Por Luiza Erundina*
No final dos anos 1980, os skatistas da cidade de São Paulo enfrentavam perseguição da autoridade municipal, que proibia a prática do esportes e o reprimia com violência.
Os agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) recebiam ordens expressas do então prefeito Jânio Quadros para retirar à força os skates das mãos dos jovens e destruí-los na presença deles —o que, quase sempre, provocava crises de choro.
Naquele tempo, os skatistas de rua costumavam usar as marquises do parque Ibirapuera, que ofereciam um piso adequado para treinar suas manobras —além de ser um espaço coberto, protegido da chuva. Havia o inconveniente, contudo, de ficarem próximos ao gabinete do prefeito, localizado no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega.
Era de conhecimento público o autoritarismo e o mau humor de sua excelência. Jânio passou a não tolerar a presença dos jovens skatistas nas imediações de onde despachava e imediatamente baixou um ato proibindo a prática do esporte nas instalações do parque. Não satisfeito, resolveu estender sua medida de força para toda a capital paulista, tigualmente proibida de adotar o skate como modalidade esportiva.
Inconformados com o abuso de poder, os skatistas decidiram se mobilizar e promover um protesto no portão principal do Ibirapuera. Havia cerca de 200 manifestantes, número suficiente para fazer um barulho que incomodasse o prefeito.
Na ocasião, os skatistas fizeram a entrega de um abaixo-assinado com mais de 6.000 assinaturas. Pedia-se a revogação da canetada de Jânio, que se manteve insensível ao clamor dos munícipes. Os jovens, no entanto, continuaram aguardando a mudança de rumos no governo da cidade para terem seus direitos assegurados.
Foi aí que entrei em cena. Como candidata a prefeita da cidade de São Paulo naquele ano de 1988, tive um encontro com os skatistas paulistanos, oportunidade em que me comprometi, se eleita, a revogar o ato do prefeito Jânio Quadros. E foi o que fiz assim que assumi a prefeitura, em 1° de janeiro de 1989.
Não só revoguei a proibição do skate como também ampliei espaços públicos destinados à modalidade, prática em que jovens atletas brasileiros têm se destacado, inclusive nas duas últimas Olimpíadas —o que é motivo de orgulho para todos nós.
Trinta e cinco anos depois, em Paris, Rayssa Leal, aos 16 anos, conquistou a medalha de bronze, tornando-se a brasileira mais jovem a subir ao pódio em edições diferentes dos Jogos Olímpicos.
Reconheço que a decisão de acabar com a proibição do skate foi um marco importante para São Paulo e para o Brasil. Não significou apenas uma vitória dos skatistas, que finalmente puderam praticar a atividade livremente, mas também simbolizou uma mudança de atitude da administração em relação à participação popular nas ações de governo e, principalmente, dos mais jovens —desencantados, em parte, com a política. O skate é e sempre foi uma expressão legítima de lazer, esporte e inclusão social.
Com o passar dos anos, o skate —proibido no passado, hoje certeza de medalha olímpica— evoluiu de uma prática marginalizada para uma modalidade respeitada e institucionalizada. Quando fez a sua estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio, há três anos, trouxe medalhas para o Brasil e mostrou ao mundo o talento dos skatistas brasileiros. Essas conquistas provam o potencial do esporte na transformação de vidas, algo que começou a ser reconhecido lá atrás, com a decisão da nossa gestão em acolhê-lo e apoiá-lo.
Hoje, vejo aquela decisão como mais do que uma simples mudança de política pública, mas o reconhecimento de que a cidade pertence a todas e todos, e que o esporte tem um lugar legítimo no espaço urbano.
A inclusão do skate nas Olimpíadas foi sem dúvida algo extraordinário, mas para os skatistas a verdadeira vitória foi conquistada anos antes, quando puderam, finalmente, andar livremente pelas ruas da nossa cidade.
*Luiza Erundina é deputada federal (PSOL-SP) e ex-prefeita de São Paulo (1989-92). Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo.