Denise Lobato Genti
A proposta de emenda constitucional nº287/2016, a PEC da reforma da Previdência do governo Michel Temer, vai provocar uma piora significativa na vida das mulheres.
Não bastasse reduzir as aposentadorias de toda a sociedade (ficaram de fora do ataque apenas os que já se aposentaram ou os que, mesmo não aposentados, já preencheram as condições para se aposentar nas regras atuais), a proposta estabelece a idade mínima de aposentadoria em 65 anos e aumenta o tempo de contribuição (que passará de 15 para 25 anos), indiscriminadamente. Isso significará, para as mulheres que vivem nas zonas urbanas, cinco anos a mais de trabalho e, para as trabalhadoras rurais, dez anos além do tempo necessário, hoje, para atender ao requisito da idade mínima.
Mas, isso não é tudo. Depois de trabalharem por mais tempo, as mulheres terão direito de receber apenas 76% do valor da aposentadoria e nessa redução serão equiparadas aos homens. Para receber o valor integral, o tempo de contribuição agora exigido é de 49 anos!
Se, por exemplo, a trabalhadora rural começar sua labuta no campo aos 14 anos (70% das mulheres ocupadas da zona rural iniciam antes dos 15 anos), terá que permanecer trabalhando por 51 anos para conseguir se aposentar, com a renda de um salário-mínimo, aos 65 anos de idade. Cumprir esse tempo é algo improvável de se imaginar, sabendo-se que a trabalhadora do campo está submetida a rotinas pesadas que interferem na saúde, limitando o tempo de sua capacidade produtiva e encurtando sua expectativa de vida.
Mas, o pacote de crueldades não acaba aí. A idade mínima é móvel. Será elevada em um ano sempre que a expectativa de vida dos brasileiros, calculada pelo IBGE, aumentar em um ano completo. Daqui a cinco anos poderá ser 66 anos, e assim por diante.
As duras regras propostas pela reforma de Temer objetivam eliminar a diferenciação concedida às mulheres nos tempos de contribuição e idade de aposentadoria existente hoje. Mulheres, na regra atual, podem se aposentar aos 60 anos de idade e 15 anos de contribuição. As trabalhadoras rurais podem se aposentar aos 55 anos, porque sua atividade é considerada penosa. Se a reforma for aprovada, tudo será igualado às condições exigidas dos homens urbanos (65 anos de idade e 25 anos de contribuição).
O argumento básico dos reformadores é que a diferença entre homens e mulheres já foram eliminadas e o excesso de “generosidade” do passado não se justifica mais no século XXI, porque as mulheres estão mais escolarizadas e se empoderaram. Além disso, dizem eles, a expectativa de vida das mulheres é superior à dos homens e elas passam um longo período recebendo benefício sem ter contribuído o suficiente para fazerem jus a essa renda.
Sem dúvida, uma das mais evidentes características da reforma da Previdência do governo de Temer é o claro desconhecimento (ou a completa indiferença) sobre as estatísticas do mercado de trabalho no Brasil. Os formuladores da reforma desconsideram as condições desfavoráveis e discriminadoras enfrentadas pelas mulheres e a dupla jornada que realizam, ao acumularem empregos com afazeres domésticos e os cuidados com os filhos. Segundo dados da PNAD/IBGE de 2014, as mulheres ocupadas dedicavam, em média, 19,2 horas por semana aos trabalhos domésticos e os homens, apenas 5,1 horas. Somando jornada de trabalho e afazeres domésticos, as mulheres trabalhavam 54,7 horas semanais, enquanto os homens trabalhavam 46,7 horas, numa diferença de oito horas adicionais a cada semana. Uma mulher ocupada com mais de 16 anos trabalhava, em média, quase 73 dias a mais que um homem em um ano.
Se as novas regras da Previdência forem aprovadas e, se for levado em conta que a idade média de entrada no mercado de trabalho das mulheres é 17 anos, quando elas chegarem à idade mínima exigida para se aposentarem (65 anos) terão trabalhado 9,6 anos a mais que os homens. Ou seja, os formuladores da reforma da Previdência do governo Temer estão querendo punir as mulheres por trabalharem mais, elevarem o nível de escolaridade a cada ano e viverem mais!
As estatísticas que o governo insiste em ignorar vão além. Informam que as mulheres, apesar de trabalharem mais que os homens, ganham muito menos. A jornada de trabalho remunerado das mulheres era inferior à dos homens (35,5 horas semanais e 41,6 horas, respectivamente). Mesmo quando mais escolarizadas (12 anos ou mais de instrução), as mulheres tinham rendimento médio mensal menor (R$ 1.250) que o dos homens (R$ 1.800). Em outras palavras, as mulheres ganham salários 31% menores, em média. Essa situação, em 2014, não era muito melhor do que em 2004, quando as mulheres ganhavam 37% menos que os homens. Não importa que busquem e alcancem maior escolarização. O mercado continua punindo as mulheres pagando menos a elas.
As desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho fraom descartadas com alto grau de discriminação e desprezo pelos mentores da proposta de reforma da Previdência. Quando as mulheres buscam trabalho, têm maiores dificuldades do que os homens de encontrar um emprego. Segundo a PNAD/IBGE de 2014, a taxa de desemprego entre as mulheres era superior à dos homens (8,7% contra 5,2%). Quando conseguem emprego, suas ocupações são mais precárias, de tempo parcial, geralmente na informalidade, com remunerações mais baixas e enfrentando maior rotatividade. Essas desigualdades se explicam pela responsabilidade das mulheres com o trabalho doméstico, que as exclui do mercado por longos períodos, dificultando o acesso a empregos de qualidade em tempo integral e sacrificando sua escolaridade e seu crescimento profissional. Isso repercute ao longo da vida das mulheres, seja em seu sacrificado período produtivo, seja no período de inatividade.
Em decorrência dos piores rendimentos e de inserções mais precárias no mercado de trabalho, 48,3% dos benefícios previdenciários concedidos para mulheres são de até um salário-mínimo (e são 23,9%, no caso dos homens). A aposentadoria por idade é a modalidade mais acessada por elas, devido à dificuldade que têm para acumular 30 anos de contribuição e assim, se aposentarem por tempo de contribuição. Em 2014, 64,5% das aposentadorias concedidas para mulheres foram por idade (já para os homens foram apenas 36,1%).
Na Europa, homens e mulheres se aposentam com a mesma idade. Mas, é preciso levar em consideração que as reformas que aconteceram naquele continente se dirigiram para essa condição de igualdade de tratamento porque as mulheres passaram a dispor do apoio de creches e escolas públicas em tempo integral, as condições do mercado de trabalho favorecem a formalização e há maior equilíbrio nas remunerações. Adotar a equivalência de idade entre homens e mulheres no Brasil, com base em comparações internacionais discutíveis e em justificativas pautadas na necessidade de ajuste fiscal, é negar a necessidade de proteção social a uma parcela da população que convive, há séculos, com a violência, o sexismo e a desigualdade de gênero.
A demolição de direitos sociais que a reforma da Previdência vai provocar é algo sem precedentes para todos os brasileiros, mas será pior ainda para as mulheres. O governo Temer aposta na desinformação pública, na ausência de coesão social da classe trabalhadora e na paralisia dos movimentos sociais. Parece querer testar a força do feminismo no Brasil. Mas, pode estar cutucando a onça com vara curta. Ele que nos aguarde!