Pedro Henrique Pedreira Campos
As empresas de construção que foram investigadas e punidas na operação são as maiores do país. Essas empreiteiras foram fundadas sobretudo nos anos 1930 e 1940, quando houve o advento de um novo padrão de acumulação de capital no país, deslocado do campo para cidade. O epicentro da dinâmica do capitalismo brasileiro deixou de se dar na matriz primário exportadora e deu lugar ao desenvolvimento calcado no eixo urbano-industrial, com produção dedicada principalmente ao mercado doméstico. Com isso, houve a demanda de uma série de equipamentos de infraestrutura, de modo a fornecer a base desse novo padrão de acumulação. O Estado passou a ser o principal contratador desses empreendimentos, realizando obras públicas na forma de rodovias, usinas de energia etc.
Essas empresas nasceram com uma marca de atuação local e origem familiar. Logo passaram a se organizar em associações e sindicatos. Essas entidades patronais serviam para os empresários atuarem coletivamente contra os trabalhadores da construção civil, de modo a limitar aumentos salariais e a conquista de direitos por parte dos operários. Porém, essas formas organizativas serviam também para uma atuação combinada das empresas no mercado de obras públicas, pressionando pela orientação do Orçamento para as suas atividades e agindo para pautar as políticas públicas e a agenda estatal. Assim, essas entidades atuavam para defender diante da população e do Estado os projetos dos empreiteiros como de interesses gerais da sociedade, produzindo prioridades nas políticas públicas e atuando no sentido de criar necessidades de obras e intervenções na área de infraestrutura.
Se a fundação das principais empreiteiras que atuam hoje no Brasil remonta à emergência do Estado varguista, podemos afirmar que a consolidação e a nacionalização do mercado e de obras públicas se deu no governo Kubitschek (1956-1961). Nesse período, tivemos uma demanda inédita de construção de rodovias por parte do Estado brasileiro, conforme previsto no Plano de Metas. Além disso, as obras da nova capital federal previram muito serviço de engenharia para os empreiteiros, que acabaram se aproximando nesses canteiros, nos quais se reuniam empresas de diversas regiões do país. Assim, data justamente do período JK a fundação das primeiras entidades patronais do setor em escala nacional, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC, fundada no Rio de Janeiro em 1957) e o Sinicon (Sindicato Nacional da Construção Pesada, também formado no Rio, em 1959). A fundação dessas organizações se deu como fruto da nova demanda de obras feita pelo governo federal e também como reação à crescente organização dos operários da construção civil, que exigiam direitos e melhores salários em um ambiente de inflação acelerada.
Alguns empresários da construção civil participaram do golpe de 1964, atuando em organizações como o Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que agiu na desestabilização do governo João Goulart, na preparação do golpe que poria fim à democracia e na elaboração de projetos e políticas estatais que seriam postas em prática na ditadura. O primeiro presidente do Sinicon, o empresário Haroldo Poland, teve uma atuação intensa no Ipes e levou outros empreiteiros a contribuir com o organismo. Ele foi um dos principais agentes civis do golpe empresarial-militar de 1964, tendo estreita relação com militares golpistas, como Golbery do Couto e Silva, e com empresas multinacionais estrangeiras.
Após o apoio de vários empresários do ramo ao golpe, os empreiteiros de obras públicas constituíram alguns dos agentes mais beneficiados pelas políticas estatais implementadas pela ditadura brasileira. Foram beneficiados por medidas como a reserva de mercado no setor de obras públicas, estabelecida por decreto-lei do ditador Artur da Costa e Silva em 1969, num momento em que o Congresso estava fechado. A medida tornava o mercado de obras contratadas pelo governo cativo às empresas brasileiras e se somava a medidas como financiamentos facilitados e isenções fiscais concedidas nos anos 1970. A ditadura também direcionou boa parte do Orçamento público para investimentos, na forma de rodovias, usinas hidrelétricas e outras obras de infraestrutura, em detrimento dos gastos nas áreas de saúde e educação.
