Movimento Esquerda Socialista
Bolsonaro foi derrotado nas eleições presidenciais de 2022. Isso não quer dizer que o fascismo tenha sido liquidado. Longe disso. Teremos uma luta de longo prazo. Mas a reeleição de Bolsonaro poderia representar uma derrota histórica da classe trabalhadora. O risco do passo em direção ao abismo era real. A eleição de Lula, ao conter esse passo, foi, sem margem de dúvidas, a maior vitória democrática desde a queda da ditadura militar.
Este é o novo. Tudo valia para garantir essa vitória. Por isso, o PSOL, corretamente, não hesitou em apoiar Lula, mesmo com sua política aberta de conciliação de classes, cuja escolha de Geraldo Alckmin (PSB) como vice da chapa presidencial foi apenas um símbolo. Por isso também, o PSOL se fortaleceu.
A necessidade de uma unidade ampla que incluísse setores da burguesia se justificava pela necessidade de derrotar o oponente fascista no terreno eleitoral numa situação defensiva da luta de classes.
Porém, o PSOL divergiu antes das eleições. Duas posições se apresentaram: uma de apoio a Lula desde o primeiro turno e outra de lançamento de candidatura própria e apoio no segundo. Todas tinham o respaldo a Lula como base, com táticas diferentes. Na posição que predominou, de apoio já no primeiro turno, um setor sempre teve tendência a aceitar governos de colaboração de classes.
O que teria ocorrido se o PSOL tivesse se disposto a ajudar a vitória de Lula com a tática que não foi aprovada é impossível de saber, porque não se tem como medir a história contrafactual. De toda forma, é correto dizer que o apoio em primeiro turno se revelou ótimo para o PSOL e ajudou muito a campanha de Lula. A polarização não deixou margens para uma posição à esquerda. Mas também é preciso registrar que o setor conhecido como a esquerda do PSOL partia de uma leitura comum a todo o partido: a de que a tarefa essencial era derrotar Bolsonaro. E de que essa foi a ala que mais se envolveu na luta pelo impeachment, apresentando o primeiro pedido ao Congresso Nacional, obtendo mais de um milhão de assinaturas e sendo um fator de pressão para que a superestrutura política, em seguida, assumisse essa iniciativa.
O PT demorou, sendo o último partido de oposição declarada – atrás da Rede, e até do PDT – a assumir formalmente o pedido (MDB, PSDB, União Brasil etc, jamais se declararam oposição a Bolsonaro). Aliás, até no PSOL houve demora, com setores dizendo que o “Fora Bolsonaro!” era precipitado (isso já depois de as mobilizações antifascistas de abril de 2020 e da derrota eleitoral de Trump nos EUA). Porém, a luta nas ruas para tirar Bolsonaro não prosperou, até porque a estratégia do próprio PT não foi essa. Sua aposta era a eleitoral.
Com a ruptura definitiva da burguesia liberal com o atual governo, o nome de Lula foi escolhido como hipótese principal para derrotar Bolsonaro por essas frações da classe dominante. Enquanto negociavam com o petista, apostavam também na hipótese da terceira via. A negociação com Lula tinha uma estratégia: a reconstrução da Nova República sem romper com o seu modelo econômico, cujo Plano Real foi o melhor sucedido. Alckmin era o fiador deste acordo.
Com o ex-governador de São Paulo na chapa de Lula, poderiam especular as hipóteses de terceira via, mas já garantindo seu lugar num segundo turno – que, àquela altura, todos já sabiam que provavelmente seria entre Lula e Bolsonaro, se Lula não levasse ainda no primeiro. Tal expectativa, aliás, foi alimentada pela direção do PT e pela mídia ligada a esse setor burguês liberal. Como se sabe, foi uma previsão errada. Bolsonaro cresceu mais do que Lula entre o primeiro e o segundo turnos, e as forças pró-Lula venceram por pouco. O pouco que separa o céu do inferno.
É interessante notar, a propósito, como o setor do PSOL que defendia que Lula assumisse apenas uma aliança de esquerda estava com pouca sintonia com a real relação de forças do país. Afinal, se Lula não tivesse aliança com Alckmin, não teria vencido. Ou alguém desconhece a importância da Rede Globo para que o fascismo não vencesse as eleições? Além do papel do STF. Nada disso teria ocorrido no primeiro turno sem o ex-governador como vice e sem o protagonismo de Simone Tebet (MDB) no segundo. Concretamente, sem a frente ampla, Lula não teria vencido.
