Entrevista
MARCELO FREIXO
Cid Benjamin e Carolina Peters
O deputado Marcelo Freixo nos recebeu para a entrevista à SOCIALISMO E LIBERDADE na sede de sua pré-campanha à Prefeitura do Rio de Janeiro: um conjunto amplo de salas com grandes janelas, num prédio do bairro da Glória.
Era uma dessas lindas manhãs do inverno carioca, quase com cara de verão. O comitê estava repleto de jovens, todos animados e falantes. Dos cerca de 30 presentes, poucos tinham mais de 30 anos. Alguns agrupados em torno a um computador opinavam sobre filmetes recém editados para as redes sociais. Outros cumpriam diferentes tarefas. E havia ainda alguns sentados no chão, com jeito de estarem ali dispostos a ajudar no que fosse preciso.
Freixo chegou ao nosso bate-papo sem atraso, coisa rara para quem está numa intensa précampanha. E veio com cara de relaxado coisa também rara para quem já está na roda-viva.
Com pouco tempo de conversa mostrou que o se diz a seu respeito que tem estudado muito o Rio era verdade. Como é um bom quadro político e tem experiência como expositor, afinal de contas é professor de história, navega pelos números sem deixar que estes aprisionem a narrativa, tornem pesada a conversa ou aborreçam o interlocutor. Antes pelo contrário, os números surgem nas respostas sem atropelar o conteúdo, ilustrando de forma natural o que está sendo explicado. E, claramente, não são citados para impressionar ou mostrar erudição o que é uma grande vantagem.
O resultado da hora e meia de uma conversa descontraída e agradável vai abaixo. Aproveitem.
O que é uma prefeitura de esquerda
Não são poucos os que acham que a esquerda deve apenas atuar no Legislativo, na fiscalização. Para estes, sua ação deveria estar mais num plano teórico, no debate de ideias, sem entrar no exercício prático da administração pública ainda mais uma administração municipal. É evidente que a administração tem limites, desde os limites legais até os limites determinados pela correlação de forças. Mas não há como, diante da desigualdade existente no Brasil, a esquerda se isolar numa caixa confortável, sem assumir tarefas do Executivo. A sociedade não entenderia isso. É preciso tratar da vida das pessoas, do quanto elas gastam com alimento ou com transporte, do tempo que levam pra se locomover. Não dá pra imaginar que a esquerda se dê ao luxo de chegar para a classe trabalhadora e dizer: “Eu te defendo no plano do Legislativo, num plano teórico, fiscalizo o governo que te faz mal, mas não posso ser esse governo, porque não tenho condições de fazer tudo o que gostaria ao administrar a prefeitura.
Novos campos de disputa entre capital e trabalho
Não se pode confundir processo eleitoral e processo revolucionário. No processo eleitoral, ainda mais numa prefeitura, você tem que brigar pra que ele seja cada vez mais democrático, mas sabendo que não leva a uma mudança do modo de produção, a uma mudança no eixo da economia. No entanto, há espaço para mudar as prioridades e a maneira como poder público funciona. Você pode pegar uma cidade e fazer com que ela seja mais participativa, que tenha um envolvimento maior das pessoas, que ajude a ressignificar a política. Este é o papel da uma prefeitura de esquerda. Além, claro, temos que melhorar e democratizar a oferta dos serviços públicos. Mas é importante compreender uma coisa: hoje a relação do capital com o trabalho é mais sofisticada do que no século XIX. O processo de exploração não se dá só na esfera do salário, não se dá só no universo da maisvalia. O processo de exploração envolve elementos subjetivos, envolve territórios, envolve temas que antes não eram centrais na luta de classes. A esquerda precisa fazer essa releitura, até na hora de pensar o seu projeto de cidade, o seu projeto de poder.
A prefeitura, instrumento na disputa da hegemonia.
