Jean Marc von der Weid
“Agro é tec, agro é pop, agro é cult…”. A mensagem veiculada pela propaganda da TV Globo pode ser resumida em uma frase: agro (entendido não como agricultura em geral, mas como agronegócio) é o máximo! Para não deixar dúvidas no recado as imagens são sempre de extensos campos de monoculturas, mesmo quando a referência é à agricultura familiar. Implícito em texto e imagens está a ideia de que o “agro”, de pequenos ou grandes produtores, tem um único modelo tecnológico: monocultura, adubo químico, agrotóxico, sementes patenteadas e maquinário (colheitadeiras, tratores etc.). Por sua vez, os representantes do agronegócio no Congresso, conhecidos como bancada ruralista, bem como as entidades de classe Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), OCB (Organização das Cooperativas do Brasil) e ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio) apregoam que o agronegócio no mínimo salvou o Brasil da crise econômica do fim dos anos 80 e início dos 90 e é, até hoje, o sustentáculo da nossa balança de pagamentos.
Só para levantar a lebre é bom lembrar que um dos patrocinadores da propaganda da TV Globo é a mesma JBS que recebeu bilhões de empréstimos de pai para filho do BNDES para erguer o império do maior negócio de carnes do mundo e é a mesma empresa que pagou centenas de milhões em propinas a vários governos para receber benesses públicas e ainda foi apanhada na Operação Carne Fraca da Polícia Federal.
O quanto dessa propaganda é verdade? Não há dúvida de que o agronegócio (entendido como grande ou pequena propriedade o agro negocinho idênticas no seu modelo produtivo) representa em média algo entre 35% e 45% do total das exportações brasileiras desde os anos 90. Não por acaso o agronegócio foi chamado de “âncora verde” do Plano Real. Por outro lado, o setor agrícola brasileiro (somando-se agronegócio, agro negocinho e agricultura familiar camponesa, e ainda o setor de insumos agrícolas, o da indústria de transformação e o de mercado, que em conjunto são conhecidos como complexo agro-alimentar) gira em média US$ 300 bilhões por ano ou perto de um terço do PIB. Embora a parte da agricultura familiar camponesa esteja incluída nesta conta, sobretudo pelo seu papel na produção de alimentos, não há dúvida que o agronegócio e o agro negocinho respondem por uma grande parte do volume de produção e do valor produzido pelo setor primário. Entretanto, este sucesso tem que ser relativizado por uma série de fatores que passamos a tratar.
O agronegócio, corretamente, afirma que a forte expansão da produção agropecuária se deve essencialmente à expansão do uso dos chamados insumos modernos: adubos químicos, sementes melhoradas por empresas, agrotóxicos (chamados por eles de “defensivos agrícolas”) e maquinário, incluindo nisto, cada vez mais, a aviação agrícola. O aumento de produção se deu essencialmente pelo aumento do rendimento das culturas e muito pouco pelo aumento de área plantada. Este aumento de rendimento foi espetacular, mas seu ponto de partida eram índices muito baixos, de modo que, apesar do sucesso, os rendimentos das várias culturas do agronegócio só agora (em quase 50 anos do processo de modernização do agro brasileiro) está chegando perto daqueles obtidos pelos nossos concorrentes americanos, argentinos ou europeus. Esta evolução não é diferente daquela vivida pelos nossos concorrentes, apenas eles começaram a modernização mais cedo, logo após a Segunda Guerra Mundial.
O Brasil já começa a esgotar a capacidade de manutenção das altas taxas anuais de aumento de rendimento das suas principais culturas “modernas”, tal como se deu nos EUA e na Europa, que hoje têm taxas de crescimento da ordem de 1% ao ano, abaixo do índice de crescimento de suas populações. Para manter e expandir os índices de rendimento crescentes, o agronegócio está aplicando cada vez mais adubos químicos e nos tornamos recordistas mundiais no uso de agrotóxicos. O uso maciço de sementes de variedades transgênicas não melhorou o rendimento da soja, do algodão ou do milho, mas foi um dos responsáveis pela explosão no uso de agrotóxicos. O aumento exponencial do uso de adubos químicos e agrotóxicos, motor do sucesso do agronegócio, tem sido também o calcanhar de Aquiles deste processo. Como os próprios líderes do agronegócio indicam, os custos destes produtos crescem de forma exponencial, enquanto o rendimento das culturas aumenta em ritmo cada vez mais baixo e os preços dos produtos crescem de forma aritmética. O resultado é que os lucros do agronegócio vão ficando menores e cada vez mais aumenta a parcela de ganhos das indústrias de insumos.
A verdade é que as matérias primas para a produção destes insumos potássio, fósforo, gás e petróleo vão se tornando cada vez mais escassas e caras, apontando para o momento em que sua decrescente disponibilidade vai tornar todo o agronegócio, aqui e no resto do mundo, inviável. Do ponto de vista da nossa capacidade de competir no mercado internacional isto não é um problema imediato, porque estes custos crescentes dos insumos afetam todo o agronegócio do mundo. Na verdade, o que tem ajudado mais a nossa competitividade são as taxas favoráveis de câmbio, que compensam os altos custos de transporte e armazenamento das safras brasileiras.
