(O texto abaixo é uma versão condensada)
Ao contrário do que apregoam a mídia e a propaganda oficial do governo golpista, a crise econômica continua longe de ser superada. Os efeitos da crise estão provocando aumento do desemprego e diminuição da renda dos trabalhadores. Os sinais de aumento da pobreza são evidentes. Os dados do IBGE revelam a maior taxa de desemprego desde o início da série histórica, em 2012. O Brasil fechou 2016 com 12,3 milhões de pessoas desempregadas.
Em relação ao desemprego, cabe destacar: a taxa de desempregados é muito maior se considerarmos aqueles que desistem de procurar emprego ou acabam aceitando “bicos”; os poucos empregos criados durante a crise são de pior qualidade, obrigando os trabalhadores a aceitarem salários menores e condições de trabalho ainda mais precárias.
O aumento do desemprego também deixa claro o desastre do ajuste fiscal iniciado por Joaquim Levy e aprofundado por Henrique Meirelles.
Cortes no Orçamento, contenção do investimento público, aumento da taxa de juros, privatizações e de retirada de direitos sociais só têm levado a mais flagelo, em especial, para a população mais pobre.
As medidas de ajuste fiscal são direcionadas a superar a crise às custas de milhões de brasileiros. A aprovação da Emenda Constitucional 95 representou um rompimento do pacto que originou a Constituição de 1988 e viabilizará monumental migração de recursos da área social para o sistema financeiro. A reforma de Previdência, que tramita no Congresso, impedirá a aposentadoria de milhões de trabalhadores do setor público e privado e injetará recursos na previdência privada. A reforma trabalhista vai precarizar ainda mais as relações de trabalho, enfraquecendo as representações sindicais e garantindo maior lucratividade aos empresários.
A volta dos ajustes e das políticas neoliberais aparece rapidamente nos pacotes draconianos estaduais, como remédio para uma falência sem precedentes de unidades da federação. Os ajustes propostos recaem sobre os serviços públicos de forma dramática: hospitais e postos superlotados, falta de saneamento básico, má qualidade das escolas, baixa qualidade do transporte, falta de empregos.
A crise, porém, provoca cada vez mais reações das trabalhadoras e dos excluídos. As mobilizações, ainda defensivas, tendem a crescer.
Tal é a profundidade deste colapso nos estados que a crise chega num dos pilares para a manutenção da ordem: a atual política de segurança pública, baseada na guerra às drogas e nos encarceramentos dos negros pobres. Após anos de hiper militarização das polícias, os policiais encontram-se agora na mesma situação de centenas de milhares de servidores com salários congelados ou atrasados, acossados pela inflação e o arrocho. A luta dos PMs é legítima, como as dos demais servidores.
A situação no Espírito Santo é exemplar. Até ontem visto por analistas como exemplo de ajuste fiscal bem-sucedido, o arrocho salarial e as más condições de trabalho desembocaram, após a deflagração da greve dos PMs, em mais de uma centena de assassinatos e um absoluto caos social, o que mostra que a política de ajuste fiscal é, sobretudo em momento de crise, inviável. A crise social também se alastra no sistema prisional, como demonstram os massacres ocorridos nas penitenciárias de Roraima, Amazonas e Rio Grande do Norte, comprovando a falência do modelo de segurança pública.
Antevendo os retrocessos que o impeachment produziria, o PSOL acertadamente se opôs ao golpe institucional. Naquela oportunidade já estava claro que não se tratava apenas de uma simples troca de comando no Executivo Federal, mas de uma reorganização das classes dominantes visando criar melhores condições para superar a crise e assegurar um novo ciclo expansivo de valorização do capital.
A alternativa das classes dominantes ao colocar Temer no governo, porém, não está livre de enormes riscos. Seu governo está totalmente envolvido nos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato. Ao mesmo tempo em que conseguiu uma maioria sólida parlamentar, o governo convive diariamente com novas denúncias contra integrantes do PMDB. Dentre os elementos de instabilidade se encontram os desdobramentos da Lava-Jato, especialmente as delações dos 77 executivos da Odebrecht.
Por isso, o ano de 2017 aponta para um aprofundamento da crise social e econômica. A PEC do teto de gastos é uma bomba que pode levar a uma explosão social. As delações da Odebrecht podem colocar o governo numa situação insustentável. O governo golpista de Temer tem entre seus principais objetivos a proteção de seus integrantes, vide a recente criação de um ministério para acolher Moreira Franco, o “Angorá” da lista da Odebrecht.
Por isso Temer indicou Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança do governo tucano de Alckmin, filiado ao PSDB, para ministro do STF. O mesmo PSDB de Aécio, Serra e Alckmin, que estão citados em delações premiadas e envolvidos em escândalos de corrupção que a mídia golpista esconde. A opção pelo PSDB é também pela volta ao fundamentalismo neoliberal, de um Estado mínimo. É o aprofundamento da política de incentivos fiscais e empréstimos generosos para as multinacionais, em especial às estadunidenses.
É inegável que a Operação Lava Jato ganhou centralidade no projeto de recomposição política das forças conservadoras, ao lançar luz sobre os esquemas de financiamento das campanhas eleitorais, frações da burguesia notaram nela uma oportunidade para desmontar a credibilidade social do PT e de suas lideranças, justificando perante a população uma ruptura institucional. Porém, a presença de personalidades dos grandes partidos no esquema de corrupção e a divulgação destes fatos faz com que figuras fiéis ao projeto de recomposição conservadora sejam descartadas, tudo em nome da manutenção da estabilidade econômica. O núcleo político do governo Temer tem profundos vínculos com o “Departamento da Propina” da Odebrecht e de outras grandes empreiteiras. Por mais que o comando da operação e a grande mídia diminuam o destaque para o envolvimento de figuras dos partidos conservadores (especialmente sumindo com notícias sobre lideranças tucanas, como Aécio Neves), o desgaste é inevitável e a tática de ir descartando as figuras citadas tem limites e riscos.