A eleição e o exercício de governo na prefeitura são instrumentos para a disputa da hegemonia na sociedade. O fato de ser uma disputa eleitoral em regras que não são revolucionárias e, aliás, sequer são democráticas é um desafio, mas não pode ser elemento impeditivo para a esquerda participar das eleições. Há um fato curioso. O arcabouço legal do Estado é, necessariamente, conservador. Historicamente conservador. Existe para organizar a dominação de classe, ajuda a impedir um processo revolucionário, de transformações mais profundas. Mas há uma distância entre o legal e o real tão grande, que se, no Brasil, a lei fosse cumprida de forma estrita, já seria quase uma revolução. Pega o que diz a Constituição sobre a mídia, por exemplo, e cumpre. Pega o capítulo sobre educação e cumpre. E veja, estou falando do que já é lei. Não me refiro a novas leis que podem ser aprovadas, melhorando a situação dos trabalhadores. A verdade é que boa parte das lutas hoje é para as leis serem aplicadas. Não é contra leis opressoras. É para garantir o cumprimento de leis.
Experiências a serem aproveitadas
Eu poderia citar como exemplo de experiência de gestão da esquerda em prefeituras a do Olívio Dutra, em Porto Alegre, na década de 80. Tem ali uma experiência de orçamento participativo interessante. E o prefeito era extremamente minoritário na Câmara. Tem a experiência da Erundina em São Paulo. Ela tinha como secretário de Educação ninguém menos do que Paulo Freire, veja só. Tem ainda a experiência dela em relação aos ônibus, às tarifas. Ou a gestão do Edmilson Rodrigues em Belém, que também foi muito positiva. Aliás, assim como a Erundina, em São Paulo, Edmilson está disputando de novo a prefeitura em Belém. Os dois têm chances. Então, há experiências muito positivas, que são, de alguma maneira, referências.
O que há de novo
O fato de você hoje ter a internet permite fazer coisas completamente distintas em termos de informação, transparência e integração das pessoas com a administração municipal. Naquela época você não tinha nem celular. Só falava com quem encontrava. O próprio sistema de telefonia era frágil. Hoje, você se comunica com o mundo numa velocidade muito maior. Isso pode estar a serviço de um processo de participação mais efetiva. Você pode ter um gabinete virtual da prefeitura, garantindo todas as informações para um conjunto enorme da sociedade, ao mesmo tempo, online.
A universalização dos serviços
A ideia dos serviços é a ideia da cidade que funciona para o cidadão. E, afinal, o que é uma cidade que funciona? É a que garante os serviços públicos. No Rio, há um espaço da cidade em que eles funcionam razoavelmente. O grande desafio é fazer com que a cidade possa ser dilatada. Gosto desse conceito: fazer com que a cidade, no sentido dos serviços públicos, seja estendida. Hoje, no Rio, talvez os serviços sejam garantidos para um milhão dos 6,5 milhões de cariocas. Mesmo para esse milhão, os serviços muitas vezes são precários. E essa parcela é a que menos depende do serviço público, pelo perfil que tem. Há dados impressionantes. O IDH da Gávea é o mesmo da Noruega. O IDH da Rocinha é o mesmo de países africanos. Num mesmo morro, de um lado está a Rocinha; do outro, a Gávea. De um lado, na Gávea, você tem uma expectativa de vida de 82 anos; do outro, pessoas morrem de tuberculose, uma das principais causas de morte no início do século XX.
O desafio da esquerda
Um dos grandes desafios da esquerda é fazer o poder público existir. O modelo neoliberal, que se impôs na década de 90, defende o Estado mínimo. Mas todo Estado mínimo é um Estado máximo de controle, é o Estado máximo penal. Não à toa a população carcerária do Brasil cresce assustadoramente a partir da década de 90 e depois, na virada do milênio. A gente tem a terceira população carcerária do planeta. Isso tem a ver com a proposta de Estado mínimo.
As cidades como palco central da disputa
Estamos numa época de reafirmação do mundo das cidades. O modelo do capital, a gestão do capital, não se dá só em grandes projetos nacionais. Cada vez mais se dá em projetos de cidade. O mundo passa a ser mais urbano do que rural pela primeira vez, com mais gente morando nas cidades do que no campo. Com isso, o modelo de cidade passa a ser um espaço de disputa de poder e de relações de poder. Esse projeto do capital vai para a gestão de cidade.
