O militante palestino Jamal Juma cumpre uma série de agendas no Brasil e, em entrevista exclusiva à Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, reforçou o apelo do povo palestino para que o governo Lula rompa relações com Israel e encerre os acordos militares com o regime sionista. “Não é possível que o Brasil ainda tenha uma cooperação militar com Israel, enquanto suas armas e sua indústria militar têm sido usadas para promover um genocídio contra o povo palestino”, critica. Iniciada em outubro do ano passado, a campanha de massacre de Israel em Gaza está em seu 251º dia e já deixou 37.164 palestinos mortos e 84.832 feridos, além de cerca de 10.000 desaparecidos, em sua grande maioria civis.
Em 2019, o governo Bolsonaro assinou um amplo acordo de cooperação militar entre Brasil e Israel, que ainda não foi oficialmente revogado. Além disso, o Brasil adquire, nos mais diversos níveis de governo, tecnologias israelenses de segurança que são utilizadas diariamente contra o povo palestino. O Movimento BDS, do qual Jamal Juma é uma das lideranças, reúne centenas de organizações da sociedade civil palestina em um apelo mundial por boicote, desinvestimento e sanções contra Israel – uma tática semelhante à que foi adotada para isolar e derrotar o regime do apartheid na África do Sul.
Fundador do movimento Stop The Wall, criado em 2002 para combater a construção da imensa muralha que Israel ergue na Cisjordânia, Jamal foi detido pelo Exército israelense no dia 16 de dezembro de 2009, sem que qualquer acusação formal lhe tivesse sido feita. Ele foi mantido preso até o dia 12 de janeiro de 2010 e sua libertação só ocorreu graças a uma campanha internacional de pressão sobre Israel.
Cumprindo agendas no Brasil, Jamal Juma participou de uma reunião na Câmara dos Deputados com a Bancada do PSOL e outros parlamentares de esquerda, onde reforçou o apelo para que o Brasil rompa relações com Israel. Na Câmara de Vereadores de São Paulo, Jamal Juma esteve acompanhado do presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah, e de Shajar Goldwaser, israelense integrante do coletivo Vozes Judaicas pela Libertação.
Ele falou sobre a gravidade do genocídio televisionado que vem ocorrendo na Palestina. Presentes na reunião, as vereadoras do PSOL defenderam a possibilidade de se propor medidas para que o município de São Paulo rompa as relações econômicas com o governo e com empresas israelenses. Ele ainda participa de uma aula pública na Universidade de São Paulo (USP) sobre a importância do boicote contra Israel e da luta no meio acadêmico contra o regime sionista.
Leia, abaixo, a entrevista exclusiva de Jamal Juma à Fundação Lauro Campos e Marielle Franco:
“Essa política (do Lula em apoio à palestina) também precisa se traduzir em uma séria e prática pressão para que Israel pare o genocídio”
FLCMF: No Brasil, ativistas, partidos como o PSOL e movimentos sociais têm pressionado o governo Lula a ir além do discurso pró-Palestina e romper, de fato, relações diplomáticas, econômicas e militares com Israel. Qual a importância desta medida e qual o peso do Brasil para o regime sionista, em termos de relações tanto econômicas, como a compra e venda de tecnologias e armamentos, quanto políticas?
Jamal Juma: Os palestinos consideram o Brasil, enquanto povo e enquanto governo, como um amigo do povo palestino. Então, o que esperamos do povo brasileiro e do governo brasileiro é o apoio aos palestinos, é a defesa de nossa causa e do que ela representa, sendo uma das mais longevas lutas anticoloniais do nosso tempo. Para Israel, ter relações com o Brasil, e com o Sul Global como um todo, é fundamental para legitimar seu regime. Quando falamos em América Latina, o peso de um Estado como o Brasil é central. É o Estado mais importante na América Latina, por isso uma das muitas coisas que estamos pedindo ao governo brasileiro é o rompimento de relações com Israel. Lula é um ícone para o povo palestino, os palestinos o amam. Nós sabemos que sua política é de apoio à Palestina, e isso é ótimo. Mas essa política também precisa se traduzir em uma séria e prática pressão para que Israel pare o genocídio. O mais importante é pôr um fim aos laços e acordos militares com Israel. Não é possível que o Brasil ainda tenha uma cooperação militar com Israel, enquanto suas armas e sua indústria militar têm sido usadas para promover um genocídio contra o povo palestino. O primeiro a se fazer é cortar totalmente esses laços de cooperação militar. Nós, os palestinos, estamos dizendo ao Brasil: “Vocês estão dando muito dinheiro aos israelenses nestes acordos militares de cooperação. A educação brasileira precisa muito mais desses recursos. As políticas de seguridade social precisam mais desses recursos”. Por que o Brasil precisa de alguma cooperação militar com Israel? O Brasil precisa cortar esses laços e ir além disso, se puder. É isso o que o povo palestino espera.
