Marcelo Gomes da Silva: este é o nome de um jovem brasileiro de 18 anos, morador de Massachusetts. No dia 31 de maio, Marcelo foi preso por engano por agentes federais de imigração, enquanto se dirigia a uma partida de vôlei na escola. Os policiais buscavam o pai dele, mas detiveram o menino porque ele dirigia o carro da família.
A prisão de Marcelo ocorreu um dia antes da sua formatura no Ensino Médio. Marcelo faria parte da banda da escola tocando bateria, mas não pôde ir ao evento. O brasileiro foi posto em liberdade só seis dias depois, por ordem judicial. Durante a prisão, dividiu cela com dezenas de detentos, nenhum dos quais na sua faixa etária.
A evidente ilegalidade e brutalidade da medida causou comoção. A cerimônia de formatura da turma de Marcelo transformou-se em um ato de desagravo a ele. O diretor da escola declarou que havia “medo e ansiedade onde deveria haver esperança e confiança”, e que a comunidade escolar não iria agir como se “tudo estivesse bem”. Dezenas de estudantes, colegas de Marcelo, fizeram protestos na cidade de Milford, até o amigo ser solto. No Brasil, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) denunciou a ocorrência e solicitou ao governo federal brasileiro uma intervenção urgente.
Ao sair da prisão, Marcelo foi festejado nas ruas pelos colegas e concedeu um depoimento comovente à imprensa. Ele defendeu o seu pai, dizendo: “Se você quiser falar do meu pai, você tem que falar de mim, porque ele me criou. Ele nunca fez nada de errado e não merece ser perseguido.” Já sobre seu status imigratório, disse: “Eu não tenho conhecimento específico sobre o status do meu visto, porque eu vim ao país quando eu tinha 6 anos. Quando eu fui detido, me disseram: ‘Você sabe por que você está sendo preso? Você extrapolou o prazo do seu visto.’ E eu respondi: ‘Senhora, eu tinha 7 anos de idade [quando isso aconteceu]. Eu não tinha condições de saber como isso funciona.”
A repressão à imigração e as respostas dos movimentos sociais
O caso de Marcelo joga luz a uma situação vivida por milhões de imigrantes, que estão no centro do alvo da política repressiva do governo Trump. É preciso observar que a repressão à imigração constitui um projeto, ao mesmo tempo, racista e de intimidação do conjunto da classe trabalhadora. Esse projeto é a marca registrada da extrema direita em escala global.
Entre cerca de 340 milhões de habitantes, os Estados Unidos possuem mais de 50 milhões de imigrantes, ou seja, 15% do país. Deles, aproximadamente 14 milhões são indocumentados. 19,7% da força de trabalho nacional é composta por trabalhadores nascidos no exterior, incluindo quase 5% com status ilegal (8 milhões de trabalhadores). Em setores como agricultura e construção civil, trabalhadores indocumentados representam 17% e 13% da força de trabalho, respectivamente. Em situação legal ou ilegal, os imigrantes representam uma massa de trabalhadores ocupando postos de trabalho menos valorizados, ávida por ascender socialmente, enquanto presta serviços essenciais à reprodução do capitalismo na maior potência do mundo.
O desrespeito aos direitos humanos, as prisões e deportações aconteceram também no governo Biden. Com Trump, porém, há uma evidente intenção de escalonar essa política para uma escala “industrial”, o que é característico da orientação fascistizante. Para isso, o governo testa novos precedentes e executa atos exemplares em busca de intimidar as forças democráticas no país.
Foi assim que, recentemente, Trump recebeu autorização judicial para revogar o status legal temporário de mais de meio milhão de refugiados de Venezuela, Haiti, Cuba, Afeganistão, Camarões e Nicarágua. Meses atrás, o presidente invocou a Lei dos Inimigos Estrangeiros, criada no século XVIII, para deportar imigrantes para El Salvador. Seu governo prende e ameaça deportar inimigos políticos, como estudantes que se mobilizaram em defesa da Palestina. Tem-se tornado lugar comum, no país, agentes de Estado agirem à paisana e encapuzados, prendendo e intimidando imigrantes. Até mesmo o prefeito da cidade de Newark foi preso semanas atrás, após protestar contra a detenção de imigrantes em um centro de detenção federal localizado na cidade que administra.
Tamanha truculência entra em choque com a cultura democrática enraizada em camadas da sociedade estadunidense. Em todo o país — sobretudo, nos centros metropolitanos —, maiorias sociais vivem há anos integradas à diversidade sociocultural da imigração, e não estão dispostas a abrir mão disso. No seio da classe trabalhadora, sindicatos e movimentos sociais incorporam a defesa dos imigrantes em suas pautas e lutas.
Assim, a extrema direita não obtém hegemonia ideológica. Os protestos pela liberdade de Mahmoud Khalil não cessam. A cada medida atroz de Trump, há uma resposta. Na semana passada, finalmente Armando Abrego Garcia — imigrante enviado comprovadamente por engano para El Salvador — foi repatriado, após várias mobilizações em torno do caso. Por outro lado, o governo terá uma importante vitória caso aprove o orçamento de 2026, que deve estruturar a expansão da máquina repressiva.
Los Angeles se levanta
Diante do autoritarismo, é fundamental estar atento às brechas para mobilizações mais amplas — e uma delas está em curso agora, em Los Angeles. Após o início de uma megaoperação para prender imigrantes em locais de trabalho na última sexta (6), a cidade foi tomada por protestos de vanguarda, que chegaram a reunir centenas de pessoas em frente ao Metropolitan Detention Center, prisão gerida pelo governo federal. A resposta do governo, no sábado, foi redobrar a truculência, invocando tropas da Guarda Nacional para parar as manifestações, algo inédito, a mando presidencial, desde 1965. Em reação imediata, mais de 10 mil pessoas foram às ruas protestar no domingo. O final de semana terminou com dezenas de conflitos e barricadas na cidade, que se encontra conflagrada.
A situação é claramente explosiva, e a chave para derrotar o governo será a capacidade do movimento se massificar e obter solidariedade em âmbito nacional. Deve-se observar que o condado de Los Angeles é intensamente multiétnico, com cerca de 10% da sua população constituída por imigrantes indocumentados. Por seu turno, a partir de Los Angeles — que é a segunda maior cidade do país —, o governo pretende inaugurar uma nova fase de repressão aos imigrantes, baseada em incursões em locais de trabalho e até em comunidades escolares. Tom Homan, o “czar das fronteiras” de Trump, declarou orgulhosamente a prisão de uma média de 2 mil imigrantes por dia no decorrer da última semana, quase o quádruplo do ritmo anterior.
Os protestos em Los Angeles mostram que existe uma indignação latente no país, que pode irromper diante de fatos políticos. É papel da esquerda e dos movimentos sociais estarem atentos, considerando que respostas sociais vão surgir, ainda que o período seja defensivo. Diante de um governo autoritário e que enfrenta defecções internas (como a mais recente de Elon Musk), é necessário apostar que as ruas podem cumprir o papel decisivo. Nelas, o apoio aos imigrantes é uma bandeira democrática essencial, uma linha divisória que define padrões elementares de humanidade. Amparar imigrantes e marchar ao lado deles é o mesmo que defender milhões de Marcelos Gomes da Silva.