O grande capital controla o Rio
A ideia do Estado mínimo vem juntamente com outra: “Tudo o que é público é ruim”. A solução, então, seria terceirização, privatização e deslocamento da decisão política para o poder privado. Porque hoje não existe só aquele debate da época do Fernando Henrique Cardoso sobre as privatizações. É mais sofisticado. É também um processo de deslocamento da decisão política para o espaço privado. Quando um prefeito diz que é síndico, ele admite que está abrindo mão do poder de decidir as coisas. Porque o síndico não é só quem cuida do menor. Ele não decide. Quem decide são os proprietários. E, nesse modelo, os proprietários da cidade são os donos do capital. Eles escolhem o síndico e controlam o condomínio. A cidade vira um condomínio.
As empreiteiras e o Rio
O Rio se tornou um dos grandes símbolos de gestão da cidade pelo capital. Quem tem a decisão política sobre os rumos da cidade é quem tem o controle do capital. Hoje, as maiores empreiteiras, que representam a grande expressão do capital, mandam na cidade, têm a gestão da cidade. E aí, no Rio, os serviços da cidade são orientados por seus interesses. Então, por exemplo, a Odebrecht controla do Maracanã aos trens. A OAS controla o metrô. E a Andrade Gutierrez controla as barcas. A gestão da mobilidade no Rio é toda das empreiteiras. E quando se fala em gestão da mobilidade logo vem à cabeça 2013, o “não é por R$ 0,20”. O debate da mobilidade é o debate do acesso à cidade. Quem controla quem vai para onde são as empreiteiras. Não há poder público definindo uma política pública. A decisão política está em quem controla o capital. É um modelo de cidade-negócio.
As empreiteiras e o Parque Olímpico
A cidade vira produto. Por exemplo, o Parque Olímpico. Ele é da Carvalho Hosken, da Andrade Gutierrez e da Odebrecht. As três empreiteiras são responsáveis pelo Parque Olímpico, a um custo de R$ 1,6 bilhão. Pegaram uma área nobre e a transformaram no Parque Olímpico. Depois das Olimpíadas, 75% daquele terreno, que é terreno público, vão ser doados para essas empreiteiras, que transformarão aquilo em condomínio de luxo e hotel de luxo. Por isso, removeram a Vila Autódromo dali, para que a área se valorizasse ainda mais. Essa é a lógica da cidade hoje. E o pior: a contrapartida da Prefeitura é pagar, por mês, R$ 7 milhões, para além do que eles vão ganhar na exploração do hotel e do condomínio de luxo. A mesma coisa no VLT, o Veículo Leve sobre Trilho? É a CCR, é a Invepar, é a Odebrecht. A Invepar é a antiga OAS, mudou de nome, e a Riopar, é a Fetranspor (a federação das empresas de ônibus). Este é o consórcio.
As empresas de ônibus continuam dando as cartas
É engano pensar que as empresas de ônibus perderam importância e se enfraqueceram na relação com a prefeitura. O BRT está na mão da Fetranspor, que está também no VLT. Os empresários de ônibus se modernizaram. Eles têm todo o controle do Bilhete Único e dividiram o Rio em consórcios territoriais. Por isso mudaram as linhas, forçando os passageiros a fazerem tantas baldeações. Isso tem relação direta com os territórios. E pasmem! a prefeitura não tem um mecanismo próprio de auditagem de receita e despesa dos ônibus. Aceita em confiança os números da Fetranspor e, com base neles, calcula os reajustes de tarifas. Ora, a prefeitura, como representante do poder público, tinha a obrigação de criar mecanismos para saber a receita e a despesa dos ônibus e, então, calcular a tarifa. É escandaloso receber as informações de quem é diretamente beneficiado pelo aumento da tarifa. Isso é uma coisa evidente do ponto de vista da gestão pública. E não sou eu quem diz que aquilo é um cartel. É o Tribunal de Contas, um órgão técnico. Há um parecer dele que chama esse esquema de máfia e de cartel. Talvez o enfrentamento com os ônibus seja mais duro do que o que a gente teve com a milícia. Não será simples. Vai ser preciso abrir um amplo debate pra ter a sociedade do nosso lado.
