Ribamar Passos
Vivemos em tempos sombrios, com o avanço do fascismo, a retirada de direitos vitais para os pobres e o acúmulo de riquezas em poucas mãos. Isso tudo exige que o povo cristão, sobretudo os líderes, tenham lado nessa história. Em qual lado deve estar a igreja de Cristo? “Assim diz o Senhor: por causa de três transgressões de Israel, e por causa de quatro, não voltarei atrás, porque vendem o justo por prata, e o pobre por um par de sandálias” (Amós 2:6).
Se seguimos os preceitos bíblicos históricos, não temos dúvida de que a igreja deve estar ao lado do povo pobre e necessitado, dos sem-teto, dos sem-terra, dos desempregados, das prostitutas, dos idosos, dos órfãos. Foi esse o exemplo que Deus, nosso criador, nos deixou quando da edição das tábuas da lei Mosaica, “E, quando teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então sustentá-lo-ás, como estrangeiro e peregrino viverá contigo”. (Levítico 25:35).
Foi esse o ensinamento passado pelos diversos profetas que viveram antes da era cristã, e foi esse o exemplo daquele que deu a vida na cruz por nós. “E quando Jesus ouviu isto, lhe disse: ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o com os pobres, e terás um tesouro no céu; vem e segue-me” (Lucas 18:22).
Por isso, devemos estar ao lado desse povo sofrido. Isso significa ser contra esse governo nefasto, contra esse sistema opressor que joga milhões de pais e mães de família na miséria extrema e que destrói os sonhos de nossa juventude.
O pior para o povo
O governo Bolsonaro, representa o que há de pior para o povo brasileiro. Se o compararmos aos governantes bíblicos da antiguidade, poderíamos nos lembrar de Nabucodonosor, um tirano que blasfemava e usava o povo de Deus para satisfazer seus delírios.
Como filhas e filhos de Deus precisamos contribuir para a manutenção do bem- -estar social e da paz. Devemos lutar e assegurar que nossos contemporâneos tenham seus direitos garantidos, pois assim, garantimos também a dignidade humana. “Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui, sempre, o bem, tanto uns para com os outros como para com todos” (1 Tessalonicenses 5:15).
O Brasil é um país de maioria cristã, os evangélicos somam mais de 42 milhões de pessoas no Brasil. Destes, em torno de 80% são assalariados que vivem nas periferias das grandes cidades, são idosos que sonham com uma aposentadoria digna, para que possam ter uma velhice sem tantos sofrimentos, são jovens que sonham com uma educação pública digna e que pensam em ter uma carreira promissora.
As eleições de 2018
No ano de 2018 vivenciamos uma situação inusitada, para não dizer outra coisa. Nas eleições para presidente da República e para governadores dos estados, os cristãos apoiaram candidaturas de extrema direita.
A pergunta imediata é: o que está acontecendo com os cristãos no Brasil? A resposta pode demandar muito tempo de estudo e análises. A esquerda no Brasil passou por um momento de inércia nos últimos 13 anos, tendo deixado de lado a formação política da juventude e da militância em geral e se distanciado da base formadora, como por exemplo as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja católica. Por outro lado, a crítica aos evangélicos e a defesa das pautas identitárias se tornaram as principais bandeiras de algumas organizações. Com isso, parte dos evangélicos se deixou levar por aqueles que se dizem defensores do povo cristão, da moral e dos bons costumes. Nós Evangélicos, que militamos na esquerda, compreendemos e defendemos as pautas identitárias. Elas são vitais para que esses setores conquistem direitos. No entanto, representamos um número ainda pequeno de cristãos na esquerda.
Ainda há tempo
Hoje, partidos como o PSOL e o PT têm um número grande de evangélicos em seus quadros. Alguns são apenas membros de alguma igreja outros são pastores e dirigentes de congregações. Faltam, no entanto, à esquerda brasileira, projetos que façam com que esse grupo social se sinta representado e acolhido. Os cristãos e evangélicos são partes do povo pobre que está nos sindicatos, nas associações de moradores, nos movimentos de sem-terra e sem-teto. “Mas deixarei no meio de ti um povo humilde e pobre; e eles confiarão no nome do Senhor.” (Sofonias 3:12).
