Fernanda Melchionna
Na calada da noite o Congresso aprovou o projeto da terceirização de tudo, o projeto de lei 4302/1998. Como se não bastasse, o relator Laércio Oliveira (Solidariedade) afirmou que “ninguém faz limpeza melhor que uma mulher”. Seguindo a tradição do machistério de Temer, e sem nenhuma vergonha na cara, o deputado reconhece com essa fala que a área que mais contrata empresas terceirizadas os serviços de limpeza é composta por 60% de mulheres, em sua maioria com baixos salários, muita exploração e grande precarização do trabalho.
Enquanto para ele e para a elite empresarial isso é sinônimo de avanço, para nós, mulheres, a aprovação e a sanção deste PL representam um grande retrocesso que precisamos derrotar.
A entrada da terceirização no Brasil ocorreu em meio à reestruturação produtiva neoliberal. Até agora era regulada pela Súmula 331 de 1994 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que proíbe a terceirização em atividades. Ou seja, essa modalidade precária de contratação era aceita em atividades tidas como não essenciais, tais como limpeza, alimentação, vigilância e asseio entre outras. E a experiência nestes 20 anos já comprova que a terceirização significou rebaixamento dos salários, alta rotatividade, precarização e dificuldade da ação sindical desses trabalhadores. Segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese, os trabalhadores terceirizados já representam 30% dos trabalhadores assalariados brasileiros, recebendo em média 24,7% a menos e trabalhando cerca de três horas a mais por semana.
Tal como o projeto da reforma da Previdência, o projeto de lei da terceirização impactará ainda mais as mulheres trabalhadoras. Para Teixeira (2015), entre as mulheres com carteira assinada, as terceirizadas já são 20% e concentradas justamente nos empregos que pagam menos. Ou seja, uma a cada cinco mulheres assalariadas já é terceirizada. E as mulheres estão nos empregos com menor remuneração entre os terceirizados, geralmente limpeza e alimentação.
A socióloga Helena Hirata escrevendo sobre a nova configuração da divisão sexual do trabalho apresenta dois princípios básicos: o da separação e o da hierarquia. Como separação, temos aquelas ocupações tidas como masculinas (identificadas historicamente com a produção) e as femininas (com a reprodução). Não é à toa que limpeza e alimentação sejam atividades majoritariamente realizadas por mulheres, pois fomos empurradas historicamente para o trabalho doméstico, como se isso fosse uma atribuição natural e não uma relação social de exploração historicamente construída, que além de impor uma dupla jornada de trabalho para a maioria de nós, ainda determina o lugar das mulheres no mercado de trabalho. Também não surpreende que estas sejam as atividades de menor remuneração, pois na lógica da hierarquia patriarcal as mulheres sempre ganham menos.
Como se não bastasse a liberação da terceirização em todas as atividades essenciais, incluindo o setor público e privado, o projeto de lei 4302/1998 é um duro golpe também em outros aspectos: aumenta o tempo de contrato temporário de três para seis meses, permite a contratação de serviços terceirizados em setores essenciais que estejam em greve ou quando a greve for declarada abusiva pelo Judiciário, libera a chamada quarteirização, permitindo à empresa terceirizada subcontratar outra para a realização de seus serviços. Para piorar, questões como atendimento médico ficam a critério da empresa contratante.
Precisamos de uma resposta forte contra os ataques que as classes dominantes tentam impor. As mulheres, como as mais afetadas e as que estão à frente dos protestos mundiais, precisam estar na linha de frente da resistência.
A nova onda feminista e o feminismo dos 99% contra 1%
Vivemos uma nova onda de lutas das mulheres. Os impactos da crise econômica aberta em 2008 atingiram em cheio as massas trabalhadoras mundo afora. As mulheres e os jovens foram os protagonistas das revoluções no Norte da África, nas praças ocupadas da Espanha com o 15M, na Praça Tahir no Egito, no Occupy Wall Street nos EUA, nas jornadas de junho de 2013 no Brasil. Processos iniciados como resistência à crise em 2011 colocaram as ruas como um espaço de disputa e também criaram novos sujeitos políticos. Exemplos não faltam. A mobilização multitudinária na Polônia, conhecida como Protesto Negro, que derrotou a política conservadora do governo de revogação da Lei do Aborto, a campanha Ni Una Menos na Argentina, que se espalhou para a América Latina com a pauta da violência de gênero. No Brasil, a primavera feminista contra Cunha e o PL 5069, além da eleição da bancada feminista do PSOL.
Evidentemente, a crise segue gerando ataques aos direitos dos trabalhadores no mundo inteiro. A ausência de uma alternativa socialista de massas dificulta a derrota dos projetos burgueses. Mas, se por um lado, Donald Trump venceu as eleições dos Estados Unidos, por outro lado, um dia após sua posse, a maior manifestação da história dos Estados Unidos foi realizada e convocada por mulheres. No dia 21 de janeiro as mulheres estadunidenses nacionalizaram o que há muito já acontecia de forma localizada no país, a resistência das mulheres em tempos difíceis. Com o chamado à greve internacional do 8 de março, colocaram com força o tema da classe dentro da nova onda feminista que estamos vivendo. Se as argentinas foram pioneiras ao cunhar a palavra de ordem “Se nossas vidas não importam, que produzam sem nós”, o chamado de Angela Davis e Nancy Frasser para a greve e a construção de um feminismo dos 99% das mulheres, d@s jovens, imigrantes, d@s negr@s e da classe trabalhadora contra a casta dos bancos e governos burgueses sedimentou o conceito e foi determinante para a construção de atos claramente feministas e classistas. Foram registrados atos feministas em mais de 40 países.
No Brasil tivemos milhares de mulheres nas ruas contra a reforma da Previdência e contra Temer e seu machistério em um 8 de março que há décadas não tinha o peso que teve e nem sua dimensão internacional. Este acúmulo da primavera feminista e seus desdobramentos têm que ser parte da construção de uma greve geral no país a partir de 28 de abril, que paralise a produção e os serviços para defender a Previdência, os direitos trabalhistas e contra a terceirização. A melhor resposta aos machistas é mostrarmos que “Ninguém faz uma greve melhor que uma mulher”.