Antônio Gonçalves Filho
A pandemia da COVID-19 trouxe para a pauta de discussão a imunidade de rebanho, especificamente como e quando ela pode ser alcançada. O tema tem recebido considerável atenção dos cientistas, dos gestores em saúde e da população em geral e tem sido estabelecida como uma meta a ser atingida no enfrentamento da mais grave crise sanitária mundial dos últimos cem anos.
A ideia sobre imunidade coletiva ganhou força no início do século XX a partir de estudos experimentais com animais de laboratório e da análise da epidemia de difteria. Esse é um conceito muitas vezes mal compreendido e utilizado de forma incorreta. A imunidade de rebanho, ou como alguns preferem chamar de proteção coletiva, é atingida quando a disseminação de uma doença infecciosa declina diante da diminuição de pessoas suscetíveis ao agente causador, no caso da Covid-19, o Sar-Cov-2. A estimativa em relação à Covid-19 é que a imunidade de rebanho será atingida, a depender da população e da variante do vírus, quando 50% a 85% da população de uma determinada localidade estiver imune à doença. Portanto, atingir essa imunidade e mantê-la são estratégias fundamentais para o controle a longo prazo.
Vacinação em massa
A imunidade de rebanho pode, teoricamente, ser adquirida naturalmente, por meio da infecção pelo agente causador da doença, ou pela vacinação em massa da população. Há, entretanto, uma grande diferença entre esses dois caminhos. A busca pela imunidade adquirida naturalmente leva a um maior número de pessoas doentes, sobreviventes com sequelas e mortos. Tal fato pode ser constatado, na atual pandemia, nos países onde as políticas públicas de saúde trilham o caminho da negligência, da negação da ciência e do genocídio. Um equívoco comum é achar que uma vez atingida a imunidade de rebanho, a pandemia chegaria ao fim. Não! Indivíduos suscetíveis permanecem em risco de infecção, apesar da redução no número de casos. Atingi-la não significa a eliminação da doença, que pode continuar existindo com menor número de casos, tornando-se endêmica, quando a população passa a conviver com ela. A imunidade de rebanho deve ser entendida como um limiar a partir do qual a imunidade da população previne o crescimento da pandemia. Ela age em um nível local e assim a distribuição da imunidade em toda população é fundamental.
Uma vez atingida, tal imunidade pode vir a ser perdida devido a rotatividade da população, que ocorre a partir da morte por outras causas de pessoas imunes e o nascimento de pessoas vulneráveis; a queda da imunidade dos indivíduos com o passar do tempo e a evolução do vírus. A evolução antigênica é especialmente comum em vírus RNA, como o Sar-Cov-2, devido as rápidas mutações. Desse modo, a população ficaria refém de um ciclo vicioso: redução da imunidade, aumento de pessoas vulneráveis e um vírus mutante. Em relação à Covid-19, a duração e a eficácia da imunidade adquirida naturalmente são incertas. Há diversos casos de indivíduos que contraíram a Covid-19 mais de uma vez e já se sabe que as novas variantes podem causar a doença em pessoas previamente imunizadas.
Diminuição da imunidade
Os outros tipos de coronavírus que infectam humanos e causam resfriados comuns sazonais, provocam também uma diminuição da imunidade em aproximadamente um ano. Assim, parece razoável se imaginar que o mesmo ocorra com o novo coronavírus. Se uma pessoa infectada se tornar suscetível novamente em um ano, então a imunidade de rebanho nunca será atingida. Diante disso, sistemas de saúde e governos não podem confiar na imunidade de rebanho natural como um método de controle definitivo da pandemia. O meio mais seguro e ético de atingi-la e mantê-la é por meio da vacinação, desde que feita rapidamente, de modo a evitar tanto o surgimento de variantes do vírus, decorrente da proliferação descontrolada, quanto um grande número de mortes.
Um fator complicador, por hora, é a ausência de um método infalível para se medir a imunidade ao novo coronavírus. As pesquisas estão em curso e ao seu tempo saberemos quantas pessoas precisam ser vacinadas e quantas doses de vacina serão necessárias para atingir uma imunidade coletiva segura e duradoura. Reforços vacinais podem ser necessários em um intervalo de tempo a ser determinado ou ainda vacinações anuais, como ocorre atualmente com a vacina da gripe, diante das possíveis mutações virais.