Conscientes de que o petista precisava de uma frente ampla e de que essa era sua aposta, preferíamos manter uma posição independente, dando apoio eleitoral sem nos atrelar ao programa liberal com medidas sociais compensatórias e algumas tentativas de políticas de desenvolvimento capitalista que eram (e seguem sendo) o verdadeiro programa da chapa Lula/Alckmin. Mas o fato é que o líder da chapa foi Lula e sua capacidade está justamente em reunir apoio dos líderes de todas as classes, de conciliar e de atrair multidões. Sua genialidade se expressou nestas eleições novamente, e seu fortalecimento é um fato. Venceu uma máquina de manipulação e de mentira como nunca se viu na história do Brasil. Lula venceu a extrema direita.
Agora, nossa obrigação primeira é proteger seu governo contra os ataques dessa extrema direita. É seguir lutando contra ela. E vamos defender seu governo sempre que esse setor quiser atuar para desestabilizar e conspirar, mesmo que seu governo tenha a colaboração e a participação da burguesia liberal, como terá. E poderia ser diferente? Lula poderia dispensar a aliança com a burguesia liberal? Se fizesse isso, dificilmente poderia assumir. E pode agora dispensar negociações com setores fisiológicos como o PSD de Gilberto Kassab e outros? Se não tiver apoio de alguns desses setores, pode assumir, mas, se assumir, não governará. Imaginar que seja diferente é acreditar que Lula venceria as eleições numa aliança que fosse apenas com partidos de esquerda, sem Alckmin, sem Renan, sem Jader Barbalho, sem Rede Globo.
Mas ser realista e não propor que Lula assuma posições de esquerda, que não são as dele, não quer dizer abandonar as posições de esquerda. Ao contrário. Significa que devemos manter nossas bandeiras e nossa independência, trabalhando para alterar a relação de forças e para crescer. Isso quer dizer que o PSOL, mesmo defendendo o governo diante da extrema-direita, deve estar fora dele, sem precisar se disciplinar às ordens de uma gestão da burguesia, ocupando posições na sociedade (em bairros, escolas, universidades, locais de trabalho, organizando e mobilizando…) e não no aparelho estatal. Assim defenderemos melhor os interesses da classe trabalhadora, nossa vocação principal.
Optar por entrar no governo e concordar com a aliança com a burguesia liberal e até com setores fisiológicos desta é abandonar a razão de ser do PSOL. Optar por entrar e ficar criticando tais acordos é adotar uma linha de consciência crítica inútil, porque ou serão apenas palavras ou serão o estímulo à indisciplina. Tome por exemplo a correta negativa dos deputados federais (atuais e eleitos) do PSOL em apoiar a candidatura de Arthur Lira (PP) à reeleição à presidência da Câmara. Lula negociou o endosso ao cacique alagoano por um esgarçamento da PEC do Teto de Gastos. Se o PSOL estivesse no governo, teria de ser disciplinado à decisão do presidente eleito e, nesse caso, extinguiria qualquer polo crítico a essa decisão.
Notas públicas de diferentes correntes do PSOL indicam a decisão que o Diretório Nacional deve tomar: não indicar cargos no governo Lula. Nosso partido não necessita deles para defender as boas e necessárias pautas do governo eleito, como a do enfrentamento à fome, da extrema pobreza, do reajuste do salário-mínimo e a volta de programas sociais. Tampouco, a decisão de independência supõe que cerraremos fileiras com uma oposição que se apresenta cada vez mais violenta, perigosa e criminosa. Jamais estaríamos com eles na oposição. Pretendemos manter nossas convicções e posições políticas justamente para combatê-los. Então, a melhor posição é se manter numa construção própria, enfrentando a extrema direita, apoiando as medidas progressistas que o governo adotar, defender os trabalhadores e o povo pobre quando medidas de ajuste burguês forem propostas e implementadas, além de contribuir na elaboração de políticas públicas na sociedade civil. Defendemos a independência do nosso bloco parlamentar.
O PSOL quer lutar pela dignidade do povo brasileiro, consciente de que ele jamais deixou de ser explorado e oprimido. Assim, embora tenhamos como eixo estratégico a derrota da extrema direita e do fascismo, do qual o bolsonarismo é a expressão nacional, não vamos vender ilusões reivindicando um passado como se em algum momento da nossa história o povo tenha sido realmente ouvido, respeitado e defendido. Isso nunca existiu. A dignidade não é para ser restabelecida, mas para ser confirmada, conquistada, para construir o novo.
O trabalho prático para construir no próximo período estará alicerçado na defesa do PSOL, fazendo as alianças internas prioritárias com aqueles que defendem um projeto independente, estimulando, ao mesmo tempo, a unidade com os partidos da classe trabalhadora no nível local e em cada frente de intervenção – o que, logicamente, inclui o PT – sempre que a base do acordo seja a defesa das mobilizações dos trabalhadores por suas bandeiras, seus direitos e interesses.