Eleito o deputado federal mais votado do Pará em 2018 pelo PSOL, o arquiteto Edmilson Rodrigues governa Belém pela terceira vez desde 2020. Nesta entrevista, fala das especificidades das cidades amazônicas e dos desafios que tem enfrentado governando a capital paraense, que sediará a Convenção da ONU sobre o Clima em 2025 – a COP 30.
Convicto do horizonte ecossocialista, tem desenvolvido novas políticas socioambientais e apoiado a realização de eventos sobre o tema, ampliando a participação social na gestão municipal.
Pedro Charbel – O fato de que 70% da população da Amazônia Legal brasileira é urbana é geralmente negligenciado em debates públicos sobre a floresta e a crise climática. Quais as especificidades das formações urbanas nessa região? De que modo ribeirinhos, quilombolas e indígenas compõem o tecido urbano de Belém, cujo território é composto, em sua maioria, por ilhas fluviais?
Edmilson Rodrigues – Falar sobre a Amazônia é falar sobre ecossistemas, e há de se falar em ecossistemas urbanos na Amazônia. Essa pergunta é muito importante porque as pessoas falam muito da biodiversidade amazônica, e há que se falar da sociodiversidade: são muitos povos, muitas etnias. É importante que se diga que na formação de Belém, Manaus e outras cidades amazônicas, a presença dos povos originários é muito significativa. Tanto de pessoas que ainda mantém uma identidade étnica e cultural, muitas vezes com domínio da língua original, quanto de populações que têm uma ascendência indígena muito forte, havendo uma influência cultural e mesmo política das formas tradicionais de organização. A própria presença da mulher nas lutas é muito marcante e tem relação com a ancestralidade indígena e com as importantes culturas de comunidades trazidas de forma violenta para cá, traficadas de vários lugares da África.
O sistema urbano da Amazônia hoje é hegemônico. Nós temos grande parte da floresta devastada, mas ainda mais de 70% que resiste, de modo que a Amazônia continua sendo realmente a maior floresta tropical do planeta, e ela tem uma grande contribuição a dar para a humanidade. Fundamentalmente porque as culturas amazônicas podem contribuir para uma nova forma de visão de civilização. Nossos modos de pensar têm estado muito baseados na lógica da sociedade hegemônica atual e é muito comum que, mesmo nos debates de esquerda, a gente fique pensando sobre como resolver o problema da crise dentro do capitalismo. Isso é quase inevitável porque nós vivemos no capitalismo, mas não podemos perder o pé do rumo ao futuro que é a mudança estrutural necessária na perspectiva ecossocialista.
A Amazônia Legal já alcança hoje 30 milhões de habitantes nos sete Estados que a compõem. Manaus e Belém, as duas maiores regiões metropolitanas da Amazônia, têm mais de seis milhões de habitantes. Se a gente pensa que o Uruguai tem menos de quatro milhões de habitantes, então nós temos uma vez e meia mais gente que aquele país. A ideia de que a Amazônia seria uma terra sem gente, a ser ocupada por pessoas sem terra de outras regiões, veio do discurso da geopolítica militar, na estratégia de integrar para não entregar, quando, sabemos, havia toda uma política entreguista.
O papel que a ditadura militar deu à Amazônia foi de polo de desenvolvimento, consolidando as desigualdades inter-regionais: a Manaus coube ser Zona Franca. A manutenção dos empreendimentos industriais das montadoras, todas estrangeiras, se dá a partir do esforço do povo brasileiro, sendo preciso pensar o futuro sem a Zona Franca ou Manaus estará condenada a viver uma crise profunda. No Pará, surgiram polos energéticos: a previsão de Belo Monte era ter sete barragens! Só a primeira foi construída porque houve muitas lutas, muita resistência. Nunca podemos esquecer do episódio de Tuíre Kayapó apontando o facão para o pescoço do diretor da Eletronorte! Isso adiou Belo Monte, mas infelizmente a usina foi construída no mandato de Lula. E realmente as consequências foram e são drásticas. Hoje, Altamira está entre as cidades mais violentas do mundo porque houve uma explosão populacional sem que os serviços essenciais fossem compatíveis.
Manaus é uma cidade industrializada e, portanto, com fontes de recursos diferenciada de Belém. Belém é uma cidade muito, mas muito pobre. Eu vivo uma situação hoje de terceiro mandato, sou mais experiente, e depois de ter estudado mais a problemática urbana brasileira, de ter amadurecido enquanto pessoa e enquanto profissional da arquitetura, com meu doutorado em geografia, confesso que ficou mais difícil governar a cidade porque ela está mais empobrecida.
