Pronunciamento de Luciana Genro na reunião do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores do dia 14/12/2003, que acabou votando a expulsão dos “radicais do PT”, parlamentares que votaram contra a reforma da previdência do primeiro governo de Lula. A expulsão dos radicais deu origem ao PSOL, fundado em junho de 2004.
Em primeiro lugar é preciso dizer que não estamos diante de um processo disciplinar. A maior demonstração disto é que o processo da comissão de ética não versou sobre nosso voto na reforma da previdência. Apesar das inúmeras declarações do Presidente Genoíno, de que o problema era como votaríamos na reforma, não foi sobre isto que nós falamos na comissão de ética. Nós fomos questionados sobre as nossas declarações, e as nossas ações políticas decorrentes dessas declarações, nós fomos questionados a respeito de cada palavra dita e publicada pela imprensa e pela nossa presença nas mobilizações da greve dos servidores. Portanto, nós estamos aqui perante um processo de contestação de posições políticas que nós assumimos ao longo deste ano.
Este diretório acabou de votar a expulsão do deputado João Fontes, votou esta expulsão em um processo absolutamente escandaloso, uma verdadeira caça às bruxas. O deputado revelou uma parte importante da história do partido dos trabalhadores, ao divulgar aquela fita, que ninguém contestou a veracidade. Mas o diretório nacional tem vergonha da história do Partido dos Trabalhadores, tem vergonha dos discursos inflamados que fez o companheiro Lula, atacando aquele que hoje é presidente do senado com apoio do partido dos trabalhadores, senador José Sarney. Tem vergonha dos discursos de Lula atacando a reforma da previdência que o governo Sarney tentava implementar, e que tentaram sucessivos governos posteriores, e que agora foi finalmente aprovada pelo governo do presidente Lula e do PT. As nossas expulsões, se consumadas, como lamentavelmente a imprensa já vem anunciando há muito tempo, são simbólicas deste processo de negação do PT.
Outras expulsões que já ocorreram no PT se deram por razões políticas absolutamente opostas das razões que levam às nossas. Os deputados que foram expulsos porque decidiram ir ao colégio eleitoral, contrariaram a luta do PT pelas eleições diretas, votando em Tancredo e Sarney . Hoje, uma das acusações que pesa sobre a Senadora Heloísa Helena é de que ela se recusou a votar em Sarney para presidente do senado. O ex-deputado Eduardo Jorge, que não foi expulso, foi suspenso porque votou a favor da CPMF, e nós estamos sendo expulsos porque nos recusamos a votar a favor da reforma tributária que justamente prorroga mais uma vez a CPMF à revelia da posição que o PT sempre defendeu.
Nós estamos sendo expulsos porque denunciamos a reforma da previdência, denunciamos que o governo do PT, as lideranças do PT, compraram o discurso do Collor, tentando mostrar os servidores públicos como privilegiados. Lideranças que nunca mais falaram dos privilégios dos banqueiros, dos seus benefícios sem limites, que vão consumir o ano que vem quase 50% da receita corrente líquida do nosso país, e que neste ano levaram mais de 10% do nosso PIB em juros da dívida externa e interna.
Então, na verdade, companheiros e companheiras, nós estamos diante de um profundo processo de transformação do PT. Um processo que não vem de hoje, já começou há alguns anos, mas que deu um brutal salto de qualidade quando Lula chegou à presidência da República. Neste momento, o PT deixou de ser um obstáculo mais ou menos eficaz à implementação dos ataques à classe trabalhadora, à implementação do modelo neo-liberal e passou a ser um instrumento da aplicação deste modelo. Esta é a grande diferença, é o grande marco que simboliza a morte do PT enquanto uma representação genuína da classe trabalhadora. Não é casual, o PT que nasceu nas lutas do ABC paulista, nas greves dos operários, na luta contra a ditadura militar encerra simbolicamente a sua vida como um partido que buscou representar a classe trabalhadora neste hotel, o mais fino de Brasília – “Blue Tree Park”- com um café da manhã regado a suco de laranja e “brownie”. Este é um símbolo desta morte.
Eu quero me dirigir aos companheiros do campo majoritário que ontem escutavam os ministros do governo dizerem que este ano foi positivo apesar dos sacrifícios. Sacrifícios, aliás, que foram impostos à classe trabalhadora brasileira, não aos ministros. Quero dizer que neste lógica que vocês abraçaram cegamente, estes sacrifícios seguirão sendo exigidos. Não pensem, não, que o ano que vem será o ano da redenção do PT, do crescimento com distribuição de renda, do combate à corrupção, da redução das desigualdades. Este crescimento capitalista que vocês tanto apregoam necessita de mais e mais ataques à classe trabalhadora. Por isso, o destino de cada um de você será negar cada vez mais aquilo que vocês defenderam ao longo da suas vidas.
