Por Neiva I. Lazzarotto
Em seis meses de pandemia, o Brasil perdeu mais de 130 mil vidas. Além da crise econômica, mães, pais, avós, professores, funcionários, direções de escolas e estudantes sofrem com aulas remotas virtuais e a pressão de governos e empresários pelo retorno às aulas presenciais.
O isolamento social alterou a rotina familiar e o comportamento de crianças e adolescentes. Familiares e especialistas relatam que crianças apresentaram mudanças de humor, sono e apetite; tristeza, ansiedade, agressividade, depressão; atrasos na fala e no desenvolvimento; impaciência e irritação com as aulas on line.
Os adolescentes, considerados um “grupo de altíssimo grau de sofrimento”, pois se preparam para a busca de “outros de referência”, sentem esse momento como altamente violento. Pesquisa do Conjune (jun/20) com jovens de 15 a 19 anos apontou que, para 49% de 33.688 respondentes, o lado emocional tem atrapalhado os estudos em casa. Um total de 75% se sentem tristes, ansiosos ou irritados (Datafolha). E não há Ministro da Saúde, mas a política genocida do governo Bolsonaro e da burguesia.
Bilhões de afetados
A suspensão das aulas afetou 1,6 bilhão de estudantes e 63 milhões de professores primários e secundários, no planeta (Unesco). No Brasil, entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação básica e superior, 19,5 milhões (35%) tiveram as aulas suspensas e 32,4 milhões (58%) passaram a ter aulas remotas. Sobre acesso à internet, o estudo TIC Domicílios revelou que 129 milhões de pessoas estavam conectadas, mas mais de 70 milhões (56%) o fazem apenas pelo celular. Na Classe A são 12%, nas Classes D e E saltam para 85%. Entre 10 e 15 anos, 63% usam apenas o celular para acessar a internet.
Dos professores, têm-se depoimentos sobre limitações tecnológicas, esforços de superação para atender estudantes por aulas remotas, trabalho dobrado para um alcance tão limitado, aos estudantes; frustração, ansiedade e depressão, e, raros casos, de momentos de felicidade. Não há apoio e estrutura garantida pelo ministério e secretarias de Educação. E quando há plataformas, suporte tecnológico ou pedagógico, são provenientes de negócios com gigantes do mundo digital (Google, Facebook, etc.) ou instituições privadas, desprezando a alta tecnologia e especialistas de nossas universidades públicas e institutos federais, centros de tecnologia estaduais ou municipais. Cenário que nos remete a Darcy Ribeiro: “A crise da educação não é crise, é projeto” e, que neste momento, é o projeto obscurantista, negacionista e privatista de Bolsonaro – avalizado pela elite brasileira gananciosa, racista, machista e nada nacionalista.
Sem sinal
Antes de tratar da volta às aulas e do destino do ano letivo, vale lembrar cenas que marcarão 2020, como as dos meninos do interior do RS e do ES cujos pais construíram “tendas” de plástico e galhos de árvores, no meio da roça, para alcançar o sinal da internet. Estudantes ouvindo aulas pelo rádio e copiando lições no caderno, sobre banquinhos de madeira. Professores entregando livros e material didático em palafitas ou comunidades longínquas do norte do país, de barco. Enquanto isso, “os especialistas” do Unibanco, Itaú Social ou da Fundação Lemman, dominam os noticiários. É a luta de classes na educação!
Neste momento, em que o tema da volta às aulas é pauta nacional, mães e pais têm declarado: “O ano letivo se recupera, a vida de meu filho não!”. “Eu não quero que a minha filha volte às aulas presenciais, neste ano.”, “Meus filhos não voltam, até ter vacina”.
Nós temos o desafio de criar um amplo movimento nacional de resistência à volta às aulas presenciais, “Pela vida”, a exemplo do Fundeb. Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação disse à Globo News (13/09) “A quarentena da educação foi fundamental para a preservação da vida; foi a única que deu certo. “Precisamos discutir não apenas protocolos de saúde, mas também protocolos pedagógicos”. E infectologistas como Pedro Hallal, reitor da UFPEL e coordenador do maior estudo epidemiológico sobre a Covid-19 afirmou: “Nós decidimos por aulas presenciais só no ano que vem”.
Todos nós que temos compromisso com o projeto de uma Nação soberana e com justiça social, precisamos nos mobilizar por “saídas” para a superação da pandemia e da profunda recessão econômica, com tendência à depressão, mais desemprego, fome, doenças. Nosso desafio é lutar por uma renda justa para as famílias; por ampliação dos investimentos em serviços públicos; por uma mudança radical na Educação pública, com drástica redução do número de estudantes por sala de aula e redução da jornada de trabalho dos educadores, escola de tempo integral; por elevação de investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia; ou seja, por um padrão mínimo de qualidade na educação pública, como o existente em países altamente desenvolvidos e com preocupação social, como a Finlândia.
Neiva Lazarotto é Vice-Diretora de Escola Pública Estadual em Porto Alegre (RS), integra a Executiva Estadual do PSOL-RS.