Pedro Charbel – O que explica esse empobrecimento?
Edmilson Rodrigues – O momento de governo fascista foi um momento muito difícil porque, além da pandemia, houve um corte de recursos na área da assistência, da educação, da saúde, o fim de programas como o Minha Casa, Minha Vida, o que implica em falta de geração de emprego, falta de investimento em infraestrutura social, além do corte de famílias dos programas sociais como o Bolsa Família. Tudo isso trouxe, realmente, prejuízos enormes à economia brasileira e à economia de Belém, fazendo a crise social se aprofundar.
Para se ter uma ideia, apenas entre 2020 e 2023, nossa quota-parte do ICMS caiu cerca 4,5 pontos percentuais, o que representa muitos milhões a menos no orçamento. Somente em março deste ano nós já perdemos 54 milhões em repasses estaduais do ICMS. E quem é que recebe ICMS? Dois ou três municípios mineradores. Olha a contradição: Paraopeba é hoje maior produtor de divisas do que São Paulo, exporta mais que São Paulo, com 200 mil habitantes. Paraopeba e Canaã dos Carajás, sozinhas, arrecadam mais de 50% do ICMS. Isso ocorre porque lá a produção de minério e commodities é transportada sem deixar um único centavo de real na economia por conta da Lei Kandir. A Vale exporta ao dia dois milhões e meio de toneladas de ferro e paga zero de ICMS na exportação.
Mas apesar disso, no cálculo feito para estabelecer a quota-parte, o valor adicionado, que é um dos fatores, considera o minério como produção, de modo que as grandes metrópoles têm perdido muito, e Belém em particular, porque não temos indústrias – e nem queremos que se encontre alguma mina que venha a implicar na destruição da metrópole. Como administrar e desenvolver políticas voltadas à garantia dos direitos dos cidadãos com a permanente redução dos recursos e com o empobrecimento gradativo da cidade? É realmente um grande desafio, há uma carência real de recursos. Para se ter uma ideia, um belenense recebe 300 reais de quota-parte do ICMS, enquanto Canaã dos Carajás – que hoje transformou o Brasil em superavitário do cobre – tem 35 mil reais per capita. Essa estrutura não pode estar certa, assim como não está certo que o Sr. Raimundo da Silva, dono de uma taberninha na periferia de Belém ou em uma cidade pobre, com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano no Marajó, tenha que que pagar ICMS enquanto a Vale, que exporta dois bilhões e meio de toneladas ao dia, pague zero.
A Lei Kandir, criada por Fernando Henrique e transformada em dispositivo constitucional depois, realmente não pode ser vista como algo benéfico ao país, ela destrói, ela desalinha a sociedade, ela aprofunda desigualdades sociais e inviabiliza o desenvolvimento. Por isso é de fundamental importância que as cidades da Amazônia cumpram o papel de protagonizar um projeto alternativo de desenvolvimento do país. Temos que pensar o futuro da Amazônia e sua contribuição para o futuro da própria humanidade, como muitos dizem, para salvar o planeta.
Pedro Charbel – Em 2021, Belém sediou o Encontro de Saberes Amazônia e Mudanças Climáticas, reunindo indígenas, quilombolas, pescadores, moradores das cidades amazônicas e cientistas de várias áreas para uma troca inédita de saberes. De que modo esse encontro se insere nessa busca de um projeto alternativo que, como você disse, não pode se constranger ao capitalismo?
Edmilson Rodrigues – Esse encontro teve uma potência importante em termos estratégicos porque reuniu a sabedoria ancestral, saberes populares de lideranças quilombolas, lideranças indígenas, vários caciques, várias pessoas de etnias diferentes e seus saberes, com a representação do saber científico, professores das grandes universidades da Amazônia e também de fora. A UFRJ esteve aqui presente com muitos cientistas, a Universidade Federal do Pará, a Universidade do Estado do Pará, a Universidade Federal Rural da Amazônia, a Universidade Federal do Sudeste do Pará, entre outras instituições, vieram dialogar com a sabedoria popular para contribuir com a produção de alternativas para o desenvolvimento.
A gente falava muito que os produtos da floresta são alternativa à modernização conservadora que, em geral, é expressa nos grandes projetos muito lucrativos para as grandes corporações, como é o caso das grandes hidrelétricas, da monocultura da soja, da cana, eucalipto etc. O Pará tem o terceiro maior rebanho de gado brasileiro, fazendas com 500 mil cabeças de gado sem interesse em desenvolver tecnologia. Enquanto em alguns países quatro, cinco, seis cabeças ou até mais são criadas em um hectare, aqui isso não ocorre porque a estratégia da produção do agronegócio na Amazônia está vinculada à apropriação de terras, à progressão criminosa, não é uma estratégia produtiva de modernização, de desenvolvimento, como eles professam.
