Amazonizar a política, cultivar a vida e combater as mudanças climáticas
Entre os dias 19 e 21 de maio de 2023, representantes dos diretórios estaduais do PSOL de toda Amazônia Legal e da setorial nacional ecossocialista do partido debateram, junto a demais filiados e filiadas presentes, movimentos sociais e especialistas convidados, questões conjunturais e programáticas em relação à situação da Amazônia e a centralidade do debate socioambiental para o PSOL.
A Ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara participou da mesa de abertura do evento, cujo tema foi “O futuro é ancestral: a Amazônia como garantia de futuro”. As demais etapas do encontro focaram em questões de território e territorialidade, os desafios da luta ambiental no Brasil, a financeirização da natureza e a transição ecossocialista, bem como as propostas do capital e a COP 30, que será realizada em Belém.
A Jatobá traz a íntegra da síntese desse importante encontro, que propõe um processo de “amazonização” do partido que deve contribuir para elevar o nível do debate sobre a região e sobre questões socioambientais de modo geral, para dentro e para fora do PSOL. Além de representar um acúmulo consensual substantivo, inédito e urgente, o documento será debatido pelo próximo Congresso Nacional do PSOL, no segundo semestre de 2023, servindo para nortear as decisões estratégicas e programáticas do partido.
O sentido da conferência da Amazônia
É chegada a hora de reflorestar mentes. A mãe terra urge que atuemos imediatamente. Não há planeta B e nem socialismo em terra arrasada. O capitalismo é um sistema que opera sob o oposto da lógica da reciprocidade: extrai sempre muito mais do que devolve e penaliza os que menos contribuem com o colapso planetário. Esse processo de esgotamento está jogando a Amazônia – e toda a humanidade – ao ponto de não retorno. Para recuperar esse estrago será preciso criar um sistema fundamentado em reciprocidade entre humanos e natureza, como as cosmovisões indígenas defendem: o futuro é ancestral!
Depois do terrível desmonte socioambiental promovido pelo governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, a eleição de Lula foi avanço notório e significa uma janela de oportunidade para que os povos da Amazônia possam avançar em seus direitos. A Amazônia é um território estratégico para garantir condições de perpetuação da vida, agora e no futuro, subsidiando não apenas sobrevivência, como também perspectivas de uma vida plena e emancipadora. Qualquer formulação estratégica sobre o futuro do Brasil e do mundo
não só deve incluir a região amazônica, como deve garantir que seus povos sejam protagonistas nos processos de formulação e tomada de decisão sobre esse território, sob o risco de incorrer em sérios equívocos.
Amazonizar o planeta
No debate que propomos, a Amazônia não se reduz a um ecossistema: ela é multiplicidade de dinâmicas e territórios e isso é fundamental para recolocar as formas sociais e históricas de vida no debate sobre o futuro do planeta e entender que esse debate não se reduz a um balanço na relação entre carbono e oxigênio, mas compreende a diversidade das formas de vida e suas relações.
Amazonizar é reconhecer o Brasil como um país composto por muitos povos e territórios; é considerar as tradições culturais dos povos originários e viventes da Amazônia como um precioso legado; é assumir nossa condição pan-amazônica, irmanados com os povos de oito países com quem compartilhamos a grande floresta; é proclamar em alto e bom som que a Natureza tem direitos; é lutar pela soberania alimentar, considerando o alimento como uma forma de cultura e resistência; é entender que a Amazônia e seus povos precisam estar no centro dos debates políticos; é superar a mitificação em relação a um território que é muito mais que florestas, rios e biodiversidade – também são seus 25 milhões de brasileiros e brasileiras que vivem em grandes cidades, na sua maioria pobres.
Amazonizar é lutar por formas democráticas e sustentáveis de produção e consumo que rompam com à lógica do agronegócio; é entender que a terra pertence aos povos, que não pode ser submetida a lógica privada; é construir a transição agroecológica para respeitar todas as formas de vida e superar as ilusões em torno da “revolução verde” que levam ao envenenamento do planeta; é realizar uma transição energética justa, com centralidade e protagonismo dos povos na construção de alternativas populares e comunitárias, priorizando as fontes renováveis, de baixo carbono, com distribuição da riqueza e soberania; é, enfim, o compromisso de lutar por um mundo onde todas as pessoas possam viver com igualdade e em relações saudáveis e sustentáveis entre si e com os demais seres vivos do planeta.
A solução para a crise ecossistêmica não virá da bolsa de valores!
Por essas razões, o discurso hegemônico sobre as mudanças climáticas e as soluções propostas pelo capitalismo verde só ampliam o problema. O que o capitalismo verde propõe não é um freio ético, mas um ponto de retorno do projeto do capitalismo moderno; aposta que o mercado poderá encontrar soluções que possibilitem ter na preservação uma fonte de riqueza maior que a destruição, escondendo que isso passa pela ampliação da financeirização da natureza, do controle oligopolista sobre os recursos naturais, pela concentração latifundiária da terra, o fortalecimento do agronegócio como monocultura, a exemplo de Matopiba, e uma transição que inclui apenas uma minoria.