De modo geral, não dá para glorificar um processo de desenvolvimento que faz da produção primária agropecuária um fator tão importante na nossa balança comercial. Se somarmos a este setor as exportações de minérios, mais da metade das nossas exportações não tem qualquer agregação de valor. Mais ainda, a pauta de exportações do agronegócio está ultra concentrada no complexo soja, sobretudo da soja em grão sem qualquer beneficiamento.
A contrapartida desta expansão do agronegócio exportador foi a perda de espaço para produtos dirigidos para o mercado interno. Até a crise iniciada em 2015, as importações de alimentos no Brasil cresceram até 20% ao ano e hoje o abastecimento interno em feijão, arroz, trigo, alho, laranja e banana (para citar apenas os mais importantes) depende de compras até da China e da Tailândia. Embora não haja desabastecimento, estas importações pesam nos custos ao consumidor, pois as taxas de câmbio favorecem a exportação. Apesar dos preços dos alimentos oscilarem muito ao longo de cada ano, e de ano para ano, a pressão sobre a inflação é notória ao longo do tempo. Este quadro tende a se tornar mais ameaçador pela tendência de longo prazo de aumento dos preços dos alimentos em todo mundo, afetados pelos custos já mencionados dos insumos e pelos efeitos cada vez mais intensos do aquecimento global sobre a produção agropecuária.
Na avaliação deste proclamado sucesso do agronegócio não se pode deixar de incluir o imenso custo, em recursos públicos, que serviram para alavancar o processo de adoção do modelo agroquímico e motomecanizado de produção. Na década de 70 a ditadura militar financiou a chamada “modernização da agricultura brasileira”, através de uma combinação de créditos subsidiados quase a fundo perdido para compra de adubos, agrotóxicos, sementes e máquinas, pesquisas para adaptar o modelo às condições brasileiras e assistência técnica, além de investimentos em infraestruturas de armazenamento e transporte. As pesquisas da Embrapa, com fundos públicos, continuaram a prestar grandes serviços ao agro negócio até hoje, enquanto a assistência técnica passou a se dirigir essencialmente para trazer a agricultura familiar para o mesmo modelo produtivo.
Já o crédito subsidiado minguou nos anos 80, caindo de R$ 100 bilhões para R$ 50 bilhões por ano nos últimos 30 anos. A demanda de crédito cresceu muito no período, pois só em grãos a produção mais que dobrou e o que não se conseguiu com o Estado passou a ser oferecido sobretudo pelas empresas de fornecimento de insumos, em particular as empresas produtoras ou comercializadoras de adubos.
Apesar de ter diminuído o papel do Estado no fornecimento de crédito, ele ainda é significativo, sobretudo para os investimentos, gerando uma dívida do agronegócio que foi objeto de inúmeras anistias totais ou parciais e renegociações de débitos. Apesar de todas essas medidas de apoio (quase que uma a cada ano desde os anos 90), a dívida do agronegócio está hoje na casa dos R$ 250 bilhões. Segundo os cálculos da Procuradoria Nacional da Fazenda Federal, em 2015 havia pouco mais de quatro mil pessoas físicas e jurídicas proprietárias de terras com dívidas superiores a R$ 50 milhões, totalizando quase R$ 1 trilhão em impostos devidos. Entre dividas de créditos não pagos, apesar das múltiplas concessões feitas pelo Estado, e aquelas resultantes de impostos não pagos, o agronegócio está longe de ser um setor saneado financeira mente e é hoje totalmente dependente de recorrentes favorecimentos do governo federal. Esta conta não inclui todos os investimentos públicos (reconhecidamente insuficientes) em infraestrutura de transporte e armazenamento assumidos por sucessivos governos nos últimos 30 anos.
Os governos FHC, Lula e Dilma ainda fizeram um enorme esforço para trazer a agricultura familiar para este modelo falido, com crescentes concessões de crédito (e anistias e renegociações de dívidas) que tornaram este setor altamente vulnerável, com um número ainda não identificado de casos de falências e abandono da atividade.
Frente a este balanço, o que se pode dizer é que o modelo do agronegócio e do agro negocinho não é sustentável. Sobrevive com gastos públicos permanentes e não garante a segurança e a soberania alimentar dos brasileiros. Vai ser preciso um enorme esforço para superá-lo para se chegar a um processo sustentável, que a prática tem mostrado ser o da produção agro ecológica. Não há espaço neste artigo para demonstrar o quanto a agroecologia responde a todos os fatores que hoje vulnerabilizam a produção agro pecuária brasileira, dos pontos de vista econômico, ambiental e social, mas os exemplos não faltam, indicando este caminho como o mais adequado para o Brasil. Vai ser preciso lutar contra a ofensiva do agronegócio, que pretende ainda maiores vantagens para manter seus lucros à custa de recursos públicos e do comprometimento das gerações futuras de brasileiros.