“Os estudantes podem ter uma voz muito forte e influenciar os políticos”
FLCMF: O senhor tem agenda na USP também, que recentemente realizou um acampamento em defesa da Palestina, semelhante aos que vêm ocorrendo nos Estados Unidos. Qual a importância destes movimentos da juventude?
Jamal Juma: Os estudantes, e a juventude em geral, são um dos setores mais importantes para influenciar a política, senão hoje, no futuro. Nós vimos o que aconteceu nos Estados Unidos, como a revolta nas universidades em apoio à Palestina tem sido importante. E o quanto esses regimes têm medo dessa revolta, pois sabem seu poder de influência. Esses estudantes que estão protestando e acampando em universidades serão os líderes do futuro, então é importante que, desde já, eles estejam demonstrando essa posição. Em São Paulo, igualmente, e em outras universidades no Brasil também. Os estudantes podem ter uma voz muito forte e influenciar os políticos. É preciso se levantar e dizer fortemente: “Não se pode estabelecer uma relação normal com um regime como o de Israel”. É preciso que na academia também se insurjam contra o genocídio, a ocupação e a desumanização dos plestinos. Os estudantes representam muito da consciência de um povo, suas ações são muito importantes e impactam seus amigos, suas famílias, suas comunidades e os políticos que os representam.
FLCMF: No Brasil, há uma identificação muito forte entre a extrema direita liderada por Bolsonaro e o regime sionista. Bandeiras de Israel aparecem em todos os atos deste campo político e são usadas para mobilizar apoiadores evangélicos. E Israel está com o governo mais à direita de sua história. A luta contra o regime sionista e suas políticas de colonialismo, apartheid e extermínio do povo palestino é também uma luta contra as forças da extrema direita a nível mundial?
Jamal Juma: O Brasil é um país do Sul Global, que sofreu muito com os poderes coloniais ao longo de sua história. É muito importante para os povos do Sul Global a luta contra o colonialismo e a opressão. E o sionismo é um dos pilares centrais do colonialismo. Israel, como um Estado sionista, tem atuado, historicamente, como a mão suja dos Estados Unidos na América Latina, apoiando as ditaduras e armando os paramilitares. Não se pode permitir que o Brasil seja usado por forças coloniais para a opressão de outro povo. É preciso conhecer seu inimigo. Os Estados Unidos e o imperialismo não são amigos do Brasil. Temos que enfrentá-los juntos pelo bem da humanidade e dos nossos povos.
“Os palestinos sempre acreditaram no povo da América Latina”
FLCMF: A América Latina tem estado na vanguarda da solidariedade mundial à Palestina. Em que medida o continente pode ajudar, com a posição firme de alguns de seus governos, como a Colômbia, e a luta de seus povos, a deter o genoício em Gaza e parar o regime sionista?
Jamal Juma: Os palestinos sempre acreditaram no povo da América Latina, isso nunca mudou, mesmo que, em alguns momentos, a região tenha tido governos de direita no poder, pois a história provou que isso é temporário. Ninguém esperaria que a Colômbia passasse a adotar essa postura tão forte em defesa da Palestina, cortando laços com Israel. Estamos falando de um país que era usado como um quintal dos Estados Unidos e do imperialismo. Nós confiamos no povo da América Latina e em todos os momentos vocês têm se levantado em defesa do nosso povo e dos nossos direitos, em solidariedade com os palestinos. Nós nos identificamos com o povo latino-americano em geral, e com o Brasil em particular, e sabemos do apoio histórico que temos neste continente. Não importa que tenha vindo Bolsonaro e outros, eles são temporários e vão embora. Nós confiamos que o povo da América Latina sabe quem são seus aliados e quem são seus inimigos.