Criação de uma empresa pública de transporte
Vamos criar uma empresa de transporte do município. Não para encampar os ônibus, mas para ter o controle da política de tarifas e fiscalizar as concessões. Podemos até dar subsídio em algumas linhas mais emergenciais e carentes, mas para isso é preciso ter uma empresa pública, abrir a caixa-preta do transporte e trabalhar em cima de números confiáveis. E veja mais um absurdo: só com a bilhetagem do VLT, a operação já se pagaria. Mas a prefeitura vai pagar ao consórcio do VLT, durante 21 ou 22 anos, uma mensalidade de R$ 6 milhões, corrigida pelo IPCA. Para começar, por que a correção pelo IPCA? Nenhum salário é corrigido pelo IPCA. Em 2012, quando isso foi assinado, a mensalidade era R$ 3,8 milhões. Hoje já está em R$ 6 milhões. E se a prefeitura parar de pagar, o consórcio tem acesso ao fundo da prefeitura, aos imóveis da prefeitura. Se a bilhetagem cair, se o lucro não for o que se esperou, quem cobre, pelo contrato, é a prefeitura. Esse modelo de parceria público-privada é o que mais resume essa lógica do modelo de cidade do capital.
A prefeitura pode melhorar a vida das pessoas
Claro que sim. Os serviços têm que melhorar. Quando a gente investe em educação, investe em saúde, isso é uma maneira de tornar a cidade mais justa. Essa é uma coisa que tenho estudado: como tornar uma cidade mais justa? O que te faz de esquerda é transformar a sociedade numa sociedade mais justa. Como? A prefeitura tem capacidade redistributiva do dinheiro? Não. Mas popular. Se você pegar a prefeitura de Paris hoje, ela está tentando pensar a cidade à luz de uma mistura de classes sociais para tornar a cidade mais democrática. O grande debate sobre Paris hoje é como a cidade supera o problema de segregação histórica. O Rio é muito segregador também. Há, também, a questão dos alimentos. O Rio tem uma área agrícola na Zona Oeste, mas não é reconhecida como tal. Pode se fazer com que a produção de alimentos ali seja significativa para chegar, por exemplo, às escolas e aos hospitais da região. Não se faz porque está tudo vinculado à especulação imobiliária. Então você mexe com o aluguel, você mexe no alimento. Além de mexer no transporte, como eu já disse. É outra coisa que encarece substancialmente a vida do carioca. E que ninguém se iluda: vamos ter que estar preparados para a guerra, porque isso é máfia.
A prefeitura e a segurança
É comum algum prefeito dizer: prefeitura não tem nada a ver com segurança, ela não cuida de polícia, e segurança é polícia. A segurança armada, a segurança ostensiva e a segurança criminal são policiais. Mas essa não é a única segurança que se tem numa cidade. Se você revitaliza as praças, se você ilumina melhor as praças e as ruas, desenvolve atividades culturais e comerciais ao ar livre, faz com que as pessoas circulem mais. Com isso, as ruas ficam mais seguras. Eu visitei a prefeitura de Nova York, visitei a prefeitura de Medelín, visitei a prefeitura de Bogotá para ver como isso funciona. Nova York tem um departamento de cultura dentro do departamento de transporte. É como se fosse uma secretaria de cultura dentro da secretaria de transportes. Aquilo me chamou a atenção. Eles me disseram o seguinte: “A rua é um espaço em que as pessoas têm que conviver, e qualquer lugar em que as pessoas tenham que conviver, tem que ter arte, tem que ter cultura”. Para eles, é fundamental que as pessoas andem muito na rua. E as pessoas andam mais na rua se tiverem ao que assistir na rua. Então tem um departamento de arte que te leva a andar pela rua, com obras de arte pela rua, para aumentar a circulação. Quanto maior a circulação, mais você ativa a economia.
Democratização da gestão
A cidade tem que ser mais democrática. A gente tem 33 regiões administrativas no Rio. Você poderia, de imediato, já ter mais de 30 conselhos de moradores funcionando, para que os moradores fossem ouvidos sobre seus bairros. A prefeitura vai fazer uma obra em Olaria? Vai investir no Grajaú? Ouve os moradores daqueles bairros, cria uma maneira para isso.
