Por Claudio Puty, Camila de Caso e Juliano Medeiros.
Poucas eleições serão tão dramáticas e decisivas para o futuro de nosso povo quanto as eleições presidenciais de 2022. Enquanto preparávamos este texto, o PSOL aprovava, em sua Conferência Eleitoral, o apoio à pré-candidatura de Lula (PT), que, apesar de seguir à frente em todas pesquisas, enfrentará Jair Bolsonaro (PL), um candidato no governo que, a partir da manipulação dos instrumentos orçamentários à sua disposição, com a máquina pública nas mãos, tem esboçado capacidade de reação nas últimas pesquisas. A perspectiva é de uma disputa polarizada e dura nos próximos meses.
Derrotar Bolsonaro é o primeiro capítulo da necessária derrota do bolsonarismo, mobilização reacionária do submundo da política que, na realidade, cumpre um papel importante para o objetivos centrais da burguesia desde o golpe de 2016: restabelecer uma estável hierarquia de classes a favor das elites econômicas e recompor taxas de lucros que despencaram desde 2011 no Brasil. A partir de 2016, por conta da crise do sistema do capital (e com esse propósito), as taxas de ganho se recuperaram fortemente, trajetória mantida pelo governo atual, configurando um ciclo de dominação burguesa, como sempre precária e instável, em nosso país.
As consequências do golpe são conhecidas, mas suas causas nem tanto. Por isso, para o PSOL é muito importante o tipo de compromisso programático estabelecido com a campanha de Lula, não só como uma lista de desejos legítimos, mas como uma estratégia para a construção de um novo país, que deve se tornar viável a partir da luta política e de novo equilíbrio de forças, aumentando a correlação de forças para o lado da classe trabalhadora, ou seja, a favor da grande maioria.
Os doze compromissos aprovados pela Executiva do PSOL, são, portanto, um caminho para a reinvenção do Brasil a partir de seus destroços e um guia, combinado com o programa que apresentaremos em 2022, para nossa intervenção política nos anos vindouros. A apresentação desses mesmos pontos à candidatura de Lula, sem falsa modéstia, criou novos parâmetros para o debate nas esquerdas, revelando muitas convergências e algumas divergências importantes, criando bases para acordos transparentes e de interesse público, na contramão do que tem sido a tradição política oligárquica e fisiológica de nosso país.
Gostaríamos de comentar alguns aspectos do conjunto de pontos que, ao nosso ver, merecem aprofundamento.
Em primeiro lugar, o chamado ‘Revogaço’ – o pacote de revogações das medidas implementadas desde o Golpe de 2016, que se divide em três aspectos, sendo eles a revogação das reformas trabalhista e previdenciária, a mudança nos parâmetros do regramento fiscal e a reconstituição de capacidades estatais.
Embora a reforma trabalhista tenha sido feita com a promessa de criação de cinco milhões de empregos, o resultado foi exatamente o oposto. Nossa taxa de desemprego, se contabilizado o aumento do chamado desalento desde 2016 (a parte da força de trabalho que desistiu de procurar um posto de trabalho), chegaria a quase 17%. Mesmo quando são gerados novos postos de trabalho, os vínculos são precários e o salário mais baixo do que antes da reforma. Os caminhos específicos para a revogação envolvem discutir medidas para incorporar essa massa de precários, dentre eles trabalhadores de aplicativos, em um novo marco regulatório das relações trabalhistas em nosso país, de forma a garantir bem-estar e segurança para a classe trabalhadora e fortalecimento dos sindicatos, grandemente impactados pelas medidas pós-golpe.
O fortalecimento do protagonismo e a garantia de direitos para os que vivem do trabalho, tem relação fundamental com a reconstrução da seguridade social, particularmente da previdência. A reforma da previdência, associada à reforma trabalhista, gerou duas consequências principais. Ao precarizar o trabalho, retirou contribuintes em massa do regime geral da previdência. Ao endurecer muito as regras para aposentadoria da grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, gerou desestímulo à contribuição. Ambos efeitos agravaram em muito a sustentabilidade do sistema previdenciário público, fragilizando suas contas, entregando o resultado inverso do que os defensores da reforma prometiam. Defendemos uma revogação da reforma previdenciária conscientes de que, durante um período de transição relativamente longo, o Estado brasileiro deverá arcar com os custos adicionais do rombo da reforma de Bolsonaro, enquanto os trabalhadores retomem suas contribuições, em um novo momento de nosso mercado de trabalho, reforçando o modelo tripartite onde os empresários voltem a contribuir também. Esse tema, no entanto, não foi consensual nos diálogos estabelecidos com a pré-campanha de Lula.
