades básicas de todas as pessoas.
Por exemplo, uma de suas propostas é tornar gratuito o sistema de ônibus. Como deputado, ele mesmo já aprovou a legislação de um plano-piloto que institui uma linha de ônibus gratuita para cada divisão administrativa de Nova York. Essa experiência é um sucesso e ele pretende universalizá-la. Durante o auge da pandemia de Covid-19, Nova York teve ônibus gratuitos. Ou seja, nós já experimentamos a importância, a eficiência e a viabilidade dessa medida.
Outra proposta é criar uma rede de mercados municipais. Operada pela prefeitura, essa rede poderá atenuar o problema do aumento de preços, além de resolver a crise dos “desertos alimentares” na cidade, isto é, bairros de baixa renda onde não há mercados ofertando alimentos de qualidade atualmente, por falta de interesse das grandes redes de supermercados.
Zohran também propõe universalizar a rede pública e gratuita de creches, atendendo bebês e crianças de 6 semanas a 5 anos de idade, uma medida fundamental para mães e pais trabalhadores.
Finalmente, talvez a sua principal bandeira seja o congelamento dos alugueis para toda a rede de rent-stabilized buildings (edifícios com aluguel estabilizado). Considerando que o prefeito nomeia o conselho municipal responsável por determinar reajustes, ele nomeará apenas pessoas comprometidas com o congelamento dos alugueis durante todo o período da sua administração.
- Como você avalia o engajamento e as contribuições do DSA para a campanha?
Há uma integração profunda entre a campanha de Zohran e a seção de Nova York do DSA. Grande parte de sua equipe é composta por membros do DSA, que lideram as idas aos bairros para dialogar com os eleitores. Zohran identifica-se abertamente como um democratic socialist (socialista democrático), e os voluntários envolvidos na campanha são convidados a conhecer e se integrar ao DSA.
No entanto, a campanha não é restrita aos socialistas, mas, sim, aberta a todos que querem se engajar. Um aspecto muito animador, e também desafiador, é a quantidade de novos ativistas envolvendo-se pela primeira vez com a política. Nas atividades de campanha, tenho visto uma maioria de pessoas novas, que jamais vi em algum evento do DSA nos últimos 6 anos, por exemplo. Isso é muito animador. Esse ativismo está trazendo energia e entusiasmo para a campanha.
Mas, claro, isso também abre a questão se o DSA será capaz de absorver e organizar esse ativismo, fazendo-o ir além do período da campanha, ampliando as nossas fileiras de membros e organizadores ativos.
- Qual a importância de uma eventual vitória de Zohran para a comunidade imigrante e para a luta em defesa da Palestina, em meio ao governo Trump?
Zohran tornar-se prefeito teria um impacto imenso tanto para a luta pelos direitos dos imigrantes quanto para o movimento de solidariedade à Palestina. Não apenas a prefeitura de Nova York viraria um bastião, mas a própria estrutura governamental estaria a serviço de proteger a população da cidade em relação às perseguições injustas e ilegais do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Aduanas) e do governo Trump.
Hoje em dia, nós já vemos o papel importante cumprido no tema da imigração por parlamentares do DSA como Alexa Avilés e Tiffany Cabán (vereadoras de Nova York), que tomam iniciativas para promover os direitos dos imigrantes e protegê-los das deportações ilegais. A possibilidade de estar à frente da prefeitura de Nova York protegeria milhões de famílias na cidade.
Da mesma forma, eu diria que Zohran, enquanto prefeito, daria guarida aos ativistas pela solidariedade à Palestina. A prefeitura seria um polo contrário às ameaças de deportação em decorrência dessa luta. Zohran, aliás, chegou a declarar que, enquanto prefeito, ordenaria que o NYPD (Departamento de Polícia de Nova York) prendesse Benjamin Netanyahu, na hipótese deste pousar na cidade.
Eu acredito que Zohran seria um claro contrapeso a Trump, como prefeito da maior cidade dos Estados Unidos.