Valério Arcary
Há mais de um ano Lula está preso em Curitiba. A liberdade dele será conquistada nas ruas, não nos tribunais. Não há perspectiva de que uma decisão judicial, em prazo previsível, venha sequer beneficiá-lo com prisão domiciliar.
Claro que, circunstancialmente, porque há desarticulação e confusão dentro do governo, e divergência entre o governo e o Congresso, e entre ambos e o Judiciário, não podemos descartar que, em algum momento, haja autorização de prisão do miciliar, pois o mais decisivo é que Lula permaneça sem direitos políticos. Ele nas ruas apelando à mobilização popular contra o governo Bolsonaro seria intolerável.
Enquanto não acontecer uma inversão profunda da relação social de forças, ou seja, uma nova situação política, Lula continuará preso. Enquanto a resistência à destruição do direito à aposentadoria contra a reforma da Previdência, de defesa das verbas para a educação pública contra o corte para as Universidades e Institutos Federais; de proteção da população pobre e negra contra a violência policial; de garantia dos indígenas à demarcação das terras contra a invasão dos latifundiários; de regulação do uso de agrotóxicos contra o agronegócio; de limitação da atividade das mineradoras para impedir novas catástrofes como em Mariana e Brumadinho; e tantas outras, não ganharem volume, intensidade e radicalidade, Lula vai continuar preso.
Enquanto não explodir mobilização de massas na escala de milhões de trabalhadores e jovens nas ruas, Lula vai continuar preso. O centro da tática para conquistar Lula Livre é impulsionar, incansavelmente, essas lutas. As ruas libertarão Lula. A Justiça só concederá a liberdade quando estiver encurralada pela pressão popular.
Sem ilusões
O cenário da luta jurídica da defesa legal de Lula não é favorável. Qualquer ilusão de que o destino da luta pela liberdade de Lula será resolvido no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou no Supremo Tribunal Federal (STF) é autoengano. Não será. Embora não seja impossível que alguns ministros, individualmente, venham a se posicionar de forma crítica diante de alguma das muitas arbitrariedades do processo conduzido por Sérgio Moro, uma decisão colegiada favorável a Lula é improvável, na atual conjuntura.
A classe dominante brasileira, ainda que parcialmente dividida, apoia, em sua maioria, a operação Lava Jato. O maior símbolo político da Lava Jato é a prisão de Lula. O projeto do governo Bolsonaro, e o arco de alianças políticas que lhe oferece sustentação, tem como estratégia uma agressiva ofensiva contra os direitos econômico-sociais da classe trabalhadora e do povo. Todas as organizações da classe trabalhadora, todos os movimentos sociais, sejam sindicais ou populares, de negros ou mulheres, da juventude ou LGBTs, indígenas ou ambientalistas estão ameaçadas.
O PSOL foi oposição de esquerda aos governos do PT. Discordou, energicamente, durante mais de doze anos, com o programa da coalizão articulada por Lula e Dilma Rousseff para preservar a governabilidade, cedendo às exigências da classe dominante e dos partidos que a representam no Congresso Nacional. O PSOL nasceu de uma ruptura com o PT porque não concordava com essa orientação estratégica. Esse combate foi conduzido, honestamente, nas ruas e no Congresso.
Concessões perigosas
O PSOL denunciou, incontáveis vezes, as concessões feitas em perigosas negociações entre os governos de coalizão liderados pelo PT, e as maiores corporações capitalistas, inclusive o financiamento eleitoral. O PSOL criticou a impotência do PT diante de seu próprio governo. Nem o PT, nem o governo em que tinha a presidência ousaram apelar, seriamente, à mobilização social dos trabalhadores, nem mesmo quando o golpe do impeachment se precipitou no início de 2016.
Mas essa localização frontal não impediu o PSOL de integrar o Comitê Nacional da campanha Lula Livre. Essa posição decorre da conclusão de que os julgamentos em Curitiba e no TRF-4, em Porto Alegre, que condenaram Lula, foram insustentáveis, porque violaram o princípio democrático de presunção de inocência. Isso por três razões sumárias: (a) porque Lula não comprou o apartamento no Guarujá; (b) porque a única prova da acusação de corrupção foi uma delação premiada que beneficiou o delator sendo tudo somente ilações; e (c) porque o ônus da prova deve ser sempre da acusação, não do acusado.
O PSOL já tinha se posicionado contra o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e o considerou um golpe jurídico parlamentar, portanto, uma violação da Constituição.
A operação política reacionária que começou com a investigação da Lava Jato, em 2014, passou pelas mobilizações de 2015/16 que abriram o caminho para a derrubada do governo do PT, levou ao Mesmo que a defesa de Lula Livre fosse ultraminoritária, o que não é, porque pelo menos metade da população se posiciona contra a prisão dele, sendo uma causa justa estaríamos comprometidos com ela. Claro que na classe média a defesa de Lula Livre permanece, por enquanto, minoritária. Contudo, ceder às pressões da classe média não pode ser a bússola da esquerda. Uma esquerda que não tenha coragem de lutar em condições de minoria não poderá nunca vencer.
Centro da tática
Dessa conclusão não decorre que a campanha Lula Livre deva ser o eixo central da agitação da esquerda. Não pode ser. O centro da tática é a luta de resistência contra o governo Bolsonaro.
Mais grave, todavia, é que uma parcela do povo de esquerda concluiu, equivocadamente, que não é correto defender a liberdade de Lula, mesmo como exigência subordinada à luta central contra Bolsonaro. Equivocadamente, por quê
Argumenta-se que, se o PT esteve envolvido em corrupção, então Lula não pode ser inocente, pelo lugar que ocupava na direção. É verdade que a direção do PT esteve envolvida em crimes de caixa dois eleitoral. Aliás, admitiram ter sido financiados, ilegalmente. É verdade que alguns líderes do PT foram, pessoalmente, corrompidos. Abocanharam propinas, enriqueceram e confessaram em troca dos benefícios das delações premiadas.
Ainda que tudo seja verdade, nada disso legitima a prisão de Lula. Ele não está preso porque o PT foi financiado, eleitoralmente, pelas empreiteiras, mas por um crime que não cometeu, em função de uma estratégia política que teve como resultado a eleição de Bolsonaro.
A defesa da campanha Lula Livre não diminui o PSOL, ao contrário, o fortalece. Na verdade, é exemplar. Ficará registrada na história, para aqueles que vierem depois de nós, pois o PSOL teve a coragem de ser oposição de esquerda, firme e valente, ao governo do PT, quando Lula era a liderança mais popular e poderosa do país. Mas teve a grandeza de defendê-lo, mesmo mantendo diferenças programáticas irreconciliáveis, quando a classe dominante e seus agentes políticos o escorraçaram e o humilharam na prisão.