Cesar Fernandes e Rodrigo Cruz
Estamos às voltas dos 48 anos da rebelião de Stonewall. A série de manifestações que aconteceram no tradicional bar Stonewall Inn em Nova York, em 1969, marcou a história do movimento LGBT norte-americano e sua radicalidade, orientando a luta pela liberdade sexual e de gênero em diversos países. O sistema jurídico, francamente LGBTfóbico associado ao racismo, ao nacionalismo e ao moralismo cristão fermentava posições conservadoras contra lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans.
Por conta disso, a resistência LGBT verteu-se em movimento organizado, consonante à luta por direitos civis de negras e negros, à contracultura e às manifestações pacifistas contra a guerra no Vietnã. Forjou-se uma reação antissistêmica muito incisiva contra o autoritarismo e a violência policial e de Estado, demarcando que estes territórios possíveis para as sociabilidades LGBT seriam defendidos às últimas consequências. A batalha de Stonewall foi protagonizada por mulheres trans negras e latinas em situação de rua, como Marsha P. Johnson, Miss Major e Sylvia Rivera. As associações políticas fundadas após a rebelião chegaram a formar coalizões com o Partido dos Panteras Negras, uma necessária aliança entre setores oprimidos, unidos pela classe e pelo norte revolucionário.
Neste sentido, recuperar Stonewall passa fundamentalmente por retomar o recorte de classe e o cunho político e revolucionário da luta pela liberdade sexual e de gênero.
Vivemos os impactos do esvaziamento da agenda LGBT por parte dos governos petistas, notabilizados pelas alianças políticas com partidos conservadores em nome da governabilidade e da viabilidade eleitoral. Desde o início, setores progressistas menosprezaram a luta contra o fundamentalismo no Congresso Nacional, avaliando que a consequência desta política era circunscrita apenas a mulheres e LGBTs. Observamos que os fundamentalistas, ultra fortalecidos, se tornaram peça fundamental, “em nome de Deus e da família”, do golpe institucional que destituiu a presidenta Dilma em 2016.
Além disso, os governos petistas aprofundaram um processo de cooptação dos movimentos sociais que retirou a radicalidade e o protesto de rua como método prioritário das lutas sociais. Isso impactou profundamente a nova geração de ativistas, muitas delas LGBT, que vai às ruas ao seu modo, com os recursos e a cultura política de que dispõe. Confronta-se com setores mais tradicionais do movimento LGBT, geralmente posicionados em ONGs para a disputa de editais governamentais, a advocacy e o lobby parlamentar numa linha de inclusão atrelada à boa vontade governamental. Além disso, o movimento enfrenta as contradições da inclusão pela via do consumo. A solução apresentada pelo capitalismo à situação marginal da população LGBT é a de transformá-la em um nicho de mercado, o que dificulta ainda mais a autonomia do movimento.
O golpe institucional aprofundou a crise política e econômica e tornou mais complexas as tarefas do movimento LGBT. As reformas apresentadas por Temer incidem ferozmente nas nossas condições de trabalho e previdência, já precarizadas pela LGBTfobia. É fundamental aliar os movimentos de rua contra as reformas, à ampliação da representação de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais na arena da política institucional, fortalecendo intervenções como a do deputado federal Jean Wyllys (PSOL). Como ele, precisamos amplificar nosso rechaço às iniciativas dos setores fundamentalistas e conservadores, aglutinados em torno do PMDB e seus satélites.
Recuperar a radicalidade do movimento é uma necessidade. Interseccionar nossas lutas com raça e classe, impulsionar a organização sindical de trabalhadoras LGBT, organizar essas lutas, periféricas, a quem são reservados os subempregos e o encarceramento. Priorizar as lutas anti-transfóbicas, dado o grau de violência contra travestis e pessoas trans no Brasil. Entender que o avanço do conservadorismo precariza nossas vidas como LGBTs e como trabalhadoras e que, portanto, lutar contra o fundamentalismo também é lutar contra o domínio do capital.