Os cristãos e a esquerda mundial
A esquerda se caracteriza classicamente pela defesa da justiça, igualdade social e liberdade para todos os povos. Nas últimas décadas, acrescentaram-se a afirmação da pluralidade social, em todas as suas expressões não discriminatórias e não impositivas. No Brasil há desigualdades injustificadas que devem ser abolidas, particularmente quando elas envolvem hierarquias e ordenamentos sociais opressivos e exploradores, sancionados por argumentos baseados na “natureza”, no “costume” ou na “vontade de Deus”. Não restam dúvidas que os cristãos por natureza são de esquerda, ou ao menos deveriam ser, pois seguem preceitos bíblicos, que nos conduzem à prática de ações, que hoje são pautadas pela esquerda no mundo todo. As maiores riquezas que Cristo nos ensinou foi o amor aos pobres e se fazer pobre. Devemos aprender a enxergar Jesus no pobre.
Há um bombardeio televisivo, com alguns canais de TVs voltados quase que exclusivamente para a transmissão de programas evangélicos, com pastores cada vez mais reacionários. Em sua maioria tais personagens defendem as políticas neoliberais, a teologia da prosperidade e que exibem um Deus que odeia os pobres. Falam o tempo todo em riqueza material, pregam o ódio a homossexuais, presidiários e prostitutas.
Por isso, é importante que o povo de Deus fique atento aos discursos e às candidaturas políticas que utilizam os anseios e angústias do povo para sua autopromoção. Acabam por colocar em mãos perigosas e muitas vezes criminosas a direção política do país.
Utilitarismo fascista
Em tempos anteriores o povo Cristão já foi usado por políticas fascistas, como nos regimes fascista e nazista, na primeira metade do século XX. Precisamos de estudo que nos leve a criar e disseminar a teologia dos direitos sociais, baseados exatamente nas lições extraídas da bíblia.
Vejamos: “Não oprimirás o teu próximo, nem o roubarás: o salário diário do trabalhador não ficará contigo até a manhã seguinte. (Levítico 19:13); “Não oprimas um assalariado pobre, necessitado, seja ele um dos teus irmãos ou um estrangeiro que mora em tua terra, em tua cidade.” (Deuteronômio 24:14-15); é muito difícil dialogar com o povo evangélico, mas não é impossível. Hoje, no Brasil, temos diversas frentes que se criaram com o objetivo de organizar esse povo cristão, com diferentes ideologias políticas e religiosas.
As frentes em ação
Temos as seguintes organizações religiosas em atuação:
– Frente de Evangélicos pelo Estado Democrático de Direito Coordenação: Pr. Ariovaldo Ramos e Nilza Valéria Zacarias. É um movimento nascido no meio cristão evangélico, com os objetivos de promover a justiça social, a defesa dos direitos garantidos pela Constituição (direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais etc.) e pela legislação internacional de Direitos Humanos.
– Cristãos Contra o Fascismo Coordenação: Tiago Santos e Heber Farias. Movimento cristão plural, ecumênico, suprapartidário, radicado na defesa da democracia e contra intolerâncias.
– Aliança de Batistas do Brasil Coordenação: Pr. Paulo Cesar Pereira. Organismo de identidade batista e com caráter ecumênico, constituído por pessoas e comunidades identificadas com os princípios expressos na “Carta de compromissos e princípios”.
Lugar na esquerda
No evangelho de Mateus vemos o relato do jovem rico, que não conseguiu se desprender de suas posses materiais, e as declarações de Cristo sobre o perigo das riquezas. Depois que o jovem se retirou triste, Cristo afirmou: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céus. E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Mt. 19:22-24).
A afirmação de Cristo é mais verdadeira que nunca em nossos dias. Se assim não fosse, os 206 bilionários brasileiros já te riam aberto mão de parte de suas riquezas para ajudar o povo pobre que vive em situações de extrema pobreza no país. Claro que cada uma cria sua própria interpretação para o que lê, mas não temos dúvidas que nosso lugar é na esquerda.