No neoextrativismo, o diálogo é consentido quando é baseado na subalternidade. A exploração ocorre sob as luzes de falsos “bons exemplos”, colocados ao mundo como possibilidade de salvaguardar os interesses gerais do planeta, como no caso do mercado verde de oleaginosas, do algodão, do cacau ou dos agrocombustíveis, sem revelar, no entanto, que são falsas soluções e promovem saque, roubo, violência, silenciamento e morte de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e das populações urbanas periféricas.
A investida financeira com falsas soluções climáticas é uma tentativa de abrir uma nova frente de acumulação, criando mercados de “compensação”, como o baseado no carbono, que pode ter seus créditos negociados em bolsas de valores. Até mesmo os serviços ambientais são mercantilizados, promovendo uma lógica que não compensa os atuais modelos e padrões de produção.
Vamos Amazonizar o PSOL e a esquerda brasileira
O PSOL é o partido que na institucionalidade e nas ruas, junto aos movimentos sociais, luta por justiça socioambiental sem ilusões com as alternativas pautadas pelo sistema capitalista. A transição necessária para o enfrentamento da soma de todas as crises – ecológica, sanitária, econômica e civilizatória – é baseada em alternativas sistêmicas; na luta pela eliminação dos sistemas de opressão de classe, gênero, raça e sexualidade que sustentam o capitalismo e pelo fim da naturalização da transformação de seres vivos e da natureza em mercadorias. Lutamos pela demarcação e defesa dos territórios, por reforma agrária, soberania alimentar, promoção e defesa dos direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos tradicionais, e pela vida dos defensores e defensoras dos territórios amazônicos e de seus povos. Do mesmo modo, o partido está comprometido com a luta por um novo modelo amazônico de cidades que garanta o bem-viver das populações.
É nossa responsabilidade evitar o colapso e nos somarmos aos povos tradicionais que sempre estabeleceram uma relação sustentável com a natureza, ainda que alvos daqueles que a oprimem com sua lógica de dominação e exploração sobre tudo que existe. Como afirmam nossas lideranças indígenas: “o futuro é ancestral”. Lutamos, portanto, pela adoção de mecanismos de reparação aos países mais pobres, que foram e são submetidos a saques e destruição historicamente, e que garanta os direitos dos povos, a soberania popular sobre os territórios e a transição agroecológica.
É no PSOL que as lutas se encontram!
O PSOL é ferramenta das lutas dos povos das florestas, dos povos originários, dos povos das águas, de quilombolas e populações tradicionais. Temos experiências de gestão voltadas aos interesses das maiorias sociais, como acontece em Belém, sob a gestão do prefeito Edmilson Rodrigues. Na Câmara dos Deputados, além da bancada do cocar, nossos e nossas parlamentares são expressão do compromisso do partido com a luta das periferias urbanas, das negras e negros, mulheres, pessoas LGBTQIA+ e juventude.
Porém, em nossa bancada não existem representantes dos estados amazônicos. Isto é um forte indicativo de que é preciso ir além. Precisamos também avançar na nossa contribuição à resistência praticada em todas as “Amazônias”: a urbana, a camponesa, a ribeirinha, a indígena, a quilombola. Isso significa que precisamos imergir nessas lutas, aprender com a resistência dos povos, aumentar nossa capacidade de formulação e contribuição concreta, de forma que o PSOL se torne realmente um partido dos povos da Amazônia.
Um programa para a Amazônia que queremos
Precisamos de um programa amazônico que combata o racismo ambiental, que permita que sejamos garantidores da existência humana no embate contra as mudanças climáticas e que nossos povos tenham seus direitos territoriais e humanos atendidos, como sujeitos coletivos que buscam justiça socioambiental. Precisamos resgatar a ancestralidade dos povos e territórios tradicionais, valorizar a diversidade e pensar os diferentes papéis dos sujeitos em suas diferentes maneiras de ser e estar no mundo, como sujeitos individuais e coletivos. Nosso partido deve ter como centro a busca de alternativas socioeconômicas concretas para combater a fome, a desigualdade social, a violência urbana, a concentração de renda e riqueza.
