Suas partes têm propriedades medicinais – da casca à seiva, das folhas aos nutritivos frutos – e seu tronco é extremamente resistente, até mesmo a agentes decompositores. Utilizado por povos indígenas latino-americanos de diversas formas, inclusive em cerimônias sagradas, presente sobretudo na Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, e Pantanal, o Jatobá está sob ameaça de extinção. Sofre da combinação perversa da exploração de sua madeira com a diminuição da fauna responsável pela dispersão de suas sementes. Um exemplo do que a ação humana sob o capitalismo tem significado: alienação da natureza e desequilíbrios socioambientais profundos. O Jatobá é também símbolo de resistência e, para nós, um convite à reflexão e à ação. É nesse sentido que emprestamos seu nome a esta revista, a qual nasce com o objetivo de ser um ponto de encontro para um debate urgente.
A urgência do tema socioambiental não é novidade, mas ainda assim a maior parte da sociedade não o encara com a necessária seriedade – um negacionismo perigoso, pactuado em silêncio entre variados setores, inclusive à esquerda. Apesar do esforço de diversas pessoas e movimentos no sentido contrário, a inação é alimentada pela enxurrada de conferências e palavras vazias sobre o assunto, as múltiplas armadilhas de falsas soluções verdes e os sequestros cada vez mais frequentes desses debates e terminologias por forças neoliberais, cujos motores, sabemos, são exatamente a raiz do problema.
Ignoram-se os alertas e saberes dos povos indígenas e os inúmeros relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) tampouco parecem ser suficientes, excetua-se a ocorrência cada vez maior e mais intensa de eventos extremos, e a repercussão midiática parece apenas banalizar o número crescente de pessoas sofrendo os efeitos múltiplos das mudanças climáticas. O fato de que as maiores vítimas desses efeitos são aqueles que menos contribuem com as emissões de gases de efeito estufa sublinha a necessidade de superar o modelo capitalista, que é tanto gerador do desequilíbrio planetário quanto da desigualdade social em nível nacional e internacional.
Nesse sentido, o debate socioambiental deve ser aterrizado o mais próximo possível da classe trabalhadora: é sobre comida na mesa, é sobre casa não alagada, é sobre poder estar vivo e viver bem. Como a maioria da população brasileira vive nas cidades, não é fortuita a escolha do recorte temático desta edição de estreia. É urgente explicitar a conexão entre a Amazônia em chamas e os desafios cada vez mais acentuados da vida urbana, entre a lama que assolou Mariana e Brumadinho e aquela que afeta a vida de milhares de pessoas durante fortes chuvas, anualmente, em cidades de diversos estados do país. As imagens da capa e quarta capa desta edição materializam essa conexão: os grafites de Mundano em edifícios da maior capital do Brasil foram feitos com lama proveniente dos crimes da Vale e com cinzas das queimadas na Amazônia.
A primeira edição da Jatobá traz formulações de conceitos fundamentais à discussão socioambiental; colunas que se aprofundam sobre a relação entre as cidades e a crise climática, bem como a relação dos povos indígenas com esse debate; além de entrevistas com o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, e o Movimento dos Atingidos por Barragem; uma resenha de um clássico do pensamento ecossocialista; a íntegra da síntese da I Conferência da Amazônia do PSOL; e indicações culturais. Com periodicidade trimestral e com perspectiva popular e multidisciplinar, a revista é uma iniciativa da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco para promover reflexões, para dentro e para fora do PSOL, sobre questões socioambientais urgentes e, acima de tudo, sobre as formas de resistência em curso e os caminhos necessários para garantirmos um futuro justo e viável.
Natália Szermeta
Presidenta da Fundação Lauro
Campos e Marielle Franco
• Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (1)
• Conaq – Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (2)
• MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens (3)
• MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores (4)
• MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (5)
• MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (6)
• Alexandre A. Costa – professor titular da Universidade Estadual do Ceará, PhD em Ciências Atmosféricas e colaborador do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. É autor do blog “O que você faria se soubesse o que eu sei” (7)
• Célia Xakriabá – deputada federal pelo PSOL/MG, presidente da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados e primeira indígena doutoranda em antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (8)
• Claudia Horn – socióloga e pós-doutoranda em Crises Climáticas, Riscos e Respostas na Universidade Brandeis (EUA). Realizou seu doutorado na London School of Economics and Political Science sobre a Amazônia e o capitalismo verde (9)
• Cris Faustino – assistente social, feminista negra ambientalista e militante de direitos humanos. É presidenta da Justiça Global-RJ e integra a Coordenação do Instituto Terramar e a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (10)
• Daniel Aldana Cohen – professor assistente da Universidade da Califórnia (Berkeley) onde é diretor do Socio-Spatial Climate Collaborative e co-diretor do Climate and Community Project. É co-autor de “Um Planeta a Conquistar: a Urgência de um Green New Deal” (11)
• Gabriela Gaia – professora e pesquisadora na Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia. É conselheira da Casa Sueli Carneiro, integrante do Grupo de Pesquisa Lugar Comum e coordenadora do Grupo de Estudos Corpo, Discurso e Território (12)
• Jurandir de Novaes – professora na Universidade Federal do Pará e da Universidade Estadual do Maranhão. É doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (13)
• Luiz Arnaldo Campos – coordenador de Relações Internacionais da Prefeitura de Belém. Cofundador e membro do comitê internacional do Fórum Social Panamazônico, e co-organizador da Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia (14)
• Marquito – deputado estadual (PSOL) em Santa Catarina com Mandato Agroecológico. Foi vereador de Florianópolis durante seis anos (15)
• Maureen Santos – cientista política e ecologista. Coordena o Grupo Nacional de Assessoria da ONG Fase, é professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e coordenadora da Plataforma Socioambiental do Brics Policy Center (16)
• Michael Löwy – sociólogo, diretor emérito de pesquisas do Centre
National de la Recherche Scientifique, na França. Um dos grandes pensadores do marxismo e do ecossocialismo (17)
• Sabrina Fernandes – socióloga e pós-doutoranda do Centro Avançado de Estudos Latino-americanos no México. É conselheira sênior de pesquisa do Instituto Alameda e membro do comitê dirigente da Rede Ecossocialista Global (18)