Não está descartado que, após aprovar o pacote de maldades que motivou o golpe, na próxima crise institucional o governo Temer possa ter seu fim antecipado e a elite eleja por via indireta um operador mais confiável e que mantenha está recomposição conservadora. A divulgação do conteúdo das delações premiadas dos executivos da Odebrecht e a revelação do envolvimento direto de Temer e das cúpulas de PMDB e PSDB nos esquemas criminosos da empresa ampliam a instabilidade e podem acelerar esse processo de mudança de governo.
O desastre eleitoral e a perda de credibilidade ética da cúpula do PT, aliados à incerteza sobre seu futuro, têm provocado crescente tensão na militância dos movimentos sociais que tinha aquele partido como referência política. Os desdobramentos desta crise ainda são incertos, dependendo de fatores internos (concessões do campo majoritário para setores que questionam seus rumos à esquerda) e externos (condenação de Lula pela Lava-Jato e impedimento de sua cadidatura).
O mais grave, porém, é que apesar das ilegalidades nas quais lideranças petistas se envolveram e de sua aposta num projeto de conciliação de classes que nunca tocou nas camadas mais privilegiadas da classe dominante, sua direção não parece disposta a promover mudanças de rumo. O discurso de seu setor majoritário é de que o golpe foi para frear “os avanços” do ciclo petista. A eleição para a presidência da Câmara e do Senado mostrou que na direção petista prevalecem os compromissos que sustentaram o pacto conservador: apesar da decisão do partido de apoiar André Figueiredo, não foram poucos os “dissidentes” que optaram por candidaturas do campo golpista rumo traçado também pelo PCdoB.
O quadro descrito acima coloca para a esquerda social e política enormes desafios. O PSOL se coloca como parte do processo de recomposição da esquerda, de defesa dos direitos conquistados e de construção de outro caminho que não nos leve a repetir os mesmos erros.
O primeiro grande desafio é defender os direitos sociais contra os ataques do governo golpista. A prioridade de 2017 será fortalecer a resistência aos ataques que as classes trabalhadoras e os demais excluídos estão sofrendo, unindo todos numa ampla frente contra Temer e sua agenda reacionária.
Essa frente deve reunir todos os que se disponham a enfrentar as medidas de ajuste fiscal e retirada de direitos. Nossa militância [deve dirigir] as energias para estreitar os laços políticos e organizativos com os novos movimentos sociais, com destaque para o enraizamento da vitoriosa experiência de luta independente que é a Frente Povo Sem Medo.
O segundo desafio é o partido se apresentar como porto seguro para os que queiram construir um novo patamar de reorganização da esquerda. A legislação criou enormes dificuldades para estruturação de novos partidos de esquerda. A recente aprovação de cláusula de barreira no Senado demonstra que os ataques ainda não estão conclusos, sendo clara a intenção das elites de nos jogar na clandestinidade eleitoral.
Assim, nosso partido deve ser um abrigo para todos os segmentos dispostos a reconstruir no dia-a-dia das lutas e nas eleições um projeto de esquerda, radicalmente democrático, amplo e popular. Tal esforço será feito de forma criteriosa, mas, ao mesmo tempo, profundamente generosa.
Mas a reconstrução da esquerda, reconquistando parcelas perdidas nas classes trabalhadoras, passa por reacender a esperança de mudança social. E é por isso que o terceiro desafio é apresentar uma plataforma e uma candidatura presidencial que dialoguem com os excluídos, que sejam porta-vozes das pautas de luta contra a opressão a mulheres, LGBTTS, Negras; que defendam os direitos históricos da classe trabalhadora urbana, os direitos da juventude, que retomem as bandeiras históricas da luta pela terra e pela moradia, que enfrentem o agronegócio na defesa das terras indígenas e quilombolas e deem centralidade para a luta socioambiental em todos os seus terrenos. Ou seja, um programa que seja radical no enfrentamento da política econômica vigente, que rompa com a governabilidade baseada na troca de cargos, que combata a corrupção e que se proponha a reinventar formas de participação direta dos cidadãos nas decisões e de controle social das ações de governo.
Dentre as tarefas imediatas para que nosso partido esteja à altura dos desafios está a participação ativa em todas as manifestações que exijam a saída imediata de Temer da Presidência. Devemos combinar a mobilização do “Fora Temer” com a convocação de eleições diretas já.
A cada ataque aprovado no Congresso, ganha relevância a articulação de um plebiscito unitariamente construído entre todos os movimentos sociais e organizações partidárias democráticas, visando uma saída popular para a crise. A reforma da Previdência, a principal batalha contra a retirada de direitos deste ano, não pode ser aprovada sem que o povo brasileiro seja consultado sobre seus efeitos devastadores. Nossa bancada na Câmara já estuda a apresentação de medida legislativa que submeta qualquer retrocesso a referendo popular.
Por fim, a Executiva Nacional do PSOL convoca a militância partidária e os milhares de ativistas simpáticos ao nosso partido a se somarem aos esforços para vencer os desafios aqui descritos.