GERAÇÃO DISTRIBUÍDA SOCIAL: por uma transição energética com justiça socioambiental
Projetos de fontes renováveis centralizados trazem impactos sociais negativos e afastam os processos de transição energética de uma verdadeira justiça
Cássio Cardoso Carvalho
Formado em engenharia elétrica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, mestre e doutorando em Energia pela Universidade Federal do ABC. Compõe o Grupo de Trabalho de Energia e Desenvolvimento Sustentável do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais e é assessor político do Inesc.
Apesar da matriz elétrica brasileira ser considerada renovável, não se pode dizer que ela seja sustentável. Isso porque o pilar que sustenta a renovabilidade da matriz, que é a energia hidráulica, está exposto ao risco hidrológico em decorrência das mudanças climáticas, através de grandes estiagens as quais deixam os reservatórios das hidrelétricas comprometidos. Além disso, elas foram, e ainda são, exemplos de uma política de desrespeito ambiental e social, devido aos impactos causados por sua instalação.
Este fato traz à tona uma disputa pela garantia da segurança energética do Brasil. De um lado a carbonização, sobretudo através do gás natural fóssil, que no cenário brasileiro não se pode entender como uma fonte de transição; de outro, as fontes renováveis, como eólica e solar fotovoltaica. A aposta nas renováveis vem se materializando ao longo das últimas duas décadas, principalmente em grandes projetos centralizados, como no caso das eólicas, explorando o vasto potencial cinético dos ventos, sobretudo no Nordeste brasileiro. No caso da solar fotovoltaica, a aposta ocorre de maneira descentralizada, a qual chamamos de geração distribuída, havendo a produção da energia próximo ou no local do consumo. No Brasil, a fonte solar representa 94% de toda a geração distribuída, a qual se concentra majoritariamente no Centro-Sul do país.
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Quando observados os projetos centralizados de fontes renováveis, apesar de suas contribuições à diversificação e descarbonização da matriz elétrica, é possível notar algumas singularidades que trazem impactos sociais, algo que já se reverbera em comunidades impactadas com a seguinte frase: “energia renovável sim, mas não assim”. Estes impactos se traduzem desde os contratos entre empresas e comunidades, que muitas vezes são abusivos, até a contratação e consumo desta energia gerada, a qual é substancialmente direcionada ao Ambiente de Contratação Livre (Mercado Livre).
A geração distribuída deve ser encarada como uma ferramenta viável para erradicar a pobreza energética
Até 2029 a geração de energia centralizada poderá corresponder a 92% neste ambiente, onde apenas grandes consumidores têm acesso, o que garante a eles uma energia mais barata, ao passo que através de cooperativas e associações, podem garantir renda e aumento de suas produções com a instalação de geração distribuída em seus territórios. Logo é preciso que as normativas e legislações se adequem, compreendendo que a geração descentralizada de energia pode e deve contribuir para a produção de alimentos, principalmente de pequenos produtores e assentados rurais, garantindo, inclusive, a permanência dessas populações em seus territórios.
O Marco Legal da Mini e Micro Geração Distribuída, que passou a vigorar a partir deste ano, trouxe alguns avanços, como a possibilidade de geração compartilhada por meio de associações e cooperativas. Por outro lado, ampliou o custo de geração, na medida em que estabeleceu o fim da isenção integral da TUSD (Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição). Vale ressaltar que a geração distribuída pode, inclusive, diminuir os subsídios intrínsecos ao setor elétrico, como é o caso da Tarifa Social – a qual é hoje uma política imprescindível, que garante o uso contínuo de energia elétrica para as populações que não têm condições de arcar com a tarifa do serviço e que possuem acesso físico interligado à rede de distribuição. Com o aumento das tarifas de energia elétrica ao longo dos anos e com o risco dos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que consequentemente faz aumentar o valor das tarifas de eletricidade dos consumidores cativos, por conta da entrada da operação das termelétricas, cresce o número de família dependentes deste incentivo ao consumo. Somente em 2022, a Tarifa Social representou R$ 4,6 bilhões na conta dos consumidores.
Construir a transição energética perpassa a substituição das fontes de nossa matriz, e deve necessariamente envolver questões ambientais, econômicas e sociais. O Brasil tem potencial para abrigar todos estes aspectos e uma das maneiras para que isso aconteça é fomentar a escalabilidade da geração distribuída social, garantindo recursos, dinamizando normativas e legislações, e democratizando o acesso. Urge permitir a participação em todos os espaços de comunidades, movimentos e da sociedade civil organizada, dessa maneira, além de contribuir para a descarbonização, caminharemos para a universalização do acesso à energia elétrica, contribuindo para o aumento da produção de alimentos em comunidades rurais e avançando na direção da erradicação da pobreza energética.