Por Mônica Oliveira – Comunicadora Membra da Coordenação da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
As fortes chuvas que atingiram nos últimos dias algumas regiões do Estado de Pernambuco, especialmente Recife e Região Metropolitana e Zona da Mata, já deixaram mais de 120 mortos, devido a deslizamentos de barreiras e alagamentos. Há mais de 7 mil desabrigados e ainda há pessoas desaparecidas. A maior tragédia já registrada no estado.
Autoridades diversas “culpam” as chuvas pela tragédia.
Entretanto, sabemos bem de quem é a responsabilidade pelas cidades não estarem preparadas para lidar com o aumento das chuvas. Na realidade, o correto é primeiro relembrar que esse desequilíbrio no volume de chuvas é responsabilidade da ação humana sobre a natureza, que tem provocado as mudanças climáticas, que por sua vez geram os desastres que estão vitimando a população mais pobre.
As chuvas são sagradas. Sagradas para nós que somos de religiões de matriz africana, sagradas e esperadas ansiosamente pelas populações dos sertões, das regiões semiáridas. Não é a chuva que está matando as pessoas. É a política de morte, profundamente marcada pelo racismo ambiental, que vem sendo perpetrada pelos governos estadual e municipais, que escolhem quem deve viver e quem se pode deixar morrer.
As chuvas caíram também sobre bairros “nobres” das cidades, e não morreu ninguém nesses territórios. Só morreram pessoas que habitavam as chamadas “áreas de risco”, que são territórios de população majoritariamente negra, onde o Estado só chega pelo braço da violência policial. Territórios onde não há o tratamento adequado de barreiras, onde não há saneamento básico, onde não há educação ambiental, nem moradia digna, nem urbanização, nem equipamentos públicos adequados.
Nos dias anteriores aos temporais, a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) previu a chuva e divulgou alertas. Entretanto, esses alertas foram feitos através de SMS, meio pouco usado atualmente por qualquer pessoa. Por que não se colocou comerciais na TV e nas rádios? Porque avisar as pessoas através dos meios mais ágeis não foi considerado uma prioridade?
Para além de emitir alertas para a população que mora em áreas de risco e exigir que elas abandonem suas casas, é preciso dar condições de habitação e implementar medidas de prevenção e mitigação de riscos para as pessoas que podem ser afetadas por deslizamentos e inundações.
É fundamental melhorar a política de saneamento básico do Estado. Recentemente, foram divulgados dois estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que revelaram o flagelo do saneamento básico em Pernambuco. Apenas 51 municípios (34,2%) do Estado tinham estruturas de tratamento de esgoto em funcionamento em 2017, informa a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) do IBGE. A porcentagem é quase metade da média nacional de 62,8%, e também fica abaixo do nível do Nordeste (51,2%), o menor de todas as regiões. Os governos não garantem saneamento para os territórios de maioria negra e pobre.
A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) 2017, publicada também recentemente, trouxe números que explicitam ainda mais essa grave situação: dos 158 municípios que informaram ter rede coletora de esgotamento sanitário naquele ano, só 28 (18%) deles disseram cobrir totalmente a zona urbana. O recorte da zona rural é ainda mais crítico: 111 municípios (70%) com esgotamento responderam não oferecer o serviço para essa região. Só 42 cidades tinham o sistema na zona rural, mas só uma delas com alcance a todos os distritos.
Em Recife, a situação do esgotamento sanitário também é precária. Apenas 43,96% da população da capital recebe atendimento de coleta de esgoto. Esses índices revelam que a atuação da Prefeitura ainda é insuficiente nessa área. Recife está entre as últimas posições do Ranking do Saneamento Básico, entre as 100 maiores cidades o país, está na 75ª posição.
É necessário fazer um mapeamento dos locais de risco e realocar as pessoas ANTES da tragédia acontecer. Porque se essas pessoas estão morando num local de risco, é porque não têm outro local para viver, portanto, elas não vão sair de lá facilmente. Esse problema tem a ver também com a falta de uma política de habitação eficaz no estado. O Governo precisa garantir moradia digna para as pessoas que necessitam.
Não se pode culpar a natureza pelo despreparo e a falta de investimento do poder público para lidar com eventos sazonais e previstos. Eles tendem a se acentuar. Os desastres são previsíveis, reincidentes e cada vez mais intensos. Isso está ocorrendo principalmente por causa das mudanças climáticas. O Recife, por exemplo, é a capital brasileira mais ameaçada por esses fenômenos, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Até quando a população pobre e negra continuará sendo vitimada pelas políticas racistas e neoliberais dos diferentes governos? O povo negro quer viver! Como moradia digna, com segurança, com respeito à natureza e sem desigualdades!