As cidades amazônicas, como regra, são a expressão da urbanização sanguinária de que nos fala a geógrafa baiana Maria Brandão. Esse encontro de saberes produziu um resultado muito positivo, com uma carta, um documento, que evidencia nossa prioridade de produzir solidariedade. Nós adoramos a solidariedade. Para nós a solidariedade internacional é um princípio, por isso, quando foi criado o Fórum Social Mundial, Belém teve a iniciativa de propor e protagonizar a realização de fóruns regionais, e o Fórum Social Pan-Amazônico foi o primeiro desse tipo a ocorrer. As duas primeiras edições foram em Belém e Manaus, depois ocorreu em Ciudad Guayana, na Amazônia venezuelana se não me falha a memória, depois de Santarém, Peru, até que voltou, em sua décima edição, a Belém, em 2022.
No nosso Fórum PanAmazônico tivemos pessoas do mundo inteiro, eu recebi embaixadores da Alemanha, da Itália e de muitos outros países europeus, gente dos Estados Unidos, do Canadá, e é muito bom que o mundo se preocupe conosco, os amazonidas, mas ainda que reconheçamos que o debate sobre a Amazônia é um debate que pode e deve ser feito por todos os cidadãos que estão preocupados com o futuro, nós queremos dizer para o mundo que nós somos um povo com capacidade, com tradição, com conhecimento, e queremos ser protagonistas do nosso futuro.
Esse também é um pouco o sentido das nossas relações internacionais, e por isso a prioridade na relação sul-sul. Estamos estabelecendo um irmanamento com vários povos africanos. Guiné-Bissau é um país do qual partiram muitos dos escravizados para cá, para o nosso território. Também com Cabo Verde, Angola e outros povos de várias culturas, várias etnias, e várias nacionalidades. Ao mesmo tempo, temos desenvolvido nossa relação com a América Latina, especialmente com foco na Pan-Amazônia, composta por nove países amazônicos. Temos um país como a Guiana Francesa, onde a luta pela independência é forte, temos países com pluralidade e diversidade sociocultural, como Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, enfim, esse é o foco das nossas relações internacionais para que a Amazônia possa ser realmente protagonista do seu futuro e contribuir com outros povos do planeta e do próprio Brasil para pensarmos de que modo ela se insere no futuro da humanidade.
Pedro Charbel – Essa paradiplomacia que você descreve tem situado a prefeitura em um debate que normalmente é visto como nacional. Recentemente, você inclusive assinou uma carta contra a proliferação de combustíveis fósseis e está atuando ativamente para que Belém receba a COP 30. Como está a relação com o governo federal nesse sentido? E qual a importância dessa movimentação sobre a COP?
Edmilson Rodrigues – Eu fiquei feliz quando o Lula, ainda no Egito, disse que gostaria que a COP 30 fosse realizada no Brasil. O governador paraense Helder Barbalho e disse: “que seja no Pará”. Eu imediatamente fui à Frente Nacional de Prefeitos e apresentei uma carta que foi aprovada por unanimidade: nossa candidatura! Que a COP seja em Belém! Outras cidades amazônicas, como Palmas, Porto Velho e mesmo Manaus fazem parte da frente e não disputaram, foi quase que uma aprovação unânime. Isso coloca Belém como uma capital internacional no debate sobre mudanças climáticas.
Dada a importância da realização da COP em 2025, há toda uma necessidade do próprio governo federal, de investir em projetos que tenham essa marca da sustentabilidade. Esse, hoje, é um conceito generalizado, muitas vezes usado como verdadeira metáfora porque grandes corporações plantam uma árvore em meio a milhares de quilômetros quadrados de mata primitiva danificada e usam isso como propaganda para ludibriar os incautos.
Belém receberá investimentos importantes em projetos para a estruturação da cidade, criando as condições para recepcionar esse evento mundial mas, ao mesmo tempo, também voltados à inclusão social, ao respeito à natureza. Precisamos pensar na sustentabilidade econômica, social, cultural e política, numa visão de desenvolvimento em que as desigualdades sejam permanentemente reduzidas e a natureza seja vista como sujeito de direito. A democracia deve servir como instrumento coletivo de produção do futuro, a busca do equilíbrio ecológico passa necessariamente por mais participação social.
Pedro Charbel – E como efetivar essa participação?
