Waldo Mermelstein
Neste ano há várias datas marcantes para a Palestina.
Há cem anos, a Declaração Balfour, da Inglaterra, favorecia a criação de um “lar nacional judaico” para os judeus, que eram 10% da população.
Há 70 anos, a ONU votou a Partilha da Palestina, que dividiu o país dando 51% da área para a minoria judaica que tinha 30% da população.
Logo após, os sionistas iniciavam a limpeza étnica que expulsou 80% dos palestinos.
Há 50 anos, em 1967, Israel ocupou “provisoriamente” o restante da Palestina.
A natureza do Estado de Israel Israel domina toda a vida na Palestina histórica, aquela do mandato britânico. Metade dos palestinos são refugiados, impedidos por Israel de retornar, apesar das repetidas resoluções da ONU. Outros quatro milhões vivem em um regime colonial: na Cisjordânia, cheio de muros, controles militares e 500 mil colonos judeus e em Gaza, numa imensa prisão a céu aberto.
Para se entender como Israel manteve essa situação com o apoio esmagador da maioria judaica é preciso saber como funciona o Estado. Nele, os palestinos são 20% da população. São cidadãos do Estado, mas a única nacionalidade reconhecida é a judaica, o que é a fonte de todas as discriminações. O país não tem Constituição escrita e uma das leis básicas do Estado é a “Lei do Retorno”, que dá aos judeus o “direito” de se tornarem cidadãos de Israel, ao passo que nenhum refugiado palestino o tem. As pesquisas históricas mostram como foram meticulosamente expulsos, mas mesmo se isso não fosse assim, não deveria alterar o seu direito de retorno.
Os palestinos têm direito de voto, mas os partidos que questionam o caráter judaico do Estado são proibidos. Noventa e três por cento das terras são controladas pelo Fundo Nacional Judaico, que proíbe a sua concessão a não judeus. Com o controle das instituições do Estado, os judeus se beneficiam desproporcionalmente dos recursos estatais. O Estado impede a construção ou a expansão de bairros ou de cidades palestinas desde a formação de Israel em 1948, o que explica a frequência das demolições de casas de palestinos. Os “Comitês de Admissão” locais, com maioria judaica, podem vetar legalmente a presença de “indesejados”. Cerca de cem mil palestinos beduínos vivem em aldeias “não reconhecidas” pelo Estado, sob constante ameaça de erradicação. Os melhores empregos e os empréstimos habitacionais e educativos são direcionados aos judeus, por meio do pré-requisito de ter servido o exército.
Quanto aos direitos individuais, a discriminação é constante. Por exemplo, as reunificações familiares entre palestinos cidadãos israelenses e os dos territórios ocupados são proibidas por lei. Ou então a repressão brutal quando se solidarizam com os palestinos dos territórios ocupados. As instituições do Estado, em especial as de segurança, discriminam claramente os palestinos. Basta chegar ao aeroporto de Tel Aviv para se ver isso. Nos territórios ocupados, os colonos são regidos pelas leis israelenses e os palestinos, por leis que remontam ao Mandato Britânico. Além disso, há 6.500 presos políticos palestinos, muitos sem julgamento. Mais de 1.600 deles acabaram de realizar uma greve de fome de 40 dias exigindo condições mínimas dentro das prisões e foram vitoriosos.
Essa é a essência do regime de apartheid existente nas fronteiras de Israel. Nelas, o autodenominado Estado “judeu e democrático” só funciona sendo um Estado democrático para os judeus e um estado judaico para os demais.
Alternativas para a Palestina
A solução para superar a opressão palestina oscila entre duas posições. Há os que propõem dois Estados, de acordo com as fronteiras de antes da guerra de 1967. Isso seria uma solução injusta, pois deixaria de fora os palestinos de Israel e os refugiados, e levaria à formação de um Estado inviável, dominado pelo vizinho poderoso. Creio que a opção por um Estado democrático é a única que pode restituir os direitos dos palestinos.
Em qualquer caso, o tema dos refugiados e seus descendentes é essencial e eles devem poder exercer seu direito de retorno às terras e às propriedades originais, assim como o de receber indenizações pelas perdas (mesmo os que não desejarem retornar). A maioria dos que vivem como refugiados nos países vizinhos e na Cisjordânia e em Gaza, assim como os deslocados internos dentro de Israel (os chamados “ausentes-presentes” mais um oximoro sionista) certamente o farão.
