Juliano Medeiros
Durante meses as esquerdas se enredaram numa polêmica que, com o passar do tempo, mostrou-se sem sentido. De um lado, estavam os que defendiam uma “frente ampla”, leia-se, uma frente entre os todos os que estivessem dispostos a resistir aos ataques de Bolsonaro contra os direitos sociais, a democracia e a soberania nacional. Uma frente que reunisse as esquerdas e setores democráticos da centro-direita em oposição ao governo da extrema direita. De outro lado, estavam aqueles que defendiam uma frente das esquerdas, reunindo setores sociais e partidários dispostos a irem além da abstrata “defesa da democracia” e que denunciasse, ao mesmo tempo, a agenda antipopular de Guedes, Bolsonaro e do Centrão.
A polêmica não é totalmente desprovida de sentido, ao menos teoricamente. Ambas as opções táticas têm vantagens e desvantagens. Uma frente mais ampla, como podemos supor, agregaria mais forças sociais contra o governo, alcançando setores que não simpatizam com posições de esquerda. Por outro lado, considerando as diferenças no plano econômico, exigiria um nível de ação mais rebaixado, circunscrito à defesa das liberdades democráticas e do Estado de Direito.
Uma frente das esquerdas, por sua vez, seria politicamente mais coesa, com condições de opor-se à totalidade da agenda bolsonarista, incluindo o violento programa econômico. Por outro lado, ao restringir o diálogo aos setores progressistas da sociedade, uma frente dessa natureza teria muitas dificuldades em construir maioria social para barrar os ataques do governo.
A velha direita e o governo
Em que medida, então, considero que a polêmica se revelou “sem sentido”? Ora, por uma razão simples: não houve qualquer adesão significativa de setores da centro-direita à luta contra o governo Bolsonaro. No Congresso Nacional os partidos da velha direita PSDB, DEM, MDB, PP, etc. têm sustentado a agenda de ataques de Bolsonaro aos direitos e à soberania. Apoiaram a privatização dos Correios e da Eletrobras; viabilizaram o criminoso projeto de autonomia do Banco Central, além da legalização da grilagem e a criação de uma nova modalidade de subemprego, por meio da aprovação da MP 1045. O leitor, com razão, poderá contestar: mas há contradições! Sem dúvida.
A extrema direita bolsonarista e a velha direita neoliberal não têm exatamente o mesmo projeto. E as diferenças se manifestam vez ou outra, especialmente diante dos arroubos autoritários de Bolsonaro e dos militares que o apoiam. Mas na agenda econômica e social, bolsonaristas e neoliberais estão em perfeita sintonia. Basta notar que Novo (86%), PSDB (87%), DEM (91%) e PL (93%) estão entre os partidos que mais votam com Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
A conclusão é simples: não há frente ampla porque não existe um “centro democrático” disposto a construí-la. Quando se trata de retirar direitos, enfraquecer a soberania nacional, precarizar as condições de trabalho e privilegiar o capital financeiro, a unidade entre o bolsonarismo e a direita neoliberal é total. As parcas exceções como os três parlamentares de direita que assinaram o “superpedido” de impeachment só confirmam a regra.
O resultado é uma blindagem institucional que vai do “oposicionista” Rodrigo Maia ao “governista” Arthur Lira. Ambos, na presidência da Câmara dos Deputados, negaram-se a instalar o processo de impeachment, mesmo diante dos incontáveis crimes cometidos por Bolsonaro. Crimes que custaram a vida de milhares de brasileiras e brasileiros durante a pandemia da Covid-19.
Portanto, a frente antibolsonarista realmente existente é uma frente das esquerdas, isto é, uma frente dos partidos, movimentos, intelectuais, artistas, influenciadores digitais, jornalistas que se identificam como progressistas e articulam ao mesmo tempo a defesa das liberdades democráticas e dos direitos sociais.
O programa da unidade
Essa frente tem unidade em torno de alguns pontos fundamentais. O primeiro é a necessidade de interditar imediatamente o projeto de Bolsonaro. Para tanto, reconhece a necessidade de instalar o processo de impeachment e tornar Bolsonaro inelegível, como prevê a lei. O segundo, é a necessidade de barrar a agenda bolsonarista. Ou seja, além de derrubar o governo, derrotar os projetos que avançam com apoio da direita neoliberal, pejorativamente chamada de Centrão. Terceiro, a defesa das liberdades democráticas.
Em que pese a diferença entre projetos, em nenhum momento as esquerdas titubearam em denunciar as investidas golpistas de Bolsonaro ou de seus aliados militares. Quarto, a defesa das conquistas históricas da classe trabalhadora. Projetos como o da autonomia do Banco Central ou a privatização dos Correios contaram com a oposição da maioria dos partidos e movimentos de esquerda e centro-esquerda.
Por tudo isso, podemos concluir que a frente possível é uma frente das esquerdas. Ela é bastante diversa e reúne projetos distintos, que vão de um tímido social-liberalismo a um programa de mudanças estruturais. Essa frente poderia redundar numa unidade eleitoral em 2022? Se considerarmos a gravidade do momento histórico que siderando os diferentes projetos eleitorais em curso legítimos, a priori é pouco provável que isso ocorra. Ainda assim, quem tiver a real dimensão da gravidade do momento que vivemos, lutará pela unidade até o último minuto.