O resultado do segundo turno das eleições em 2022 impôs uma derrota a Bolsonaro nas urnas, sendo ele o primeiro presidente a não conseguir se reeleger desde que este mecanismo foi instituído na década de 90. A chapa encabeçada por Lula e Alckmin, uma frente amplíssima, ultrapassou a marca dos 60 milhões de votos, elegendo Lula para o seu terceiro mandato presidencial.
Esta vitória foi arrancada mesmo com o bolsonarismo se utilizando das estruturas do Estado, como demonstraram os casos de compra de votos via Auxílio Brasil, do uso da PRF como instrumento para obstruir a passagem do eleitorado pelas rodovias do Nordeste, dos benefícios criados apenas durante o período eleitoral e de uma base parlamentar que atuou nos estados turbinada pelo escândalo do orçamento secreto.
Da mesma forma, triunfamos sobre a política de terror e ameaças que o bolsonarismo tentou impor por meio de ataques a pessoas identificadas com a esquerda e com a campanha de Lula desde o primeiro turno. Esta violência política utilizada pelo bolsonarismo não se resumiu a ameaças, mas a agressões físicas e assassinatos que devem ser lembrados por nós em uma campanha nacional por nenhuma anistia aos crimes cometidos nos últimos anos pelos bolsonaristas e pela própria família Bolsonaro.
O resultado eleitoral do segundo turno tem um importante peso no enfrentamento ao bolsonarismo no Brasil, mas está longe de ter representado a sua derrota em definitivo. Com 58 milhões de votos no segundo turno, tendo eleitos governadores aliados e uma expressiva bancada parlamentar, a extrema-direita se apresenta enquanto uma força política consolidada na base da sociedade brasileira. Defendemos nos últimos meses que era necessário “derrotar Bolsonaro nas urnas e o bolsonarismo nas ruas”, e por isso consideramos que é fundamental construir um calendário de lutas que inclua a defesa da revogação das contrarreformas, da política armamentista e por nenhuma anistia aos crimes cometidos pelo bolsonarismo.
Contudo, passado o processo eleitoral, o que temos visto é um preocupante ambiente de desmobilização, nutrindo falsas expectativas de que as instituições, sobretudo o judiciário, trabalharão para conter os arroubos golpistas do setor mais radicalizado do bolsonarismo. Os bloqueios nas rodovias, inclusive com financiamento empresarial, e os atos bolsonaristas em frente a quartéis do exército, têm sido tratados com complacência por parte de agentes do Estado mesmo quando há decisões judiciais a cumprir. O compadrio de membros da PRF com os bolsonaristas ficou evidente em registros de todo o Brasil.
Lula e o PT, como era de se esperar desde a composição da frente amplíssima, não apostam no caminho da mobilização popular como a principal via de enfrentamento a estes setores de extrema direita e fascistas. Seu caminho é o de (re)construção dos pactos por cima com setores da elite que marcaram as experiências anteriores do petismo no governo federal. A repetição deste caminho, que já revelou seu esgotamento no passado recente com o golpe parlamentar de 2016, é hoje muito mais arriscada, uma vez que o governo terá agora o bolsonarismo como um adversário que sequer reconhece o resultado e a legitimidade das eleições deste ano.
O PSOL, que integrou esta frente amplíssima desde o primeiro turno, está agora convocado a discutir o que fazer no novo cenário aberto pela derrota eleitoral de Bolsonaro. Para isto, além de ser necessário realizar um balanço do processo eleitoral, é preciso também definir qual será a posição do partido em relação ao futuro governo.
Defendemos na conferência eleitoral do partido que o PSOL tivesse uma candidatura própria para ser porta-voz de um programa ecossocialista e de enfrentamento as bases que sustentam o bolsonarismo. Esta posição não criaria obstáculos para um apoio em segundo turno, ou mesmo para retirada da candidatura em caso de necessidade, como afirmou na data o nosso companheiro Glauber Braga. A ausência de uma pré-candidatura do PSOL pautando o debate eleitoral desde 2021 pela esquerda se fez sentir, e questões fundamentais para a vida do povo trabalhador não estiveram no centro das discussões.