Como síntese inicial desta Conferência, propomos:
• 1 Defender e construir a transição justa, ecossocialista e popular, com responsabilização dos países ricos, rumo a uma sociedade do bem-viver;
• 2 Desenvolver plano partidário de enraizamento e crescimento do PSOL nos estados amazônicos;
• 3 Promover a formulação de programas eleitorais e subsídios a parlamentares do PSOL para vocalizar e defender as sínteses desta Conferência;
• 4 Desenvolver estratégias de comunicação e mobilização de massa em torno do programa socioambiental aqui expresso;
• 5 Lutar pela constitucionalização da natureza como sujeita de direitos;
• 6 Lutar pela demarcação, titulação, homologação, defesa e desintrusão dos territórios indígenas, quilombolas e tradicionais, e assegurar o respeito à consulta livre, prévia, informada e de boa fé, conforme estipulada na Convenção 169 da OIT;
• 7 Atuar pela proteção de defensoras e defensores dos direitos humanos, da natureza e dos povos, denunciando ameaças e extermínios;
• 8 Atuar contra o Marco Temporal e Projetos de Lei que atentem contra a integridade e a possibilidade de demarcação de novos territórios;
• 9 Defender os princípios de autonomia pluriétnica das nações indígenas;
• 10 Atuar contra as iniciativas imperialistas e tentativas de ingerência corporativa no território amazônico, alienação de territórios e cessão de nossa soberania como no caso da Base Espacial de Alcântara;
• 11 Defender o fim do desmatamento, o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle ambiental, a defesa dos parques e unidades de conservação, assim como territórios indígenas e tradicionais para impedir o ponto de não retorno do ecossistema amazônico;
• 12 Lutar contra grandes projetos de infraestrutura logística e extrativista que violam territórios e direitos, tais como a Ferrogrão e novas barragens;
• 13 Denunciar falsas soluções verdes e iniciativas de financeirização da natureza, tais como o mercado de crédito de carbono e a mercantilização da água e serviços ambientais;
• 14 Mobilizar permanentemente pelo fim do garimpo ilegal, atuando em defesa das comunidades e populações atingidas por atividades de mineração, reivindicando maior fiscalização e responsabilização pelos efeitos negativos;
• 15 Propor políticas que associem a proteção ambiental ao desenvolvimento de atividades econômicas a fim de proteger e fortalecer as comunidades locais e defender alternativas que promovam o potencial de geração de emprego e renda da população amazônica, buscando agregar valor a atividades tradicionais e industriais manejadas pelos povos da Amazônia e desinvestir do agronegócio predatório;
• 16 Combater a fome, promovendo a soberania alimentar e segurança nutricional, defendendo o modelo agroecológico e maior financiamento à agricultura familiar, em oposição à monocultura agroexportadora e uso ostensivo de agrotóxicos, apoiando a federalização da Lei Zé Maria do Tomé (Lei 16820/19 do Ceará), que proíbe despejo aéreo de veneno em plantações;
• 17 Implantar um programa agrícola e hídrico que valorize a soberania popular e alimentar, a produção de alimentos saudáveis e a ancestralidade dos povos, territórios e territorialidades;
• 18 Promover modelos de segurança comunitários e combater o encarceramento em massa e a militarização da vida na Amazônia e territórios fronteiriços;
• 19 Combater a concentração privada da terra, dando transparência ao domínio e à cadeia dominial, resgatando as terras públicas apropriadas indevidamente e destinando-as à reforma agrária e aos usos coletivos;
• 20 Atuar contra projetos de redução da área da Amazônia, como o PL 337/2022;
• 21 Atuar contra os grandes empreendimentos hidrelétricos, lutando pela implantação de uma política energética que concilie o baixo carbono com a soberania popular, a produção cooperada e a distribuição socialmente justa da riqueza, superando no médio prazo as grandes barragens, o uso de hidrocarbonetos e as experiências de agrocombustíveis, reivindicando a memória e a reparação histórica dos atingidos;
• 22 Construir mobilizações e articulações junto aos movimentos sociais no contexto de grandes conferências internacionais, marcadamente a “Cúpula dos Povos” em paralelo à COP 30;
• 23 Apoiar as decisões técnicas tomadas pelo Ibama contra a prospecção e exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial brasileira;
• 24 Lutar pelo fim da Lei Kandir e pela revisão da distribuição da cota-parte do ICMS pelos municípios, acabando com o atual sistema que prejudica as populações amazônicas;
• 25 Defender o SUS e iniciativas interculturais na área de saúde em consonância com as especificidades do contexto amazônico;
• 26 Defender a implementação de políticas de educação pluriétnica, ecopedagógica e socioambiental nos estados e municípios de todo o país;
• 27 Agir pela promoção de modais de transporte populares e seguros, que atendam as especificidades da Amazônia;
• 28 Promover e construir modelos de planejamento urbano que assegurem o direito à cidade e o bem-viver urbano e que garantam a adaptação aos eventos climáticos extremos;
• 29 Lutar contra todas as tentativas de criminalização dos movimentos sociais, em especial a CPI do MST;
• 30 Denunciar e combater as várias formas de extermínio dos amazônidas, vítimas do crime organizado e narcotráfico, das enchentes, das doenças negligenciadas, e da exploração de seus corpos e da miséria. É hora de construir um PSOL amazônico, ecossocialista e libertário!