Edmilson Rodrigues – Para nós, democracia não é voto de quatro em quatro anos, onde o poder econômico e a corrupção acabam elegendo um congresso antipovo, prefeitos antipovo, governadores antipovo, enfim, nós pensamos a democracia como o poder popular. Ela não virá de graça, daí a importância de experiências que estamos desenvolvendo por meio do Fórum Permanente de Participação Cidadã, que nós chamamos de “Tá Selado”. Por meio desse esforço, promovemos debates nos bairros, com representantes reunidos por setor: pessoas indígenas, pessoas com deficiência, juventude e até crianças realizam seus congressos próprios. Elegeram-se, territorial ou setorialmente, 1600 conselheiros da cidade.
Promover o debate sobre as prioridades das políticas de investimentos na cidade pode parecer pouco, mas é um esforço para criar uma cultura de democracia que não seja a democracia formal burguesa, que nos resume a eleitores de quatro em quatro anos. Fizemos uma parceria com a GIZ, a agência alemã para cooperação internacional, que se dispôs a nos ajudar a constituir um método já experimentado em outras cidades para o debate do Plano Diretor, aí incluíram a necessidade de termos, paralelamente, a construção de um plano sobre as mudanças climáticas. Nesse sentido, estamos constituindo a Conferência Municipal sobre Clima e Mudanças Climáticas.
O ICLEI, uma organização internacional importante de governos locais pela sustentabilidade, também vai nos ajudar a organizar o debate social sobre as mudanças climáticas e estabelecer um elo entre nosso plano sobre mudanças climáticas com as políticas municipais. Nosso objetivo é construir um verdadeiro poder popular, criar um processo de participação, uma consciência coletiva para que o povo seja protagonista e veja um verdadeiro projeto de futuro ser executado, isso é seu direito. Nós sabemos que, quando a população debate, ela protagoniza o futuro.
Pedro Charbel – Que políticas municipais concretas estão sendo desenvolvidas em diálogo mais direto com a agenda socioambiental?
Edmilson Rodrigues – Estamos investindo em energia alternativa, inicialmente como sistema isolado por escola. Depois das 203 escolas concluídas, vamos avançar para as unidades de saúde e todos os equipamentos urbanos, inclusive nos programas da Minha Casa, Minha Vida. Nós já estamos com 70 escolas recebendo recursos próprios da prefeitura por meio da Secretaria de Educação para que utilizem uma matriz energética alternativa: a solar. Ninguém pode mais falar – como se falava há 30 anos – que nos sistemas fotovoltaicos você só tem energia quando há sol forte, e quando precisa combater o frio não há energia suficiente e o banho será frio. Não! Agora, as baterias são tecnologias altamente desenvolvidas, conseguem reter a energia. Você chega de madrugada numa região fria e consegue usar a energia ali acumulada. Países que têm escuridão por meses utilizam energia solar! No caso de Belém, a diferença é de apenas 12 minutos entre o dia e noite. Por que não usar essa energia? Não temos muito vento, mas sol nós temos por 12 horas.
Esse debate tem que ser feito com o governo federal, porque necessitamos de uma boa política nacional de incentivo à energia alternativa. Ou nós vamos continuar usando o combustível fóssil e vamos continuar fazendo hidrelétrica? No caso destas, mesmo que não sejam perniciosas em termos da produção de CO2, geralmente atingem populações tradicionais, populações indígenas e o equilíbrio ecológico. Os casos de Belo
Monte e de Tucuruí são emblemáticos: Belo Monte é uma desgraceira e as consequências sociais, inclusive com picos de analfabetismo, de desemprego, de violência, são muito grandes.
Estamos também desenvolvendo uma política de arborização da cidade, porque nós temos 39 ilhas dentro da metrópole incrustada na floresta, realmente uma floresta circundando Belém. Na região continental a imigração é muito intensa e áreas de baixada estão sendo ocupadas, são áreas alagáveis ou alagadas permanentemente devido à presença de 47 bacias hidrográficas da região continental. Então nós estamos fazendo um esforço de rearborização e temos a meta de 140 mil árvores até o final do ano que vem.
Eu fui indicado pela Frente Nacional de Prefeitos para representar os municípios brasileiros no Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama. Estarei lá para representar os municípios brasileiros, de modo que naturalmente tenho que fazer uma mediação porque os municípios são governados por prefeitos diferentes, mas eu tenho posição, então eu vou defender as minhas posições, e as minhas posições são de um prefeito com um projeto estratégico claro: ecossocialista, porque eu sou do PSOL e eu tenho responsabilidade de governar, temos que fazer as políticas avançarem.
Pedro Charbel – Falando em articulação de prefeitos, como é que está a expectativa de vocês para a Conferência de Prefeitos da Pan-Amazônia? Isso já aconteceu alguma vez antes?