Quanto ao regramento fiscal, nossa grande preocupação é o infame “teto de gastos” e a rigidez das metas de superávit primário. Como disseram os economistas do PSOL em seu manifesto, no Brasil e no mundo os padrões de baixo crescimento dos últimos 40 anos e a austeridade fiscal imposta ao conjunto da sociedade não são fruto de gastos públicos excessivos e sim do desregramento do mercado financeiro, que chantageia nações e impõe padrões pró-cíclicos de financiamento. O fiscalismo atual tem gerado um cenário de baixo crescimento e a piora das finanças públicas. A imposição de tais regras fiscais não só não é prioridade para uma agenda da mudança, como se mostrou de eficácia amplamente questionável, por andar na contramão de políticas voltadas à recuperação do crescimento.
A recuperação de capacidades estatais é outra grande prioridade para uma agenda de mudanças. É fato que, particularmente após a crise de 2008, diversos países redescobriram o importante papel da ação de empresas estatais no cumprimento de tarefas centrais, como a promoção de políticas públicas ou mesmo de produção de bens e serviços. Sabemos que a Petrobrás chegou a representar dois terços do investimento da União em 2013 e é impensável nosso desenvolvimento ignorando a sua importância. Entretanto, algo pouco mencionado é que boa parte de nossas empresas públicas passou a ser regida pela Lei das Estatais (lei nº 13.303/2016), que criou amarras fatais (dentre elas o regramento da participação de acionistas minoritários nos conselhos de administração) para que essas empresas cumpram os objetivos públicos para os quais foram criadas. Associado à gestão baseada em maximização dos ganhos dos acionistas, torna-se uma espécie de sorvedouro de recursos para fins de acumulação privada, inclusive estrangeira. Hoje, a Política de Preços da Petrobras é uma política de distribuição de renda inversa à lógica: tira dos mais pobres, que compram gasolina cara na bomba, para dar aos mais ricos, que detêm ações da estatal. Retomar nossas empresas e torná-las públicas significa mudar o conceito de gestão e o próprio marco legal, desintoxicando-as do neoliberalismo que as sequestrou.
Outra parte importante de nosso programa, expresso de forma sucinta nos doze pontos é afirmação de um desenvolvimento verde e que trate da questão amazônica de forma distinta do padrão “integrar para não entregar”, típico dos planos oriundos da ditadura militar, como o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, ou do PAC, que nos legou a tragédia de Belo Monte.
O Brasil deve e pode ser um campeão do combate à crise climática e à tragédia ambiental que vivemos. Promover a transição energética nas nossas cidades, onde boa parte dos veículos usa combustíveis fósseis, deve mobilizar esforços em ciência e tecnologia e o engajamento de nossas maiores universidades e empresas.
Defendemos o desmatamento zero e para tal necessitamos do reforço do sistema de fiscalização e a promoção de um modelo de desenvolvimento que valorize a floresta em pé, alimento sem veneno, água limpa e ar puro, e não a destruição do bioma para a criação de pastos para o agronegócio. Precisamos retomar a demarcação de terras indígenas, combatendo as atividades predatórias, particularmente a mineração, nas reservas já estabelecidas.
Isso tudo se soma à centralidade que um programa popular para o Brasil deve dar à Amazônia. Região mais internacionalizada de nosso país, fronteira com sete países e objeto de atenção e histórica cobiça internacional, a questão amazônida deve envolver a melhoria das condições de vida de seu povo, em um esforço de promoção, a partir de iniciativa nacional, das potencialidades locais. A integração da Amazônia ao espaço econômico nacional, assim como aos países vizinhos, não pode se dar a partir da lógica de corredores de exportação de commodities e sim de uma política de adensamento de cadeias industriais e complementaridade regional.
Por conta do espaço exíguo, deixamos de comentar aqui aspectos importantes de nossa pauta. Mas não poderíamos deixar de mencionar que a sua viabilidade não é apenas um gesto de vontade política, mas depende de uma alteração da correlação de forças para tal. Nosso caminho é o da luta nas diversas frentes, mas sempre mobilizando e organizando o povo para um futuro de direitos.