Essas políticas fizeram com que a ditadura fosse um momento excepcional para os empresários da construção civil. Suas empresas cresceram como nunca naquele período e assumiram dimensões impressionantes, tornando-se algumas das maiores firmas do país. Não à toa, já naquela época iniciaram um processo de ramificação das suas atividades para outros ramos econômicos e também um processo de internacionalização, com a realização de obras em outros países, processo esse que desde aquela época contava com franco suporte governamental na forma de ação diplomática, financiamentos facilitados e outras garantias assumidas pelo Estado brasileiro.
A ditadura não beneficiou esses empresários apenas nas políticas endereçadas diretamente às construtoras. Também as políticas direcionadas à classe trabalhadora incorreram em favorecimento aos donos dessas empresas. A repressão aos sindicatos, o desmantelamento de centrais e a perseguição a líderes operárias inibiram a organização coletiva e as reivindicações dos trabalhadores. A ditadura promoveu um arrocho salarial que rebaixou custos para os empresários, em detrimento das condições de vida dos operários. Por fim, o Estado brasileiro pouco fiscalizou e puniu empresas que não cumpriam os requisitos básicos de segurança no ambiente de trabalho. Isso fez com que houvesse uma escalada sem precedentes dos acidentes de trabalho no período, muitos deles letais. O Brasil assumiu a liderança mundial nas estatísticas desses acidentes e a construção civil era o setor líder de mortes e operários feridos entre os diferentes ramos econômicos.
Esses empresários souberam fazer a transição para o regime constitucional inaugurado em 1988. Apesar da diminuição do mercado de obras públicas nos anos 1980 e 1990, eles, de forma organizada e muitas vezes coletiva, mudaram suas formas de atuação de modo a manter o peso econômico e político que tinham alcançado durante a ditadura. Assim, se ao longo do regime ditatorial as atenções dessas empresas estavam voltadas para o Poder Executivo e a interlocução com os militares, com a transição política esses empresários ampliaram sua atuação levando-a ao parlamento, aos partidos e à imprensa. Passaram a se colocar como importantes financiadores de campanhas eleitorais e a atuar intensamente na tramitação do Orçamento público, sugerindo emendas parlamentares com projetos de obras. Com essa atuação, os empreiteiros se credenciaram para serem atores decisivos no exercício do poder no Estado capitalista brasileiro com a Nova República.
O poder desses empresários causa uma série de deformidades no Brasil. Ao financiar eleições, juntamente com outros capitalistas, os empreiteiros se colocam como agentes que governam prioridades defendidas pela população brasileira.
Há algo que amedronta imensamente os empreiteiros: a existência de uma empresa pública de obras. Historicamente eles se opuseram a iniciativas nesse sentido, já que uma empreiteira pública poderia executar obras a preços bem mais baixos que as empresas privadas. Poderia também usar material de mais qualidade, tratar melhor os operários e seguir o cronograma traçado, sem pressionar por verbas excepcionais conforme o prazo político da obra. Por fim, uma empreiteira pública poderia atender as demandas efetivas da população brasileira, na forma de obras nas áreas de educação, saúde e saneamento. As empresas públicas brasileiras mostram que o discurso neoliberal é falacioso, pois elas são eficientes e dispõem de excelente quadro técnico.
A esquerda e as forças críticas da sociedade devem discutir o poder dos empresários e a escalada do poder econômico sobre a coisa pública no Brasil. Devem também desenvolver propostas de políticas para o país, de modo a constituir um programa que forneça soluções para os graves problemas nacionais. O momento político forjado pela Operação Lava-Jato propiciou um enfraquecimento político dos empreiteiros. Talvez essa seja justamente a conjuntura mais adequada para se discutir a forma como se realizam as obras públicas no país, com propostas para a questão. A proposição de criação de uma empresa pública de obras públicas pode ser um caminho nesse sentido.