Edmilson Rodrigues – Nunca. A ideia surgiu no processo de organizar a Cúpula dos Países Amazônicos, que ocorrerá nos dias 8 e 9 de agosto. Vou articular os prefeitos brasileiros e, com os nossos parceiros de outros países, articular os prefeitos de outros municípios da Pan-Amazônia. Há algo importante e inédito no contexto dessa cúpula presidencial. Teremos, possivelmente, até o Macron aqui, porque parte da Amazônia é francesa – ainda que respeite o desejo dos guianenses de se livrar da dependência francesa, hoje, oficialmente, a Guiana Francesa, é um estado ultramarino francês. Também representantes da Venezuela, Equador, Colômbia, Bolívia, Peru e de outros países estarão aqui junto com o governo brasileiro, debatendo a Amazônia e debatendo a crise climática que, na verdade, não é crise climática, é a crise climática e social.
É claro que os presidentes, embaixadores e ministros terão suas visões políticas, às vezes mais ou menos conservadoras, mas a Amazônia, assim como a América Latina, vem passando novamente por um processo de, digamos, democratização e esquerdização – temos derrota de vários governos autoritários. Mas isso não significa que o debate oficial dos presidentes representará os anseios da sociedade, daí todo o esforço de produzir uma carta do Fórum Social Pan-amazônico, muito representativa de todos os povos que aqui estavam presentes – e foram milhares de cidadãos de todos os países da Pan-Amazônia.
Além desses documentos, a própria presença de povos indígenas, de populações urbanas, dos movimentos sociais, movimentos ecológicos, professores das universidades será muito importante. Vai ser realmente uma participação paralela ao fórum. O próprio Itamaraty diz que nós teremos aqui em torno de quatro mil pessoas. Não será uma cúpula de presidentes apenas, será uma cúpula que terá participação paralela da sociedade organizada numa perspectiva crítica para dizer que o futuro depende de um debate democrático, porque enquanto os grandes projetos avassalarem as comunidades originárias e tradicionais, destruírem a floresta, o meio ecológico e a biodiversidade, não há possibilidade de se falar seriamente no futuro.
Então, a defesa dos povos indígenas, a defesa das terras da União, das florestas nacionais e da resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são princípios que devem balizar as políticas públicas. Nada justifica que, em nome do progresso, esses projetos aumentem a desigualdade e a destruição do equilíbrio ecológico. Esses projetos, em geral, são autoritários.
Pedro Charbel – Voltando às políticas municipais, sabemos que políticas de saneamento, transporte e moradia são determinantes na relação das pessoas com o meio ambiente e, no limite, é a partir disso que se produz uma cidade que seja menos destruidora do planeta. Além das políticas mais diretamente conectadas à agenda ambiental que você mencionou, de que modo outras políticas municipais têm se desenvolvido nesse sentido?
Edmilson Rodrigues – Metade da nossa amada cidade foi construída em região de baixadas, onde há bacias hidrográficas. Nessas áreas alagadas ou alagáveis, mais da metade da população, por muito tempo, viveu em palafitas. No meu primeiro mandato e agora novamente, uma das contribuições que fizemos, foi um investimento milionário em macrodrenagem. Não dá para falar em desenvolvimento sustentável com as pessoas vivendo de forma desumana, sem equipamentos e serviços sanitários, em áreas alagáveis, em situação de palafita. É possível viver de modo harmônico com as águas, com o rio e, ao mesmo tempo, garantir água potável, sistema de esgoto e sistema de internet, é o direito à cidade.
No sistema de transporte, o problema é que nós estamos à frente de uma cidade pobre. Nós temos a menor tarifa do país porque a população não tem condição de pagar mais. É uma cidade muito pobre, de modo que a gente freia o aumento da tarifa – se dependesse do empresariado, esse valor seria bem maior. Só que não conseguimos subsidiar como São Paulo, como Manaus, como Fortaleza, Goiânia, outras cidades que subsidiam e ainda assim têm tarifas maiores que a de Belém. A consequência disso é que a frota acaba envelhecendo. Estamos em diálogo com o governo federal para tentar melhorar essa situação e falando também com o BNDES sobre a possibilidade de implantação de um programa-piloto em Belém para compra de veículos 100% elétricos, preferencialmente produzidos no Brasil.
Não é fácil, mas temos que tentar promover a participação popular e focar nas prioridades para os mais pobres. Somos uma cidade onde a desigualdade é profunda, não temos a ilusão de que um município trará o socialismo, mas um governo popular e coordenado por um prefeito de estratégia socialista, tem que trazer o povo para debater.
Por Pedro Charbel
Editor-chefe da Jatobá