A troca do comando do Exército e a visita de Lula ao território Yanomami em Roraima, ambas no último dia 21 de janeiro, simbolizaram de uma só vez os dois principais desafios do momento para o governo e para todo o país: derrotar o golpismo fascista e colocar um fim no projeto de genocídios, marcas e heranças nefastas do governo Bolsonaro.
Lula demitiu o então comandante do Exército Julio Cesar Arruda trocando-o por Tomás Paiva. O general Arruda recusou-se a desmontar o acampamento golpista no Distrito Federal por diversas vezes e impediu que os golpistas fossem presos ainda na noite do dia 8 de janeiro; de quebra, resistiu em retirar a nomeação do coronel Mauro Cid do 1º Batalhão de Ações de Comando em Goiânia.
No mesmo dia que demitiu o amigo dos golpistas acampados, Lula e uma comitiva de ministros e assessores, entre elas a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, foram a Roraima, após vir à tona a dimensão da crise humanitária do povo Yanomami: 570 crianças mortas por doenças e fome em quatro anos de governo Bolsonaro, 11 mil casos de malária, desnutrição generalizada, 20 mil garimpeiros ocupando ilegalmente a terra indígena, promovendo estupros, assassinatos e contaminação da água.
As digitais de membros do governo Bolsonaro nesse massacre são múltiplas, afinal 21 pedidos de ajuda aos Yanomamis feitos ao antigo governo foram recusados por Bolsonaro, o principal responsável. Mas houve também a crueldade da então ministra dos “Direitos Humanos”, Damares Alves, que vetou ajuda aos Yanomamis com leitos de UTI e água potável em 2020, durante a pandemia. Assim como as digitais do ex-vice presidente, general Hamilton Mourão, porta-voz do antigo projeto militar de extermínio e de favorecimento ao assalto da terra Yanomami; não esqueçamos do sinistro ex-ministro da Saúde, general Pazuello, para não falar também do governador do estado, Antonio Denarium (PP), que proibiu os órgãos federais de destruírem os equipamentos dos garimpeiros ilegais.
Genocídios, no plural
A importância de resolver imediatamente a situação dos Yanomamis não pode nos fazer esquecer de que estamos tratando de genocídios, no plural mesmo, heranças malditas do governo fascista de Bolsonaro. Primeiro houve o genocídio na pandemia, no qual a aparente incompetência e negacionismo na gestão levaram a 700 mil mortes no pais. Sabemos que nunca foi incompetência, mas um projeto de extermínio propriamente dito. Foi ainda sob Bolsonaro que aumentaram a violência em todos os níveis contra as mulheres, o assassinato de pessoas LGBTQIA+ (em especial nos anos de 2020 e 2021, segundo o Observatório de Mortes e Violência contra LGBTI+), o racismo e o extermínio da população negra, que embora estejam na estrutura do Estado brasileiro, foram aprofundados, escancarados e praticamente institucionalizados sob a gestão bolsonarista.
Mas felizmente a atual onda golpista, iniciada logo após a vitória de Lula no 2º turno e que teve seu auge na tentativa de golpe em 8 de janeiro foi derrotada. Pela reação rápida do governo Lula, das instituições, em especial do STF, do rechaço amplamente majoritário da população e pela rápida reação da mobilização antigolpe, com os importantes atos ao dia seguinte da aventura golpista.
Depois do 8 de janeiro, Lula segue corretamente desbolsonarizando e desmilitarizando o seu entorno no Planalto, assim como reformando e resgatando a estrutura de vários órgãos, como a Funai e os responsáveis pela saúde indígena. Mais de 900 golpistas seguem presos e novos mandatos seguem sendo expedidos.
Com a prisão de Anderson Torres e a descoberta da minuta do golpe, o cerco vai se fechando sobre o núcleo conspirador de Bolsonaro.
Mas é preciso ir muito além, não perder o momento em que o golpismo está acuado e em minoria na sociedade. Temos que ter a dimensão de que a caminhada para derrotar definitivamente a extrema direita no país será longa. Mas seria um erro grave deixar de aproveitar a oportunidade. A conjuntura atual é favorável para quebrar as pernas do autoritarismo golpista e genocida.
Avançar nas tarefas democráticas
Há profundas tarefas democráticas a serem realizadas em relação ao Estado Brasileiro. Falamos de um acerto de contas com uma herança autoritária e genocida que Bolsonaro intensificou em seu governo e que, após a derrota eleitoral, se reativou na forma de tentativa de um golpe de Estado.
Esse acerto de contas pode começar pelo básico: é preciso tornar Bolsonaro inelegível e prendê-lo. Estamos falando de um genocida, o chefe consciente de um projeto autoritário, corrupto (nem trataremos aqui de onde vai parar a quebra de sigilo do cartão corporativo do covarde que fugiu do país) e genocida. Bolsonaro precisa ser condenado também internacionalmente como genocida e tratado como um criminoso de guerra, pois foi o presidente dos genocídios e da guerra de extermínio contra os povos originários.
O básico será também a punição de todos os golpistas, ir até o fim nas investigações, como também corretamente disse o presidente Lula, incluindo altas patentes das Forças Armadas envolvidas. É preciso fechar todos os clubes de tiro envolvidos em conspirações e revisar a licença de todos esses clubes, autênticas células de terrorismo golpista; prender todos os financiadores da aventura golpista, banir todos os perfis golpistas e fascistas das redes sociais, quebrar todos os sigilos do governo Bolsonaro.
Aproveitar também a conjuntura para mobilizar e para lutar pela extensão de uma política democrática nos Estados, com a desbolsonarização e desmilitarização das polícias militares, pelo fim do genocídio nas periferias e das operações “especiais”.
É preciso cassar todos os parlamentares envolvidos na tentativa de golpe e com o genocídio dos Yanomamis.
E falar em tarefas democráticas por óbvio envolve resolver de pronto as questões relativas aos povos indígenas, começando pela punição de todos os envolvidos no genocídio, incluindo as altas patentes do ex-governo responsáveis pela contaminação com mercúrio das águas. Além de Bolsonaro, Pazzuelo, Damares, generais Heleno e Mourão precisam ser condenados por genocídio.
Ao lado dessa necessidade imediata é urgente efetivar a demarcação de todas as terras indígenas.
Uma série de medidas democráticas e radicais nessa conjuntura precisam caminhar lado a lado com uma profunda política ambiental, econômica e social. Será preciso recorrer à participação e a ampla mobilização popular não apenas para derrotar de vez o golpismo, como para pleitear que o governo mande às favas as pressões do mercado e avance numa política social-econômica que garanta uma reforma tributária progressiva, que garanta as promessas de campanha sobre salário mínimo e isenção do IR, entre outras bandeiras para acabar com a fome, o desemprego e a extrema precarização.
Mas que não fique dúvidas sobre a prioridade desta conjuntura: o que vai simbolizar a resposta à conspiração golpista e ao genocídio Yanomami será a prisão e inelegibilidade de Jair Bolsonaro.