O Brasil fechou 2022 com uma profunda divisão na sociedade. De um lado, o Brasil da “União e Reconstrução”. De outro, o Brasil raivoso de uma extrema direita que demonstrou sua capacidade de organização e mobilização no 8 de janeiro de 2023. Não há tempo e nem espaço para neutralidade. O cenário encontrado para os que sonham em transformar o mundo é desolador e os desafios são imensos. Cabe agora analisar a conjuntura e organizar a reconstrução do Brasil.
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,9% no ano passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que a priori poderia soar como uma boa notícia, na verdade, esconde uma desaceleração econômica se olharmos não apenas a fotografia, mas o vídeo todo, principalmente pela contração no último trimestre. Em 2021, o PIB havia registrado crescimento de 5%.
Quando observada pela ótica da oferta, verifica-se crescimentos em Serviços (4,2%) e na Indústria (1,6%) e queda na Agropecuária (-1,7%). No entanto, houve perda de vigor da economia ao longo do ano, com forte recuo do nível de atividade no final de 2022. No quarto trimestre de 2022, o PIB registrou queda de 0,2% na margem (comparado ao último trimestre imediatamente) e desaceleração de 3,6% para 1,9% na comparação com mesmo trimestre do ano anterior. Pela ótica da demanda, observou-se alta de 0,3% no consumo das famílias e no consumo do governo e retração de 1,1% na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). As exportações avançaram 3,5%, enquanto as importações caíram 1,9%.
A desaceleração acentuada do ritmo do crescimento da economia em 2022, com queda já observada no último trimestre, é resultado também de uma menor liquidez internacional e do ciclo contracionista da política monetária. O aumento dos juros somado à inadimplência crescente dificultou a tomada de crédito e os investimentos produtivos, levando à retração da atividade industrial e da FBCF. Esse cenário foi parcialmente contrabalanceado pelo setor de serviços, estimulado por reajustes nos valores do programa de transferência de renda, no caso, o Auxílio Emergencial – evidenciando que políticas de transferência de renda têm alto efeito multiplicador na economia -, pela liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e pelo crescimento da massa salarial ao longo do ano. O crescimento das exportações, repercutindo principalmente o aumento nos preços das commodities, também colaborou positivamente.
O nível de endividamento das famílias não permite que tenhamos uma retomada econômica apenas disponibilizando mais crédito e que não passe também por uma reorganização das dívidas das famílias, como proposto pelo pacote econômico do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Nesse sentido, operar bancos públicos de acesso ao povo junto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fomentar o investimento e a criação de formação bruta de capital fixo a fim de impulsionar a demanda interna brasileira será crucial e desafiador diante de um mercado financeiro melindrado.
Dentro dos instrumentos à disposição do Estado para condução da economia e transformação da sociedade há as políticas fiscal, monetária e cambial. A política fiscal é tida como uma das mais importantes pela capacidade de condução da economia e crescimento da demanda. Nesse sentido, o atual governo aprovou ainda no período de transição a Emenda Constitucional 126/2022, a chamada “PEC da Transição”, que definiu dentre outras coisas a regra do teto de gastos criada pela EC 95/2016 será substituída por um novo arcabouço de regras fiscais, por meio de envio de Projeto de Lei Complementar (PLC) ao Congresso Nacional até agosto de 2023.
Como colocado por Borges, Resende e Pires, “o novo arcabouço fiscal deverá, por um lado, preencher a lacuna dos dispositivos que serão revogados e, por outro lado, ser coerente com os dispositivos mantidos na legislação vigente”.
Sem um novo arcabouço fiscal não será possível dar a dinâmica necessária que o Brasil precisa para recuperar a atração de investimentos a partir do crescimento da demanda interna. Infelizmente foram anos de destruição e é muito mais fácil destruir do que construir ou reconstruir. A boa notícia é que passamos pelo pior e qualquer mínimo investimento do governo federal em educação, saúde, construção civil – com a retomada do Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo -, e políticas de transferência de renda têm efeito multiplicador alto, gerando maior arrecadação futura. Para além dos efeitos capazes de serem mensurados, o projeto de União e Reconstrução do Brasil precisa dar certo para retirar o Brasil do mapa da fome e nos devolver a capacidade de sonhar.
Camila de Caso Mestranda em desenvolvimento econômico pela Unicamp