O governo pode conseguir algum crescimento econômico, algo parecido com o que o Fernando Henrique conseguiu nos seus 8 anos de governo, quando o Brasil teve um crescimento de cerca de 20% do PIB. Mas junto cresceu a desigualdade, a miséria e o arrocho salarial. É este projeto que vocês estão abraçando. Um projeto onde a flexibilização da legislação trabalhista é uma necessidade, porque o capitalismo precisa baratear a mão de obra para se expandir e os capitalistas lucrarem mais.
A autonomia do Banco Central, com mandato fixo para seu presidente, é uma necessidade deste modelo, para que os mercados tenham a tranqüilidade de que a política econômica não vai mudar. É preciso a ALCA “light”, que de “light” não tem nada, é o jogo do governo “Bush”, pois joga para a OMC, como se a OMC pudesse ser um território favorável, as discussões de propriedade intelectual e serviços, questões que a Índia, Malásia, China resistem em aceitar discutir, pois sabem que a OMC é um território do Japão, da Europa, dos EUA e das grandes potências. Vocês vão ser obrigados a apoiar e implementar, cada vez mais, estas medidas e andar de braços dados com o Imperialismo Norte Americano e o com os interesses das grandes potências. Este é o caminho do crescimento capitalista.
A reforma agrária? Nesta lógica que vocês abraçam, a reforma agraria não pode ser feita. O grande latifúndio está associado com o grande capital, o exército de reserva no campo é necessário para manter os salários baixos na cidade. Vocês vão cada vez mais se afastar e se colocar em campo oposto ao das lutas da classe trabalhadora, porque as lutas, as greves, as mobilizações, atrapalham o crescimento capitalista, a estabilidade, as greves atrapalham o lucro do grande capital. Sequer a corrupção vocês vão combater porque os grandes corruptos deste País, que nós passamos anos e anos denunciando, são hoje aliados do governo. O maior símbolo deles é o ACM, que nós combatemos como representação máxima das oligarquias nordestinas que massacram o povo pobre para se manter no poder.
Portanto, companheiros e companheiras, nós estamos aqui diante de um momento histórico. Vocês nos expulsam para poder consolidar este processo de transformação do PT. É verdade que todo partido tem direito de mudar, o trabalhismo inglês, por exemplo, transformou-se de um Partido social-democrata em um Partido neo-liberal. Mas pelo menos fez um congresso, antes das eleições, e aprovou estas mudanças de forma mais ou menos democrática, eu não sei, mas, ao menos, ofereceu esta possibilidade de um congresso.
Por que a direção do partido não tomou esta providência, se pretendia operar esta mudança profunda no caráter do PT, transformando-o em intrumentalizador dos interesses do Fundo Monetário Internacional, do capital financeiro e da grande burguesia. Por que não faz este debate democrático com a militância do partido? Talvez faça em 2005, mas aí será tarde para salvar o partido, pois ele está cada vez mais contaminado pelas filiações em massa sem critérios, pelas Narriman Zitos, pelos Flamarions Portelas.
Vocês nos pautaram a expulsão durante vários meses. Hoje, não tenho duvida, existe em um setor importante da classe trabalhadora a necessidade de que estas bandeiras que o PT ao nos expulsar demonstra que definitivamente deixou para trás, continuem tendo uma representação política. São muitos e são muitos os que estão dispostos a continuar segurando estas bandeiras. Hoje, nós temos a noticia da desfiliação do companheiro Chico Oliveira, nós temos o deputado Milton Temer, o Carlos Nelson Coutinho para citar 3 exemplos dos que nunca foram alinhados com os chamados “radicais”, mas que são honestos e sérios nas suas convicções de luta e socialistas. Há muitos outros companheiros e companheiras, mais de sete mil, que mesmo antes da nossa expulsão já se colocaram aqui dispostos a seguir levantando estas bandeiras. Nós sabemos que muitos outros virão. Sabemos, inclusive, que muitos ainda acham que ainda há espaço político para disputa dentro do PT e nós respeitamos esta opinião, embora acreditemos que a nossa expulsão é a demonstração máxima de que não há mais espaço e a forma como se operou a expulsão do deputado João Fontes é a expressão máxima de que a democracia interna deste partido está sendo pisoteada. Mas temos a certeza de que aqueles que não se renderem, que não se deixarem cooptar, que não aceitarem entregar as bandeiras de luta da classe trabalhadora e do socialismo, vão mais cedo ou mais tarde se sentir expulsos junto conosco e continuarão junto à classe trabalhadora, junto ao povo pobre, junto a juventude deste país, defendendo as bandeiras que durante muitos anos foram patrimônio do Partido dos Trabalhadores. Muito Obrigada!