Clemente Ganz Lúcio
O mundo do trabalho está sempre em mudança porque, ao longo da história, as transformações do sistema produtivo são permanentes e decorrem de inovações tecnológicas que abrem continuamente oportunidades de alterar a forma de trabalhar e produzir; porque as empresas querem ter mais vantagens na competição, buscam novos mercados e mais lucro; porque novos produtos e serviços são criados, entre outros motivos. Há situações históricas nas quais essas transformações são profundas e disruptivas em toda a estrutura, nos fluxos do sistema produtivo e na própria base do sistema econômico, contexto que a literatura denomina de requerem ter mais vantagens na competição, buscam novos mercados e mais lucro; porque novos produtos e serviços são criados, entre outros motivos. Há situações históricas nas quais essas transformações são profundas e disruptivas em toda a estrutura, nos fluxos do sistema produtivo e na própria base do sistema econômico, contexto que a literatura denomina de revolução industrial, e na qual novas tecnologias criam possibilidades inéditas para combinar capital e trabalho nos processos de produção. O que se destaca no tempo histórico presente é que a quarta revolução industrial se caracteriza por acelerar ainda mais a velocidade das transformações, estender e abranger todos os setores e atividades econômicas, ganhando intensidade e simultaneidade inéditas.
Inovação organização social
Máquinas e ferramentas, divisão social do trabalho, organização econômica, entre outros, são inteligência e trabalho humano materializados em coisas e em relações sociais. A inteligência humana não cessa de criar inovações que carregam transformações, aportam soluções e geram novos problemas. O período de uma revolução tecnológica processa um salto cognitivo que rompe com um paradigma produtivo, criando as bases de um novo paradigma. Vivemos essa experiência, muitas vezes imposta, de vários saltos disruptivos simultâneos em velocidade que difunde um sentimento de impermanência e de efemeridade. A impressão que se tem é a de que as respostas chegam sempre atrasadas, ou não estão sintonizadas com o novo padrão que ganha hegemonia, ou são adequadas a um mundo em declínio ou que desaparece.
Novas possibilidades de geração de energia solar e eólica, de comunicação sem cabeamento e em tempo real, e de meios de transporte abrem novas oportunidades de negócios, novas estratégias de localização das plantas e de coordenação mundial e regional da produção. Comunicação e inteligência artificial expandem os mais variados usos das tecnologias para todas as atividades em todos os setores da economia, criando ocupações de todos os tipos.
A transição da propriedade das empresas acelera mudanças na gestão, inclusive da força de trabalho. A lógica do ganho financeiro aplicada à gestão da empresa cria metas de curto prazo em termos de retorno aos acionistas, pressionando a redução do custo do trabalho e todas as formas espúrias de incremento da produtividade via precarização laboral. A privatização das empresas públicas também impacta os empregos e o sistema de relações de trabalho.
A pressão neoliberal para desregular as relações de trabalho, flexibilizar formas de contratação, jornada de trabalho e salários prevalece no desmonte do papel protetivo do Estado e nos ataques aos sindicatos, às negociações coletivas, enaltecendo a relação direta entre o patrão e o empregado. A desindustrialização precoce da economia elimina os melhores empregos e debilita uma dinâmica virtuosa de incremento da produtividade que deveria difundir inovação, ampliar bons empregos e fazer crescer os salários. O ataque às políticas públicas e aos trabalhadores do setor público afetam seus empregos.
Há também mudanças culturais fundamentais no sentido da igualdade entre homens e mulheres, na forma de exercer a liberdade aplicada em diferentes escolhas para a vida, na forma como as pessoas se inserem na economia, no acesso e circulação das informações e do conhecimento. A expectativa de vida aumenta e ocorre a queda da taxa de natalidade. Tudo isso impacta a organização da sociedade e as relações sociais, com novas demandas de serviços e produtos e inovadoras ofertas que aumentam a cada dia.
Pandemia e divisão internacional do trabalho
A globalização e a terceirização mundial da indústria para o Leste Asiático já vinha sendo questionada e, com a pandemia, acentuaram as iniciativas de reindustrialização das economias como parte das estratégias de segurança nacional. É provável que as cadeias produtivas terão elos mais curtos e redistribuídos no planeta, sendo a dimensão nacional um elemento importante nas relocalizações das empresas multinacionais.
Nesse contexto, ainda há a crise ambiental que está alterando o clima e colocando em risco todas as formas de vida no planeta, contaminando o solo, o ar, a água, exigindo também respostas inovadoras que afetam todo o sistema produtivo.
Em decorrência dessa dinâmica que revolve o sistema produtivo, o mundo do trabalho também passa por múltiplas e profundas transformações com intensos impactos sobre os empregos e as formas de ocupação laboral; sobre a quantidade, os tipos e os conteúdos dos postos de trabalho. Passa também sobre as profissões, seus conteúdos e a pertinência da sua existência; sobre os conteúdos, métodos e atualização da educação e formação profissional; sobre as habilidades necessárias para trabalhar nos novos contextos; sobre as formas de contratação e de inserção laboral. Estas passam pelo assalariamento clássico, às várias formas de trabalho autônomo e por conta própria, ao contrato intermitente, por prazo determinado ou eventual, aos vínculos mediados por plataformas e aplicativos, a pejotização, uberização, entre outros; a ampla flexibilidade da jornada de trabalho; sobre diferentes formas e critérios de remuneração e de direitos laborais; a ampliação da desproteção laboral, social, previdenciária e sindical. Rotatividade, informalidade, múltiplos vínculos laborais, vulnerabilidade, precarização, adoecimentos, medo, insegurança, estresse, ansiedade e depressão caracterizam esse novo mundo do trabalho.
Essas transformações ganham rapidamente dimensões globalizadas. A crise sanitária da Covid-19 impactou a economia em todo o planeta e gerou medidas que aceleraram essas modificações.
Precarização no Brasil
Esse processo se materializa no Brasil sobre uma estrutura ocupacional heterogênea e desigual. Em um extremo há um grupo de trabalhadores empregados com proteção laboral, social, previdenciária e sindical, contingente que vem diminuindo. No outro extremo há um grupo de ocupados sem nenhuma dessas proteções e que cresce. Entre ambos a ocupação ou emprego oscilam com empregos de baixa qualidade e inseguros, ou pressionando pelo altíssimo desemprego, as várias formas de ocupação precária.
A Reforma Trabalhista iniciada em 2017 e em contínua expansão, inclusive durante a pandemia, fez legalizar esse movimento precarizante, enunciando mais uma vez, de maneira falaciosa, que rebaixar o custo do trabalho, arrochar salários e direitos seria o único caminho para gerar postos de trabalho, legalizando, dessa forma, a desproteção geral e precarização permanente.
Mudar esse quadro requer sintonizar um projeto de desenvolvimento nacional que articule a inovação tecnológica, em todas as suas dimensões, com a perspectiva de ocupação laboral para todos e com qualidade nos postos de trabalho, atualização profissional permanente, com sistema sindical para representação coletiva para promover a regulação das relações laborais e inserções ocupacionais com proteção universal, social e previdenciária. Há que inovar na forma de organização sindical, de alta agregação setorial de representação que supere a fragmentação das categorias. Há que inovar na proteção com mecanismos universais de garantia de emprego e renda e de incentivo à atualização profissional continuada. Reduzir a jornada de trabalho distribuindo com empregos de qualidade para todos. Tributação progressiva que financie políticas públicas universais executadas com controle e participação social. Há que inovar com políticas de proteção e promoção social e ambiental, nas quais os cuidados do outro e do ambiente se constituirão em atividades laborais das mais valorizadas.