*Por Ana Hollanda, Roberto Amaral, José Gomes Temporão, Luiz Eduardo Soares, Manoel Domingos Neto e Gilberto Maringoni, originalmente publicado na Folha de São Paulo
Agindo de forma reativa, enlaçado pela corrupção parlamentar, premido pela onda obscurantista e pela crise internacional, o governo Lula ruma para o colapso. Cabe reagir sem demora.
Eleito pela mobilização contra a extrema direita, Lula não exibiu proposições claras e consistentes na campanha. Prometeu extinguir o teto de gastos, incluir o pobre no orçamento, rever a reforma trabalhista, valorizar o serviço público, garantir gasolina barata, reestatizar a Eletrobras e botar picanha e cerveja na mesa do povo.
No governo, prendeu-se ao fiscalismo ao gosto dos banqueiros. Estabeleceu meta de inflação inalcançável, argumento para o Banco Central elevar a taxa de juros. Essa camisa de força inviabiliza o bom serviço público, inibe investimentos produtivos e o atendimento aos mais pobres.
Crescimento do PIB, do emprego e da renda não bastam à sociedade. O corte de gastos resultante da obsessão fiscal fomenta a desesperança.
O preço da comida, a insegurança pública, a dificuldade de locomoção e a carência de moradia frustram as expectativas do povo.
A sociedade não mais distingue quem defende o avanço de quem defende o atraso. Práticas parlamentares execráveis são universalmente praticadas, nos moldes das oligarquias carcomidas.
A degringolada institucional é evidenciada quando militares insurretos ficam impunes e juízes são vistos como derradeiros baluartes da democracia.
A ordem mundial se despedaça, mas o governo não se livra dos tentáculos de Washington. Assiste passivo à ruína da convivência sul-americana. Deixa livre o ativismo da extrema direita turbinado pelas novas mídias. A devastadora crise do PIX, conduzida de fora, exemplifica como a sociedade está exposta.
Lula deve preservar sua liderança. As forças democráticas precisam escapar das armadilhas que criaram para si. Como agenda positiva, sugerimos:
- Fim da escala 6×1. Jornada de trabalho reduzida para 40 horas;
- Isenção do Imposto de Renda para ganhos até R$ 5.000/mês;
- Taxação das grandes fortunas, dividendos e altas rendas;
- Cobrança de tributos para a exportação de produtos primários e semielaborados;
- Reforma agrária, amparo à cesta básica, incentivos à agricultura familiar e retorno de estoques reguladores da oferta de alimentos;
- Tratamento prioritário à transição energética conjugada à defesa ambiental;
- Reforma penitenciária, criação do Serviço Único de Segurança Pública (SUSP) e controle da violência policial epidêmica;
- Priorização da integração sul-americana, com destaque para projetos de desenvolvimento e defesa ambiental;
- Supressão de operações de garantia da Lei e da Ordem, redução e redistribuição espacial de quartéis e extinção das comissões militares no exterior.
Para mudar a correlação de forças, cabe atitude. Novos rumos são urgentes e indispensáveis para deter a regressão. Lula deve preservar sua liderança. Reavivemos a esperança.
*Ana Hollanda
Cantora, compositora, ex-ministra da Cultura (2011-2012, governo Dilma)
*Roberto Amaral
Cientista político, ex-ministro da Ciência e Tecnologia (2003-2004, governo Lula)
*José Gomes Temporão
Sanitarista, ex-ministro da Saúde (2007-2010; governo Lula)
*Luiz Eduardo Soares
Antropólogo, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003, governo Lula)
*Manuel Domingos Neto
Historiador, professor da Universidade Federal Fluminense
*Gilberto Maringoni
Professor de relações internacionais da UFABC