Berna Menezes
O senso comum e com uma boa dose de razão diz: todos juntos contra Bolsonaro. É natural! Quando vemos desfilando pela grande imprensa e redes sociais as declarações de Bolsonaro, Guedes, Damares, os finados Salles e Weintraub, imaginamos que abriram as portas do inferno. Se olharmos em volta, mais de meio milhão de mortos pelo descaso e irresponsabilidade de Bolsonaro, metade da população em insegurança alimentar e o retorno da fome, milhões de desempregados e subempregados, famílias inteiras morando nas ruas, falência de pequenos agricultores, extermínio da juventude negra nas periferias e dos povos indígenas, fim dos direitos trabalhistas, incêndios florestais ameaçando biomas e espécies, constatamos: é a barbárie! Mas como nossa guerreira Rosa Luxemburgo dizia: Isso de entregar-se por inteiro às misérias de cada dia que passa é coisa inconcebível e intolerável para mim… precisamente um lutador é quem mais tem que esforçar-se para ver as coisas de cima, caso não queira encarrar a cada passo todas as mesquinharias e misérias…, sempre e quando, naturalmente, se trate de um lutador de verdade…
Espaço amplo
Por isso, defendemos a mais diversa unidade de ação, como um espaço mais amplo possível, inclusive policlassista, contra Bolsonaro. Portanto, nessa frente social, cabe todo mundo: Globo, CNBB, Maia, Ciro, Requião, PSDB, FHC. Como a frente construída contra a ditadura militar, no movimento pelas “Diretas Já!”, que foi dirigida pelo PMDB. Naquele momento, isso não significou como consequência uma frente eleitoral do PT com o PMDB. Ao contrário, reafirmamos o PT, como partido de classe e seu programa, apoiado na mobilização cotidiana, que se expressou de forma contundente durante o processo constituinte e nas eleições de 1989.
Pode-se argumentar que a correlação de forças era outra, mas até isso é discutível. A ditadura caiu pela mobilização do povo, mas a transição foi conservadora, pactuada entre os setores da elite brasileira. Por isso, diferentemente da Argentina, a caserna ficou intacta e pode retornar ao poder como se nada tivesse acontecido.
A unidade de ação se dá em torno a um ou poucos pontos e cabem todos que tenham esse mesmo objetivo: abaixo a ditadura, diretas já! Pela Legalidade! Reformas de base já!
Já uma frente eleitoral é definida, além da correlação de forças, por um programa, já que se pressupõe, em caso de vitória, que se governará junto e que, portanto, deve apresentar uma saída para o país em questão. Por sua vez, o programa delimitará a composição da frente. As frentes eleitorais são uma tática privilegiada para intervirmos em processos nos quais os revolucionários são ainda minoritários.
Dois exemplos de como enfrentar a ultradireita
Recentemente, as eleições nos EUA e na Espanha puderam revelar a complexidade da aplicação desses conceitos.
Após a crise de 2008, ressurge em nível internacional o fenômeno da ultradireita, polarizando com saídas mais à esquerda e o fantasma do comunismo. O governo Trump foi a expressão. Contra esse governo de ultradireita, nas prévias do Partido Democrata, apresentou-se Bernie Sanders, com um programa que, para a correlação de forças gringas, tocava em pontos que iam contra a lógica do capital: sistema de saúde universal e gratuito com a eliminação dos planos privados, perdão das dívidas de financiamento estudantil e sistema de ensino superior gratuito, salário mínimo de 15 dólares/ hora. Essa candidatura mobilizou um exército de milhares de jovens e atuou junto a movimentos feministas e negros, além de imigrantes latinos e indígenas que percorreram o país mobilizando eleitores e debatendo programa.
O final, todos acompanhamos, a elite fechou posição em torno de Biden e Bernie Sanders retira a candidatura, exigindo pontos programáticos do futuro governo. Sem fazer nenhum juízo de valor sobre o processo, o concreto é que a apresentação da candidatura de Sanders, o debate programático que mobilizou uma vanguarda progressista no coração do capital, acumulou para a esquerda norte-americana. O movimento social sai fortalecido e a esquerda ressurge como força importante naquele país.
Olhemos agora o processo do Podemos na Espanha, partido considerado o irmão do PSOL naquele país. O Podemos foi parido nas gigantescas mobilizações da Praça Porta do Sol. Em um ano, tornou-se o segundo maior partido no país. Elegeu as prefeituras das duas principais cidades, a capital do Estado espanhol, Madri, e a capital da Catalunha, Barcelona.
Com o discurso de barrar a direita, colou-se a velha política representada pelo decadente PSOE, fazendo parte do governo nacional. Consequência, perdeu 50% dos votos do processo eleitoral anterior e este ano perdeu a prefeitura de Madri, fato que levou o principal dirigente, Pablo Iglesias, declarar que vai abandonar a política. Quem ressurgiu das cinzas? A extrema direita, Fox. Além de fortalecer o PSOE como oposição, que vem engolindo ano a ano o eleitorado do Podemos.
Situação em nosso continente
Na América Latina, também temos exemplos de que há espaço para derrotar a ultradireita pela esquerda. Onde não se avançou no programa e ações, retrocedeu ou perdeu. Foi assim no Equador. No México, Morena encolheu. Por outro lado, no Chile, onde as mobilizações não pararam, avançou. No Peru, ganhou um dirigente de greves de professores que ninguém acreditava.
No Brasil, é possível e imprescindível uma candidatura de esquerda radical que apresente um programa para o povo afirmando que os bancos são nossos maiores inimigos e não que vão ganhar muito com nosso governo. É necessário dizer que o latifúndio e o agronegócio não são heróis, são responsáveis pela fome e preços altos dos alimentos, e que é preciso fazer a reforma agrária. Esse programa deve afirmar, também, que qualquer projeto de país que deseje o mínimo de autonomia tem que partir de uma anulação das medidas encaminhadas pelos golpistas, como as privatizações de empresas estratégicas, teto de gastos, reformas da Previdência, trabalhista, entre outras. Para isso, como uma das primeiras medidas, o novo governo deve encaminhar um referendo revogatório, para que abra o debate na sociedade como um gigantesco processo pedagógico de política feita pelo povo.
Nesse sentido, está claro, Lula não quer isso. Não quer uma frente de esquerda. Lula, mais uma vez, quer governar com a direita. Por isso, é contra a taxação das grandes fortunas, defende as estatais pero no mucho e reforma agrária nem pensar.
Isso significa que não votaremos em Lula? Não! No segundo turno, é todo mundo contra Bolsonaro! Mas o PSOL não pode abdicar de discutir com nosso povo de que é possível uma saída. A candidatura de Glauber Braga é a possibilidade de reafirmar essa saída à esquerda para a crise.
Antipetismo? Nem pensar! Organizamos o primeiro ato contra o golpe no Rio Grande do Sul, quando sequer o PT chamava mobilização contra os golpistas e nem a direção majoritária nacional estava com essa posição, ou ainda, quando outros gritavam nas ruas “Fora Dilma”, nós já estávamos nos atos juntos a ela ou nos atos do Paraná contra a prisão de Lula. Pagamos um preço alto, mas tínhamos a tranquilidade de estar do lado certo da História.