GOLPE antologia-manifesto conta com a participação de 120 artistas num uníssono #foratemer
“A poesia não é sobre o golpe. A poesia não é sob o golpe. A poesia não faz explicar o golpe. Não é para suportar o golpe. A poesia não é o bálsamo que conforta os pés queimados do golpe sobre as brasas apagadas da democracia”. O livro, cuja proposta beira a impossibilidade, considerando que o fato é tão horroroso que “não existe poesia que permita pensar o golpe”. Pois bem, a GOLPE reuniu 120 artistas que se desafiaram a criar em palavras e imagens uma antologia-manifesto num uníssono “Fora Temer!”.
A publicação reúne obras de pessoas que escrevem poesia, prosa, roteiro. Participaram também cineastas, cartunistas. A decisão de organizar a coletânea partiu de Ana Rüsche, Carla Kinzo, Lilian Aquino e Stefanni Marion, poetas, na convicção de que a arte é uma das mais intensas formas de expressão da resistência. Em um grito de repúdio ao governo interino em exercício, os textos foram escritos, em sua maioria, especialmente para a obra: são um manifesto contra o golpe.
A existência da publicação atesta um fenômeno bonito: a criação de uma rede em torno da urgência e na base da confiança. O processo editorial da GOLPE envolveu uma quantidade absurda de pessoas, boatos dizem que houve até mais gente que a produção do X-Men: Apocalipse. Formou-se uma rede de solidariedade amorosa e prestativa das mais diferentes formas. Imagina reunir 120 artistas! O capista, Rodrigo Sommer. A elaboração do projeto pelo Bloco Gráfico. Os olhares incansáveis da revisão pelas Ligia Ulian, Lilian Aquino e Mei Oliveira.
O convite era claro: a antologia iria se chamar GOLPE, assim, gritado, no escândalo do título em caixa alta. Quem participou, sabia a qual chamado respondia. As respostas ao convite de participação foram imediatas, emotivas. Histórias de artistas em lugares sem internet, procurando uma lanhouse com o pendrive em mãos, empunhando essa chave simbólica da pena maior que a espada, a caneta mais potente que o braço palavras e ideias, esses seres à prova de balas.
Houve ainda quem não conseguiu produzir. Poetas de larga trajetória e artistas com experiência que não conseguiram elaborar um texto até o final. Queriam participar, mas o bloqueio era grande. Se o golpe foi capaz de calar a mulher mais importante do país, como responder? O silêncio de tanta gente que lida com a palavra é sintomático. O silêncio não deixa de ser forma de resposta. O mesmo silêncio que traz ritmo a uma estrofe. O golpe é silenciamento.
“Não deixa de ser irônico que o presidente interino se diga poeta”, observa Adriano Almeida que participou da antologia, “e ainda poeta que usa mesóclise! Não dá nem para ler em voz alta”. A poesia de Temer reúne o que há de mais retrógrado na ideia de poesia, um tom bacharelesco de uma suposta alta cultura. Mário de Andrade, há um século, com seus trajes lindamente extravagantes, concordaria sorrindo.
Com prefácio pulsante de Marcia Tiburi, a antologia-manifesto dá voz à rua e para além da rua, já que extrapola fronteiras e une, com um único objetivo, textos de artistas que, mesmo com posições políticas diversas, são desfavoráveis ao atual cenário e lutam pela democracia. Não se trata, pois, de um manifesto a favor de um partido ou um governo específico, mas em defesa da nossa tão jovem e já ameaçada democracia. É afrontamento da arte que, nas palavras de Tiburi, tem “a poesia [como] o fora do texto para onde o texto olha a abrir com as armas perigosas da palavra a passagem para a vida revolucionária”.
A urgência do chamado pediu que a publicação fosse pensada para o ambiente virtual. Assim que foi solta no papel de luz, a antologia se espalhou no rastilho da indignação polvorosa. Até o fechamento deste texto, foram mais de 4 mil visualizações na plataforma Camaleo.
Participantes:
Adriano de almeida | ale safra | Alessa Menezes | Alessandra e verônica Cestac | Alexandre Willer melo | Alfredo Fresia | Ana Elisa ribeiro | Ana Estaregui | Ana rüsche | André Dahmer | André Vallias | Andréa Catrópa | Andrea Del Fuego | Anita Deak | Annita costa malufe | Beatriz Seigner | Bruna Beber | Bruno zeni | Caco Ishak | caco pontes | Caetano Gotardo | Caetano Grippo | Carla Kinzo | Carol Rodrigues | Charles Marlon | Claudinei Vieira | Claudio Daniel | Dan Nakagawa | Daniel Minchoni | Denise Bottmann | Denise Sintani | Siana de Hollanda | Diego carvalho Sá | Diego Vinhas | Dirceu Villa | Dony Correia | Edson cruz | Edson valente | Eduardo Lacerda | Elen Maria | Elvira Vigna | Eric Novello | Fabiana Faleiros | Flávio Caamana | Francesca Cricelli | Frederico Barbosa | Gabriela Amaral Almeida | Gregório Duvivier | Gustavo Nagib | Heitor Ferraz | Helena Ignez | Isabela Noronha | Jéssica Balbino | João Gomes | João Paulo Cuenca | Jr. Bellé | Julián Fuks | juliana Calderón | juliana Cordaro | Karine Kelley pereira | laerte | Leonardo costa | Leonardo Mathias | Letícia Novaes | Lilian Aquino | Lineker | Luana Vignon | Lubi Prates | Luiz Ruffalo | Luiza Romão | Maeve Jenkins | Maiara Gouveia | Maíra Mendes Galvão | Manoel Herzog | Manoel Quitério | Manu Maltez | Marcelino Freire | Marcelo Ariel | Márcia Denser | Marcia Tiburi | Marcílio Godoi | Marco Dutra | Marcos Gomes | Marcos Siscar | Maria clara Escobar | Maria Giulia Pinheiro | Mariano Marovatto | Mei Oliveira | Mel Duarte | Michele Santos | Micheliny Verunschk | Nicolas Behar | Noemi Jaffe | Odyr | Pádua Fernandes | Paula Fábrio | Paulo Ferraz | Pedro Tierra | Pedro Tostes | Priscila Gontijo | Rafael rocha Daud | Regina Azevedo | Renan Nuernberger | Renan Quinalha | Reynaldo Damásio | Ricardo Escudeiro | Ricardo lisas | Ronaldo Bressane | Sheyla Smanioto | Shiko | Steffani Marion | Tarso de Melo | Tatá Aeroplano | Tatiana Salem Levy | Thelma Guedes | Thiago Mattos | Tony Monti | Tula Pilar | Vanderly Mendonça | Verônica Steiger
Título: GOLPE antologia-manifesto
Organização: Ana Rüsche, Carla Kinzo, Lilian Aquino e Stefanni Marion
São Paulo: Punks Pôneis, 2016, 366 p.