A decisão terá que ser dos refugiados, livremente e com pleno suporte financeiro internacional, como apontam suas organizações. Estudos de um importante pesquisador palestino, Salman Abu Sittah, mostram que a maior parte das terras de onde provieram os refugiados estão despovoadas, localizando-se longe dos centros urbanos de Israel. No caso de um acordo, nos lugares em que não for possível que eles voltem aos mesmos lugares (onde tenham sido construídas universidades ou hospitais, por exemplo), pode-se achar outras soluções próximas, se o critério não for racista. Nas cidades que foram “judaizadas” a situação será mais complicada, mas sempre há saídas, desde que haja vontade política do Estado: afinal, Israel absorveu um milhão de russos na década de 90. Inaceitáveis são os critérios demográficos racistas do establishment sionista, lamentavelmente compartilhados por setores amplos da chamada “esquerda sionista”.
Os grupos nacionais na Palestina
De fato, já existe um só Estado entre o rio Jordão e o Mediterrâneo com cerca de 12 milhões de habitantes, metade judeus e metade palestinos Estado dominado ferreamente por Israel.
A Palestina é o último fato colonial ocidental remanescente. Um tipo de colonialismo de povoamento, em que uma população de imigrantes, eles próprios oprimidos em suas terras de origem, conquistaram o novo país e subordinaram, pela exploração ou pela exclusão (em geral de forma combinada), a população original.
Após 70 anos, aparentemente esses colonos como eles próprios se denominavam e seus descendentes constituíram uma nova nação judia-israelense que se auto identifica pela língua, a economia e as tradições culturais. A maioria deles, afora os mais ricos, não tem a opção de fugir para a metrópole, como os pieds-noirs da Argélia. Aí incluídos os 50% dos judeus israelenses oriundos dos países árabes, apesar de sofrerem forte discriminação dentro da própria nacionalidade dominante.
A força inegável de Israel como potência regional e nuclear, apoiada pelos Estados Unidos e pela União Europeia, torna ainda mais importante que, como na África do Sul, um setor importante, mesmo que não majoritário, da nacionalidade opressora seja ganho para a luta.
Essa solução enfrentará imensas resistências dentro da população judaica. Para ganhar mais do que indivíduos isolados solidários, é necessário um programa que assegure os direitos nacionais dos judeus israelenses em um país descolonizado.
Mas não estamos perante um conflito entre direitos nacionais equivalentes. A autodeterminação nacional é um direito dos oprimidos e não dos opressores. Como nacionalidade opressora, os judeus israelenses teriam que ceder seus privilégios para conviver em igualdade de condições e desfrutar de seus direitos nacionais (direito a língua, cultura, religião, tradições).
Os judeus israelenses precisam escolher: que futuro desejam? Um país eternamente militarizado? Continuar sendo párias no Oriente Médio e manter a fina flor de sua juventude como gendarme de outro povo? A condenação mundial cada vez maior? A degeneração racista e a perseguição aos próprios judeus que se atrevam a dissentir, como aponta, entre outras, a lei que criminaliza a recordação da Nakba?
Novas perspectivas
Apesar de seus êxitos relativos, Israel não pode vencer nos médio e longo prazos. A população palestina segue resistindo e não há hoje condições de se repetir a limpeza étnica massiva de 1947-1948. A sua resistência vem de longe e inclui várias formas, inclusive a resistência armada, como na defesa frente aos ataques brutais a Gaza.
A novidade desde 2005 é o movimento pelo BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que luta pela igualdade de direitos nas fronteiras de 1948, pelo fim da ocupação e pelo direito de retorno dos refugiados.
Mesmo em pouco tempo, o BDS é um enorme sucesso e começa a preocupar Israel. A mais recente adesão foi a da Federação Nacional de Sindicatos da Noruega, com 900 mil filiados.
As brutalidades de Israel fizeram com que, mesmo nos Estados Unidos, setores importantes da população se distanciassem de Israel. Um número minoritário, mas crescente, de judeus liberais vem se juntar aos antissionistas de mais longa data. Como na luta para derrubar o apartheid, o desequilíbrio de forças na Palestina torna fundamental uma pressão externa. Excluir as instituições de Israel das atividades econômicas, militares e culturais internacionais é um poderoso recado, similar ao que foi dado na luta contra o apartheid sul-africano. Um apoio material e moral à luta dos palestinos para derrubar o muro de discriminação que cerca a Palestina.