Por Laura Cymbalista
A pandemia da Covid-19 escancarou e aprofundou as desigualdades educacionais. Em um contexto adverso e excepcional, o debate sobre a escola que queremos e a que temos ganhou visibilidade com a expressão pública de interesses diversos. De um lado, governantes, legisladores, representantes do empresariado e do judiciário; de outro, educandos, familiares, profissionais da educação e sindicatos.
Enquanto o número de mortes avança, a prática de silenciar e desqualificar as vozes que fazem parte do chão da escola, de quem vivencia diariamente essa realidade, continua. São vozes que estão na resistência, construindo redes de solidariedade nos territórios, buscando brechas para ações educativas significativas, e na defesa da vida, dos serviços públicos e dos direitos da população pobre.
São essas vozes que queremos amplificar aqui.
Com a pandemia, o agravamento da crise econômica e o desemprego, cresce a miséria. Além das perdas econômicas, as famílias precisam lidar com o adoecimento e a morte. Não há aprendizagem possível se as necessidades elementares das pessoas não estiverem asseguradas. Frente a isso, as escolas têm dado aulas de solidariedade, levantando necessidades, distribuindo cestas básicas e promovendo ações com os movimentos sociais nos territórios.
Isolamento e exclusão
No entanto, o processo de ensino- -aprendizagem foi muito comprometido com o isolamento social, pois a exclusão digital é a regra: faltam computadores e celulares, acesso à banda larga e pacote de dados adequados. O modelo de atividades remotas adotado, sem discussão, já nasceu fracassado, pois não houve qualquer medida concreta para enfrentar a exclusão digital. Além de ser completamente inadequado para bebês e crianças, o manejo das ferramentas on-line é particularmente difícil para estudantes que estão se alfabetizando e de mais idade.
A escola é lugar de aprendizagens que se efetuam por meio do encontro, do diálogo e da mediação docente, organizadas em torno de um projeto político pedagógico e em todos os espaços. O debate acerca do retorno às atividades presenciais, ao se basear exclusivamente em um sistema de aulas sem qualquer diálogo ou interação, representa um enorme retrocesso pedagógico. Bebês e crianças pequenas não podem ser privados de interações e acolhimento em nome de uma volta esvaziada de segurança e sentido. Crianças, adolescentes, jovens e adultos de todas as idades também aprendem nas trocas. Não podem ser excluídos desse contexto. Retomar as atividades presenciais nas estruturas precárias das escolas e neste momento significa um avanço conservador sobre a educação, realizado às custas de vidas e da saúde de milhares de profissionais da educação e de educandos, em particular os mais pobres.
Interesses privatistas
Esse movimento está em consonância com interesses privatistas, que buscam homogeneizar e controlar as escolas, e enxergam uma enorme oportunidade de negócios. Em vez de investir no que é necessário, como manutenção das escolas a ampliação do número de profissionais, os governos injetam dinheiro público para aquisição de materiais e tecnologias de qualidade duvidosa e baixíssimo alcance. Procura-se silenciar também a atuação plural e transformadora das profissionais da educação, que têm sido tratadas publicamente como “preguiçosas”, “corporativistas” e “insensíveis”, a despeito das ações realizadas para manter o contato e vínculo com alunos e famílias.
Temos ouvido muito sobre os impactos desta situação. O termo “tragédia geracional” tem aparecido em diversas falas, inclusive na defesa da reabertura das escolas. Nós mesmos gostaríamos de retomar as atividades escolares com regularidade, mas não às custas de vidas. Aprendizagens se recuperam, vidas perdidas, não.
Enquanto não houver condições de saúde adequadas para o retorno às atividades presenciais, continuaremos a nos desdobrar para ajudar as nossas comunidades, e seguiremos firmes contra medidas irresponsáveis que colocam em risco milhares de pessoas. Contra a normalização da morte e da desigualdade, lutamos em defesa da vida e de mais investimentos na escola pública.
Laura Cymbalista – professora da rede municipal de São Paulo. Atua como Coordenadora Pedagógica no CIEJA. Militante do movimento sindical e da setorial de educação do PSOL – SP.