‘’Saudado como a grande novidade do continente em 2015, Maurício Macri deixa como legado um desastre econômico e social de grandes proporções. É difícil falar em nova onda continental, mas a vitória peronista no país vizinho mostra que a segunda onda neoliberal no continente vive crescentes questionamentos populares’’
Monique Lemos
No último dia 27 de outubro, a Argentina elegeu um novo presidente, Alberto Fernandez. Junto com ele e a ex-presidente Cristina F. Kirchner, um grupo de políticos de diversas correntes ideológicas formaram uma coalizão política nomeada Frente de Todos. Desde a criação no início deste ano, a frente chama atenção por coexistir junto a peronistas tradicionais, peronistas modernos, representantes de uma juventude ligada ao radicalismo e outra ligada à militância de base. O objetivo dessa nova coalizão (segundo os discursos dos próprios integrantes) será reconstruir a política econômica argentina e motivar o desenvolvimento social abandonado pelo governo de Maurício Macri. O slogan principal será: Argentina de pé! A partir do final da tarde do dia das eleições, no bairro de Chacarita, um dos mais tradicionais da cidade, milhares de pessoas se reuniram para esperar os resultados do primeiro turno. A expectativa era de que a fórmula Fernandez-Fernandez ganhasse com mais de 10 pontos de diferença. Não obstante, conseguiram alcançar uma diferença de 8 pontos, uma surpresa para os presentes, mas ainda sim uma grande vitória. A campanha Sim, podemos, do macrismo, conquistou mais votos do que se imaginava durante as semanas anteriores à eleição. Dois de seus principais gritos foram: “Macri vai virar” e “Que Cristina seja presa”. Uma mistura de ataque pessoal e frases de estilo coach motivacional, grande marca do estilo macrista.
Abismo econômico-social
Mesmo com a surpresa dos números finais (48,24% contra 40,28%), na rua se escutavam os cantos peronistas (nome dado aos seguidores do ex-presidente Juan Dominguez Perón), os gritos enfáticos dos camporistas (integrantes e admiradores do grupo de jovens militantes La campora, liderado por Máximo Kirchner, filho da vice-presidente eleita) e kirchneristas albertistas em geral. De um lado argentinos, argentinas e migrantes receberam a notícia de que Alberto e Cristina iriam governar o país pelos próximos quatro anos e, de outro, Mauricio Macri aceitava a derrota com um discurso disposto em ajudar a que nova fórmula chegue ao poder com condições básicas para governar e tirar o país do abismo econômico-social legado pelo governo Macri. Para o mundo progressista, esquerdista ou mesmo o mundo dos pequenos comerciantes, operários, pobres, migrantes e de dissidências, a vitória da Frente de Todos foi um alívio e um sopro de esperança política. O novo governo deve renegociar a maior dívida externa adquirida com o FMI na história do país. O total soma 47% do que o Fundo tem emprestado atualmente a diversos países. Enfrentar o aumento significativo da pobreza e da taxa de desemprego nos últimos 30 meses; estabilizar uma inflação anual que chega a mais de 40%; e transformar uma economia dolarizada e pouco confiável em uma economia com políticas que tendem ao mercado interno.
Recuperação econômica
Especula-se que os planos de resgate econômico e social de Alberto Fernandez começarão atendendo as pequenas indústrias que fecharam as portas nos últimos dois anos devido ao aumento nas contas de luz, gás e água. A estratégia política também deverá se centrar em conseguir um plano de renegociação da dívida externa e, por último, um consenso sindical múltiplo com todos os setores que coincidam em ativar planos de aumento e reajuste salarial para aliviar os trabalhadores (o salário mínimo em diversos segmentos está 20% mais baixo em relação ao impacto inflacionário nos bens de consumo básico). É necessário que a medida não sobrecarregue a receita pública já gravemente comprometida. A política argentina entra em um processo importante de retomada de credibilidades. É necessário que Alberto e Cristina coloquem em prática o que eles mesmos chamam de “pacto social” junto a todos os setores políticos e sociais para recuperar o poder de compra e consumo dos trabalhadores e, principalmente, diminuir o índice de pobreza para pessoas em situação de emergência que não chegam a consumir mais de uma refeição por dia.
Giro político continental
A vitória de Alberto Fernandez não é só uma esperança política para a Argentina, também é um giro político importante em todo o continente. As manifestações contínuas no Chile, o golpe na Bolívia, as denúncias contra Jair Bolsonaro e a ditadura miliciana são claros alertas aos latino-americanos de que os governos neoliberais e com tendências a direita, não atendem as demandas e idiossincrasias dos seus países. Não possuem e não desenvolveram ferramentas de leitura da realidade que se manifestem em políticas públicas que atendam aos setores mais vulneráveis. Os governos continuam sendo para poucos e para os seus.
A política argentina entra em um processo importante de retomada de credibilidades. É necessário que Alberto e Cristina coloquem em prática o que eles mesmos chamam de “pacto social” junto a todos os setores políticos e sociais para recuperar o poder de compra e consumo dos trabalhadores e principalmente, diminuir os índices de pobreza.