Relação com a Câmara de Vereadores
Primeiro, a sociedade tem a responsabilidade de eleger uma câmara de vereadores melhor que a atual. Onde vou pergunto se alguém sabe o nome de 15 vereadores. Ninguém sabe. Por outro lado, não vamos imaginar uma câmara de vereadores de esquerda. Você pode ter um número razoável, somando tudo o que seria um campo ético. Até porque seria arrogante achar que na direita não há gente ética. Há parlamentares éticos que, ideologicamente, são de direita. Mas vamos imaginar que o campo ético tenha 15 ou 20 dos 51 vereadores. Esse campo ético, que não é um campo governista, não será maioria. Como é que você vai se relacionar? Historicamente, o Executivo se relaciona com a Câmara comprando o silêncio dos vereadores, distribuindo cargos e ajudando a que se reelejam. É assim que funciona. Só há uma maneira de quebrar isso. Primeiro, estabelecendo diálogo. Porque, de repente, o cara está reivindicando algum apoio para o bairro pelo qual ele foi eleito. Tem muito disso na Câmara. O vereador tem a sua base eleitoral num bairro e é pouco sensível a pautas gerais da educação, da saúde. Guardadas as proporções, esse tipo de reivindicação pode ser legítima e eventualmente ser atendida. O trabalho da prefeitura vai ser separar as coisas e tentar criar um campo de diálogo republicano, que não é necessariamente um campo de esquerda. E, aí, separar os grupos e tentar transformar em minoria o banditismo político, porque com este não dá pra ter acordo. O banditismo político tem que ser derrotado. Mas não se pode pensar que todo mundo que não pensa igual a você é bandido político.
Orçamento e impostos
A prefeitura do Rio vem arrecadando menos. Sua situação é preocupante, ainda que não seja uma situação de alarme. Ela hoje arrecada de IPTU aproximadamente R$ 2 bilhões. É pouco. Mais 60% dos moradores não pagam o IPTU. Historicamente o Rio e o Brasil taxam consumo, e não propriedade. Essa é a questão central. Taxa-se muito mais a pessoa, do que a propriedade. Isso tende a ser injusto. Claro que uma parcela dos isentos do IPTU tem mesmo que ter isenção, por serem muito pobres, mas nem todos. Por enquanto dá pra dizer é que vamos sobretaxar imóvel vazio. A grande arrecadação do Rio é ISS. Com o IPTU a gente arrecada R$ 2 bi e com o ISS, R$ 6 bi. Você pode qualificar essa cobrança do ISS, fazer com que ela seja mais eficaz. E há outros dados que devem ser levados em conta: nos últimos anos os ônibus rodaram 6% de quilometragem a menos no Rio, geraram 4% a menos de emprego, porque muitos motoristas estão fazendo também o trabalho do trocador. Mas o número de passageiros aumentou em 27% e a tarifa, 72%, num quadro de inflação de 55%. Há algo errado nisso.
Geração de empregos
O Rio é uma cidade de serviços. A grande maioria dos cariocas ganha até R$ 1.250. E quando menos alguém ganha, mais gasta com alimento. Quem ganha até R$ 1.250 chega a gastar até 23% em alimento. Trabalha pra comer. É fundamentalmente está a realidade. Mas pode haver medidas econômicas concretas. Quem mais gera emprego para jovens no Rio? O setor de serviços. Mais do que isso: bar e restaurante. Bar e restaurante hoje geram 28% dos empregos de 15 a 24 anos. Bar e restaurante hoje pagam 2% de ISS, mas os ônibus pagam 0,01%. Por que você não estimula bar e restaurante, que é quem mais gera emprego para jovens, em lugares onde haja maior taxa de desemprego de jovens? Isso a prefeitura pode fazer, inclusive estimulando com o ISS. E há a possibilidade dos chamados “polos gastronômicos”. O Cadeg [um mercado atacadista no bairro de Benfica] é um polo gastronômico; o Leblon tem o maior polo gastronômico do Rio. Por que você não tem outros polos gastronômicos espalhados na Zona Norte, que é onde você mais precisa gerar emprego para jovens, dando estímulo a esse setor? Esse quadro mostra que a cidade hoje não é governada sequer pelos empresários, é governada por um setor de empresários reduzido e rico. Tem um grande setor, o que mais gera empregos, que está completamente fora. Eles estão dialogando com a gente.
