Dan La Botz
Para surpresa dos institutos de pesquisa, para choque do Partido Republicano e para o horror do establishment político, Donald Trump tornou-se o candidato republicano. Sua retórica racista, o programa econômico nacionalista, sua relutância em se dissociar da Ku Klux Klan e seu encorajamento dos comportamentos violentos em seus comícios têm levado a muitos a caracterizá-lo como fascista. Sua vitória dividiu o Partido Republicano, contribuiu para a polarização da sociedade americana, e a possibilidade de sua eleição preocupa as elites por todo o mundo.
A vitória de Trump e a exibição notavelmente forte de Bernie Sanders, concorrendo como um socialista aberto numa plataforma progressista no Partido Democrata, são indicadores da rejeição dos eleitores estadunidenses aos partidos políticos e candidatos tradicionais desde a crise econômica de 2008. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos perderam espaço como potência econômica e política mundial, um movimento particularmente inquietante para aqueles cujas fortunas também estão em declínio. Assim, milhões se voltaram para Sanders e Trump. Sanders foi derrotado na primária do Partido Democrata, perdendo para a candidata do establishment Hillary Clinton, mas Trump emergiu vitorioso no Partido Republicano e continua sua campanha singularmente racista.
Trump não é um político tradicional
De seu pai ele herdou um negócio multimilionário de imóveis na cidade de Nova York, convertendo a empresa na Trump Organization, uma transnacional bilionária envolvida na construção de arranha-céus nova-iorquinos, tais como a Trump Tower, e na administração de hotéis, cassinos e resorts em outros estados e em países estrangeiros.
Além disso, ele é uma personalidade famosa da TV. De 2004 a 2015, estrelou “O Aprendiz”, um reality show televisivo baseado em entrevistas e contratações de pessoas para trabalhar nas suas corporações, eliminando competidores e “despachando-os” do programa. Frequentemente, os concorrentes são menosprezados e humilhados durante o processo de demissão. Trump recebeu um milhão de dólares por episódio, ganhando 214 milhões de dólares nas 14 temporadas do programa, mas o mais importante foi que ele acabou se tornando uma personalidade nacionalmente conhecida.
Apesar de várias de suas empresas terem falido, ele permaneceu como um homem de negócios bem-sucedido. Sua riqueza é estimada em algo superior a US$ 4 bilhões.
Trump tem sido ativo politicamente desde os anos 1980, algumas vezes como um republicano, outras vezes como um democrata, mas, por enquanto, ele é membro do Partido Reforma, um pequeno partido político direitista com o qual se envolveu o líder da Ku Klux Klan, David Duke. Por vezes, ele tem doado largas quantias de dinheiro tanto para o Partido Democrata, quanto para o Partido Republicano, mas desde 2012 ele tem sido um republicano. Em diversas ocasiões, Trump flertou com a ideia de concorrer a um alto cargo político por um ou outro partido, mas nunca tinha sido escolhido. As primárias de 2015-2016 foram sua primeira tentativa para um cargo político, sendo extremamente bem-sucedida à medida que eleição estadual após eleição estadual ele foi vencendo os outros 12 pré-candidatos republicanos, quase todos políticos profissionais. Como o forte desempenho de Sanders, a vitória de Trump mostra que boa parte da população rejeita a política tal como vem sendo exercida.
O estilo e a substância de Trump
A vitória de Trump foi resultado de tanto de seu estilo político idiossincrático, quanto do seu programa político. Ao longo das primárias, diferentemente de outros candidatos, Trump evitou usar discursos preparados ou ler o teleprompter. Quase sempre falou de improviso e suas falas terminavam com comentários repentinos e tiradas contra seus adversários. Em suas palavras ásperas e cruas, atacou outros candidatos, as esposas dos candidatos ou repórteres, fazendo referência a seu tamanho, peso, aparência física, gênero e etnia. Ele os acusava de falta de energia, escassez de ideias e covardia. Ridicularizou, menosprezou e vilipendiou democratas, republicanos e jornalistas sem piedade. Muitos de seus seguidores adoraram seus discursos espontâneos e extravagantes, animando-se com seus ataques a rivais, repórteres, muçulmanos, mexicanos e imigrantes em geral.
