Cid Benjamin
Filiado ao PSOL desde setembro de 2015, Glauber Braga é o atual líder do partido na Câmara dos Deputados. Ele veio do PSB, legenda pela qual foi eleito, e que deixou em 2015. Sua integração no PSOL foi imediata. “Eu já votava sempre com a bancada do partido”, explica ele.
Glauber é um tipo raro na política. Tem sua base eleitoral no interior, em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, onde nasceu, mas é um deputado “de opinião”, da quele tipo que busca votos com propostas e ideias, e não com favores aos eleitores.
Ele se tornou quase uma celebridade nacional na votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, quando, de dedo em riste para o então presidente da Câmara disparou, com direito a transmissão em cadeia nacional: “Eduardo Cunha, você é um gângster”. Ali, Glauber verbalizou o que milhões de brasileiros gostariam de dizer a Cunha.
Para a entrevista à SOCIALISMO e LIBERDADE, no início da tarde de uma segunda-feira de calor, Glauber chegou
correndo, suado. Veio de uma “roda de conversa” no Largo da Carioca, no Centro do Rio. É uma atividade que consiste em conversar com pessoas na rua, usando um pequeno aparelho de som. Nela, o deputado dá informações sobre o que acontece na Câmara, presta contas de seu mandato e ouve as pessoas.
Depois da entrevista Glauber ainda teria uma reunião de debate político com filiados e simpatizantes do PSOL. No início da manhã do dia seguinte, viajaria a Brasília para retomar as atividades na Câmara
Entrevista = Glauber Braga
A ORIGEM
“Sou de uma família que ajudou a construir o PDT no Estado do Rio. A primeira memória que tenho de uma campanha eleitoral é a do Darcy Ribeiro para governador, em 1986. Depois fiz um intercâmbio e passei um tempo na Espanha, na casa de uma revolucionária espanhola, militante antifranquista. De volta ao Brasil, quando tinha em torno de 18 anos de idade, me filiei ao PSB. Em 2006, com 23 para 24 anos me candidatei a deputado federal. Tive 51.259 votos e fiquei como primeiro suplente, tendo assumido o mandato faltando um ano e três meses para seu encerramento. Já tinha tido uma experiência como secretário de governo na prefeitura de Friburgo. Já no primeiro mês como deputado, ainda no recesso parlamentar, comecei a fazer audiências públicas na Praça Demerval Barbosa Moreira de Friburgo, prática que mantenho até hoje. Em 2010 fui reeleito.”
A OPÇÃO PELO PSOL
“O PSOL é um partido que integra o debate com a militância e o trabalho no parlamento, a formulação política com a prática. Isso não acontece em outras legendas. No PSB a discussão política profunda morreu. Já no PSOL os parlamentares são, antes de tudo, militantes. O meu primeiro contato com o PSOL se deu na relação com a sua bancada na Câmara de Deputados, em que eu via posições sempre coerentes. Uma vez tendo ingressado no partido, essa impressão se confirmou.”
O CONSERVADORISMO NO BRASIL E O PT
“Já vi gente defendendo que a sociedade está mais conservadora, depois de 14 anos de governos do PT. Mas já vi também gente afirmando que o conservadorismo aparece como reação a movimentos que reivindicam direitos, nas mais diversas áreas. De qualquer forma, é inegável que há uma escalada conservadora, por exemplo, na representação institucional que hoje compõe o Congresso. E, aí, as políticas e as ações do governo Temer exercem papel fundamental. Mas, voltando ao PT, penso que a grande questão é que, quando o governo Lula tinha amplas condições de estabelecer uma relação direta com a sociedade e fazer reformas estruturais, deixou de fazer isso em nome da governabilidade, e se acomodando em índices de popularidade momentânea. Mas governabilidade deve servir para você aplicar seu programa. Não pode ser um fim por si só.”
“É inegável que nos 14 anos de PT no governo houve avanços que devem ser reconhecidos mesmo por partidos, como o PSOL, que fizeram oposição à esquerda a ele: a valorização do salário-mínimo, a criação de ministérios voltados para a agenda identitária, o maior número de jovens das periferias chegando às universidades, as cotas etc. Mas, essa agenda, que garantiu ganhos a quem estava no topo e na base da pirâmide, não é mais possível. Esse momento histórico não existe mais. Não há mais lugar para um governo que agrade a todo mundo. Isso se tornou inviável. Hoje vivemos a não-conciliação pela direita, a colocação em prática de um projeto que retira direitos da base da pirâmide para garantir mais ganhos ao topo.”
A ESQUERDA
“O primeiro desafio para nós, de esquerda, é a construção prática de um projeto que leve à ampliação dos direitos para os trabalhadores brasileiros. A reorganização da esquerda tem que se dar, em primeiro lugar, em torno à resistência aos ataques do governo Temer aos direitos dos trabalhadores: a reforma da Previdência, a reforma trabalhista o congelamento por 20 anos dos investimentos em saúde e educação. Para isso, temos que unir todos partidos ou movimentos que queiram resistir a esse projeto, tanto no plano institucional, como no não institucional. Isso tem que ser feito no parlamento e nas ruas. No caso das ruas, o melhor exemplo é o da Frente Povo Sem Medo, que unifica partidos, movimentos e entidades e tem feito um belo trabalho na mobilização dos trabalhadores contra esses ataques. É a partir dessa resistência aos ataques do governo Michel Temer que passos maiores para a esquerda serão preparados.”