Cultura
Essa coisa da cidade-balneário, na qual os equipamentos públicos servem só a um setor do Rio aparece claramente também na cultura. A distribuição dos equipamentos de cultura é algo escandaloso. Você pega, por exemplo, AP 3, 4 e 5, que têm 5,2 milhões de moradores, contam com 176 equipamentos de cultura. Mas AP 1 e AP 2, com 1,2 milhão de moradores, têm 394 aparelhos de cultura. Esse universo de desigualdade cultural acompanha a desigualdade da cidade, dos serviços. E a cultura não é menos importante que outras coisas. Tem outra coisa: quando você leva um espetáculo para a Zona Norte ou para a Zona Oeste, você vai num processo quase de colonização. Claro que é bom levar artistas que geralmente se apresentam na Zona Sul ou no Centro, como a Marisa Monte, por exemplo, para cantar no Complexo do Alemão. Mas eles descem lá quase como ETs, dão o show naquele planeta ali e voltam. Não é dessa cultura que estou tratando. Nada contra a Marisa Monte cantar no Complexo do Alemão. Mas falo da cultura como instrumento transformador daquela realidade. Isso é um processo de descentralização que tem a ver com pontos de cultura, com a relação com as escolas (que têm uma enorme rede ramificada por toda a cidade e que é pouco aproveitada), com um processo permanente da cultura como espaço de encontro. Nisso a gente não está inventando a roda. Já aconteceu em vários lugares e é mais barato inclusive pensar a cultura assim do que a cultura do espetáculo, pagando milhões por um show de não sei quem na praia. Quantos pontos de cultura você faz com esse dinheiro?
A campanha e o pouco tempo de TV
Para o primeiro turno nossa aliança será apenas com o PCB. Penso que chegou a hora da gente apostar em algo diferente do que fez até hoje. Vamos ter apenas duas inserções de 30 segundos por dia. O candidato do atual prefeito tem 30 inserções. Nós temos 15 segundos de tempo de televisão e eles vão ter um caminhão de tempo. As regras do jogo definidas por eles são para que não haja mudança. Mas, estranhamente, a sucessão política não está se dando nos marcos que eles esperavam. Nesse momento, era para o Eduardo Paes estar fazendo o sucessor com os pés nas costas. Oito anos de governo, com dinheiro, apoio do governo federal, apoio do governo estadual, Olimpíadas, Copa do Mundo, vinda do Papa… Tudo isso aconteceu no Rio e o candidato dele está lá embaixo nas pesquisas. O problema não é só o candidato que ele escolheu. Tem alguma coisa acontecendo que não está muito clara. Teve 2013, que trouxe muita coisa boa. A pauta de 2013 não era uma pauta reacionária. Tinha coisa esquisita, tinha o cara “sem partido”, tinha um processo despolitizado ali no meio? Sim. Mas a pauta era a pauta da mobilidade, era a pauta da democracia, era a pauta do “não me representa”, era a pauta da violência policial. A pauta não era conservadora. E as portas abertas em 2013 não foram respondidas. Elas estão aí. A institucionalidade não conseguiu responder a 2013. O resultado de 2013 ainda não foi um resultado eleitoral. Tanto é que as eleições de 2014 foram ganhas pela direita. Mas em termos comportamentais na política, há uma mudança significativa. Você nunca teve, nem imaginou ter 76 escolas ocupadas por alunos com uma pauta para a educação pública que os professores, com sucessivas greves, nunca tinham conquistado. Os alunos ocuparam 76 escolas e ganharam eleição direta para diretor de escola. Essa pauta está há dez anos no parlamento e a gente nunca avançou nela. Isso é concreto. Foi um processo de espontaneidade de ações políticas, de comportamento político que ainda não resultou num processo eleitoral, não teve no processo eleitoral seu principal escoamento, mas pode ser que tenha, mais adiante. Há uma crise de representatividade aberta que não foi respondida, mas também não foi trocada por algo novo. Esse é um processo que talvez demore mais do que nossa angústia permita a gente compreender. Este final de semana aconteceu algo comigo muito sintomático. Eu tive muitos compromissos de pré-campanha, mas tive também encontros familiares, tipo aniversário de sobrinha. Ouvi relatos assim: “Encontrei meu vizinho de prédio, que sempre foi de direita, mas ele falou que vai votar em você por causa da neta.” Como ando falando muito nessa história de os netos conversarem política e convencerem os avós, já tem gente dizendo, de brincadeira, que vou acabar estimulando brigas nos almoços de domingo das famílias. Mas confio em que os netos convencerão seus avós num clima de harmonia… (rs)
Marcelo Freixo é deputado estadual pelo PSOL e candidato do partido à prefeitura do Rio de Janeiro.