Rejeitamos naquela mesma conferência a ideia de que era possível construir uma “frente de esquerda com Lula”, pois o que havia de fato era uma frente amplíssima. Na altura, os companheiros e companheiras do PSOL de Todas as Lutas (PTL) afirmaram: “o PSOL não tem lugar em governos de conciliação de classes”. Afirmaram também que o partido manteria sua “vocação de construir um caminho estratégico e lutar por um modelo que rompa com as concessões às oligarquias e representações das classes dominantes”. Contudo, parte desses companheiros e companheiras (PSOL Popular) hoje defendem que o PSOL busque um lugar no futuro governo.
Do nosso ponto de vista, esta questão já deveria ter sido encaminhada pelo PSOL, deixando explícito que o apoio eleitoral a uma candidatura de frente amplíssima, com a presença de setores burgueses e neoliberais, não se confundiria com governar junto a tal frente. Isso teria trazido menos confusão à militância e um corte de diferença entre a postura adesista de diversos setores e um apoio crítico com marcos mais bem delimitados.
Por esta razão, mesmo quando decidimos pelo apoio a Lula no 1º turno, continuamos divergindo do formato com que esta linha de apoio se desenvolveu majoritariamente no PSOL, na medida em que nutria expectativas de que a frente amplíssima (não mais frente de esquerda) seria uma solução programática para “reconstruir o Brasil”. Coisa muito distinta de um voto dado com o objetivo de derrotar Bolsonaro para seguir enfrentando o bolsonarismo nas ruas em melhores condições. Hoje, nos primeiros passos da transição, já visualizamos um futuro governo disponível para aliar-se a parcela relevante das elites como via de garantia da sua estabilidade. Um governo de conciliação de classes, daqueles onde o PTL diria, em abril, que nós não temos lugar.
A tentativa de (re)construção dos pactos por cima, caminho adotado pelo governo da frente amplíssima, teve recentemente mais um capítulo, com o anúncio do apoio do PT e do PSB à recondução de Arthur Lira para a presidência da Câmara dos Deputados. Esta é a mais recente das sinalizações dadas pelo futuro governo de que seu caminho será diferente daquele no qual o PSOL deve apostar, qual seja, o de ser uma força política que contribui para o fortalecimento das lutas orientada por um programa de transformações radicais. Do nosso ponto de vista, um programa ecossocialista para o Brasil deve ser defendido pelo PSOL e a adesão a um governo baseado na pactuação com as elites não fortalecerá esta alternativa programática.
Acertadamente, a bancada do PSOL definiu que não apoiará Lira para presidente da Câmara. Esta não só é uma boa sinalização, mas um exemplo do quão necessário será o PSOL manter a sua independência política frente ao governo. Entendemos que o partido deve estar pronto inclusive para apresentar uma candidatura própria em oposição a Lira, que defenda o revogaço das contrarreformas e da política armamentista de Bolsonaro, o avanço das demarcações e a retomada dos órgãos de controle e fiscalização ambiental para interromper o ecocídio, o fim da Emenda Constitucional 95 para garantir uma política de renda básica de cidadania, o fortalecimento do SUS, do SUAS e do orçamento da educação pública, entre outras medidas que se revelam emergenciais.
Muitos serão os momentos em que as decisões tomadas pelo governo entrarão em conflito com as linhas programáticos fundamentais que o nosso partido historicamente vem defendendo. Atado ao governo, o PSOL perderá a necessária autonomia para levantar as suas bandeiras de luta quando estas forem colocadas no balcão de negócios da colaboração de classes. Diferentemente do que tem sido colocado nas discussões, afirmar a independência política de classe não é uma questão de principismo, mas de vincular a nossa ação cotidiana aos compromissos programáticos e ao horizonte estratégico que afirmamos ser o nosso.
Devemos estar a postos para defender o mandato de Lula e a legitimidade das eleições contra qualquer ofensiva golpista da extrema-direita brasileira. Também nesse aspecto reafirmar a posição de independência política do partido não constitui qualquer problema. O enfrentamento ao golpe parlamentar de 2016 demonstrou que o PSOL não precisava estar no governo para defender sua legitimidade como bandeira democrática. Muitos que estavam no governo, por outro lado, foram participantes ativos do “grande acordo nacional” que derrubou Dilma e estarão no futuro executivo nacional.
Defendemos, portanto, que o PSOL mantenha independência política frente ao futuro governo. Que esta independência se traduza em não assumir cargos de indicação política no poder executivo federal em ministérios, secretarias, em qualquer escalão, assim como não componha os espaços de liderança do governo na Câmara.
Coordenação Nacional da Comuna
06 de dezembro de 2022.