O PAPEL DO PSOL NA REORGANIZAÇÃO DA ESQUERDA
“O PSOL é quem tem mais possibilidades de apresentar um projeto alternativo tanto ao projeto de conciliação implementado pelo PT, como a esse projeto de Temer, PSDB, PMDB e companhia, de ataque frontal aos direitos dos trabalhadores. Só quem pode fazer isso é quem não participou da implementação desses dois projetos. A tendência é que a cúpula do PT fique refém da defesa do legado dos 14 anos do partido no governo federal. Quem tem melhores condições para apresentar uma alternativa é o PSOL, dialogando com outros segmentos socialistas, progressistas e democráticos e tendo uma postura que facilite a articulação desse campo.”
A TRAMITAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA
“A maioria do Congresso brasileiro é muito reacionária. Mas isso não significa que na reforma da Previdência a direita vá ter as facilidades que teve para aprovar a PEC 55. É uma situação diferente. No Congresso já se vê o desconforto de parlamentares da base do governo. O próprio relator da matéria, Artur de Oliveira Maia, antes dizia que ia fazer todas as audiências públicas até o mês de março, mas hoje admite que vários pontos da proposta não terão maioria. Ele já está sentindo a pressão exercida pela sociedade. Quando até Moreira Franco diz que provavelmente o PMDB não fechará questão em relação a todos os pontos é porque está sentindo a rejeição das pessoas. Isso tudo me dá esperanças de que a reforma da Previdência possa ser um ponto de virada. É possível que, a partir dela, tenhamos ao nosso lado inclusive gente que não se mobilizou inicialmente contra o golpe.”
“Conto uma história. Alguns dias depois do impeachment da Dilma, eu estava caminhando na rua de uma cidade do interior e encontrei um senhor conhecido, que quase se recusou a me dar a mão. Falou comigo de cara amarrada. Eu disse: ‘Por respeito, vamos nos cumprimentar.’ Ele respondeu: ‘Vou te cumprimentar só por respeito.’ Pois há poucas semanas nos encontramos de novo. E ele tomou a iniciativa de vir falar comigo e pediu: ‘Pelo amor de Deus, não deixe que eles aprovem essa reforma da Previdência’. Por isso é fundamental que a gente tenha paciência e tente trazer para o nosso lado mesmo quem no primeiro momento não esteve conosco, mas que agora pode ter um papel fundamental para barrar esses ataques do governo Temer.”
“Vai ser fácil derrotar a reforma da Previdência? Não. Mas não é bravata dizer que é possível barrá-la. Ela é algo que as pessoas compreendem com mais facilidade do que a PEC 55. E a pressão das ruas pode inviabilizar sua aprovação. A gente no Congresso ouve dos parlamentares que eles estão sendo cobrados em seus estados. Quanto mais as pessoas se informam de que não há déficit da Seguridade Social e que o governo está trabalhando em cima de uma mentira, mais se revoltam ao ver que estão perdendo direitos básicos. A pressão sobre os parlamentares está crescendo e, quanto mais isso acontecer, mais dificuldades eles terão para aprovar essa reforma, que é, na verdade, um desmonte da Previdência pública.”
UM POSSÍVEL DESCARTE DE TEMER E A DEFESA DAS DIRETAS
“Não é impossível que Michel Temer seja descartado caso sejam aprovados os três pontos principais de seu programa a PEC 55, a reforma da Previdência e a reforma trabalhista. Aí, ele seria substituído por alguém eleito pelo Congresso. Já há um precedente desse tipo de comportamento. Eduardo Cunha foi usado para aprovar o impeachment e, depois, descartado. A acusação contra ele já estava no STF desde dezembro, mas só foi usada depois da votação do impeachment. É possível que façam isso, mas esse processo ainda não está em curso. De qualquer forma, alguém eleito por esse Congresso não seria coisa melhor do que Temer. E ele pode próprio poderia ser indicado. Por isso defendemos eleições diretas.”
“Só eleição direta poderia dar legitimidade a um novo presidente. De vez em quando se ouve: ‘Ah, mas quem votou na Dilma votou no Temer’. Só que ninguém votou nesse programa que está sendo aplicado pelo Temer o tal ‘Ponte para o futuro’. Ninguém votou nesse desmonte do Estado.”
A LAVA-JATO
‘’A partir do momento em que a operação investigasse cumplicidades entre o grande capital e mandatários, com o primeiro capturando a máquina do governo para seus interesses próprios, a Lava-Jato poderia jogar um papel importante. Mas a atuação seletiva e o desrespeito a direitos fundamentais, presentes nela, abrem precedentes que podem significar a retirada de direitos em cadeia, em especial para os mais pobres, que são sempre as grandes vítimas. Nenhum poder pode se sentir onipotente, como se pudesse fazer tudo.” “Então, desvendar a corrupção e gerar instrumentos do poder público para diminuí-la, é positivo. Utilizar uma operação com aparato judicial de forma seletiva e desrespeitando direitos e garantias fundamentais é negativo e perigoso.”
EDUARDO CUNHA
“Se eu manteria a afirmação de que ele é um gângster? Sem dúvida. E digo mais: é um gângster que continua com enorme influência nos destinos do governo Temer e no Congresso, operando de dentro da unidade prisional. Eu estenderia essa qualificação de gângsteres a outros congressistas. Cunha é a representação simbólica de todo um enorme grupo. Sua agenda é privatizante nas relações econômicas, conservadora nos costumes, reacionária nos direitos, autoritária na forma de agir e mercantil nas relações pessoais.”