Milton Temer
Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho são dois cúmplices principais de minha trajetória política. Ao longo de pelo menos quatro décadas, marchamos permanentemente alinhados nas avaliações de conjuntura e na determinação de objetivos concretos a que cada um resolveu dedicar suas vidas. Há quatro décadas tratados como os “direitistas da esquerda”, rimos, quase chegando ao fim do filme em que ainda estávamos os três juntos, ao constatar que, com raríssimas exceções, os que nos rotulavam “reformistas moderados” terminaram quase todos apóstolos do neoliberalismo. E dos mais sectários, como todos os renegados.
Mas embora alinhados, no mais das vezes, nos momentos deliberativos, não é assim que as coisas se registravam quando a conversa era particular. E descontraída. Nesses momentos, destacava-se o perfil generoso de Leandro, numa definição que sempre me ocorre: era um dos mais inflexíveis militantes marxistas, mas sem ter inimigos de classe. Leandro não brigava no varejo. Ficava na dele.
Já não era assim com Carlito. Estava com a cabeça sempre muito mais ligada na luta política do que Leandro. Não é que não tivesse as mesmas prioridades culturais e acadêmicas. Mas enquanto Leandro aturava a atividade política, Carlito a cultuava. Com uma diferença fundamental entre os dois: convocados como militantes para qualquer tipo de reunião, o certo é que quem estará presente será o Leandro. Carlito sempre terá uma outra prioridade que o afaste da atividade prática.
Para resumir, se os dois se propuserem a, simultaneamente, produzir um livro, o de Carlito seria sobre teoria política. O de Leandro, não obrigatoriamente. Pode ser até que nos contemplasse com um romance policial, um ensaio sobre o amor ou sobre a palavra e a escrita.
Com isso quero dizer que, embora as prioridades intelectuais fossem objetivamente distintas, em benefício de um Carlito militante e de um Leandro diletante, na hora da convocação para a tarefa partidária, a certeza do cumprimento, até antes do prazo, ia para Leandro Konder.
E eu nisso tudo? Terminei funcionando como aqueles peixes menores que sobrevivem na sobra dos predadores maiores, em cujos cascos se protegem pela proximidade. Aprendi com eles. Explorei o que eles estudaram, sugando-os nos debates fraternos que nós promovemos.
Agora que se foram, confesso me sentir meio isolado. E com uma imensa saudade.
Milton Temer é jornalista político, ex-deputado federal (PT-RJ) e fundador do PSOL.