O slogan de campanha Trump é “Faça a América grande novamente”, ainda que muitos aparentemente entendam isso como “Faça a América Branca novamente e ela será grande novamente.” Enquanto Trump prometia construir um muro para manter mexicanos fora dos Estados Unidos e proibir muçulmanos de imigrarem, esses ataques racistas foram ligados às promessas de retirar os EUA de guerras externas e reconstruir a economia do país, especialmente sua base industrial. Ele criticou o ex-presidente Bill Clinton por assinar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (inglês: North American Free Trade Agreement, ou Nafta) e se opôs ao Acordo de Associação Transpacífico TPP (Trans-pacific Partnership) do presidente Barack Obama. Condenou a China por suas práticas comerciais injustas e execrou o México por “exportar criminosos, drogados e estupradores”, embora a mensagem implícita fosse a exclusão de trabalhadores mexicanos que ocupam cargos de baixos salários nos EUA. Ele rompeu com os dois partidos principais em sua recusa de pedir mais austeridade e cortes no orçamento do estado de bem-estar social ou no sistema previdenciário, aos quais quase nunca fez menção. Prometeu usar seu próprio conhecimento de finanças e sua expertise em fechar negócios no sentido de transformar a economia norte-americana, embora não tenha qualquer programa específico para tanto.
A combinação feita por Trump de retórica racista com um programa econômico nacionalista fez com que ele ganhasse um número significativo de seguidores entre os brancos, particularmente os homens brancos de baixa escolaridade, grupo duramente atingido pela crise econômica e ameaçado pela mudança demográfica no país, dado que negros, latinos e asiáticos chegam a representar quase um terço dos habitantes dos EUA. Ao mesmo tempo, Trump tem baixa inserção entre mulheres, latinos e negros. Eleitores negros compreendem que, enquanto Trump centraliza seus ataques sobre os mexicanos e muçulmanos, sua mensagem subliminar para os eleitores brancos é que ele manterá os afro-americanos numa posição inferior.
Trump pode vencer?
Se Trump fez uma extraordinária campanha nas primárias, agora enfrenta um desafio sério por parte da candidata democrata Hillary Clinton. Ele tem dois grandes problemas. Em primeiro lugar, o Partido Republicano e seus financiadores usuais ainda relutam em aceitar Trump como seu candidato. Alguns dirigentes republicanos recusaram-se a apoiá-lo e outros nutrem por ele sentimento de repúdio. Assim, Trump não pode contar com o Partido Republicano para providenciar fundos, cabos eleitorais ou apoio político.
Em segundo lugar, durante as primárias Trump nunca construiu uma forte organização de campanha com bases sólidas para conseguir votos no dia da eleição. A campanha de Clinton arrecadou US$ 42 milhões, enquanto a de Trump conseguiu somente US$ 1,5 milhão que constitui uma extraordinária e inédita discrepância financeira. Se Trump não tem uma infraestrutura organizativa, Hillary e os democratas podem contar com a Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO, na sigla em inglês), a maior central sindical do país que pode colocar milhões de seus membros para trabalhar na campanha e conseguir os votos necessários para ganhar as eleições.
Finalmente, enquanto Trump continua a fazer campanha do modo como agiu nas primárias, com a mesma retórica racista, para prazer de seus mais incondicionais apoiadores, brancos e masculinos, seus comentários afastam muitos americanos. Por exemplo, ele recentemente atacou os pais muçulmanos de um soldado americano morto no Iraque e, com isso, ofendeu muitos que entenderam que os assaltos verbais sobre o pai e a mulher, que perderam um filho na guerra, foram longe demais. Se Trump continua a cometer tais gafes políticas, restringirá seu apoio político para os brancos de extrema-direita.
Hillary, altamente impopular entre muitos segmentos, enfrenta seus próprios problemas. Alguns apoiadores de Bernie Sanders afirmam que não votarão nela e outros apoiarão Jill Stein, o candidato do Partido Verde, uma legenda independente de esquerda. A pequena extrema-esquerda estadunidense está dividida entre os que apoiam Hillary, os que não a apoiam e os que dizem que se deve ter o foco nos movimentos sociais.
Hillary tem todas as condições de vencer a eleição, mas o apelo de Trump para um bom número de estadunidenses não pode ser subestimado. Sem dúvida, uma vitória dele representaria um giro à direita radical.
Dan La Botz, co-editor de New Politics, newpol.org.