Jane Barros Almeida
O livro de José Luiz Del Roio, A greve de 1917: os trabalhadores entram em cena, é uma importante contribuição para aqueles (as) que lutam e aprendem com a história, de modo a não dissociar teoria e prática. Sobretudo num contexto de centenário da Revolução Russa, e da primeira greve geral, sob uma grave crise orgânica vivenciada na sociedade brasileira. Resgatar a memória de luta da classe trabalhadora é condição para pensar o hoje. O “esquecimento político” não nos serve, já que é dotado de intencionalidade daqueles que contam a história, e necessitam mascarar a realidade para manter o modelo vigente de sociedade.
Um importante esforço foi despendido para contextualizar São Paulo e a construção da classe operária paulistana: desde a escravidão, a imigração europeia, até o processo de urbanização e industrialização, no qual a população de São Paulo cresceu vertiginosamente de 65 mil moradores em 1890, para mais de meio milhão de habitantes em 1917. A construção da classe combinou elementos do racismo e da ideologia do branqueamento, assim como refletiu a pressão do capitalismo internacional para a construção de mercado consumidor. Mas, para além das questões objetivas, Del Roio nos atenta para a contribuição no sindicalismo revolucionário, mais precisamente do anarcosindicalismo para a organização da luta operária no início do século XX.
Na caracterização do processo de construção da classe operária, Del Roio não se furtou a um olhar atento e cuidadoso acerca do debate gênero.
Um esforço em trazer ao centro a história das mulheres operárias, assim como a compreensão do seu “apagamento” histórico, fruto do patriarcado. Ou seja, um cuidado em não analisar a construção da classe de modo mecânico e superficial, romântico por vezes, capaz de mascarar importantes processos históricos.
Analisar a greve de 1917 não teria sido possível sem os elementos apontados anteriormente por Del Roio. A construção da greve, a mobilização dos (as) trabalhadores (as) e a articulação de solidariedade entre os ofícios e fábricas foram ingredientes importantes para a vitória de 1917. A análise do território, dos bairros da Mooca e Brás, assim como o intenso papel da imprensa operária, auxiliou na construção e na compreensão do processo de luta. Vitória está conquistada a duras penas, mortes, retaliações e perseguições de lideranças, revelando o quanto a criminalização dos que lutam e dos movimentos é parte estruturante do sistema capitalista.
Por fim, de modo respeitoso, capaz de revelar o compromisso militante, José Del Roio aponta elementos de balanço com o objetivo de analisar os acertos e limites cometidos pelos trabalhadores, sobretudo sua liderança anarcosindical, ao subestimar o papel da luta política, o papel do Estado, a dimensão tática das eleições, do sufrágio, e a disputa dos trabalhadores pela hegemonia operária. Isso sem deixar de apontar a grande contribuição para a construção de um movimento sindical que passa a ser “estruturado por categorias profissionais, e não por ofício”, possibilitando condições para o surgimento do debate sobre partido, ligado aos interesses dos trabalhadores, além de garantir liberdade sindical, aumento salarial de 20% e eliminação do trabalho infantil e do trabalho feminino no turno da noite.
Sem dúvida, uma luz em tempos de ataques aos direitos trabalhistas e as contrarreformas de um governo ilegítimo, ao nos relembrar do que a classe trabalhadora já foi capaz e do que ainda somos para transformar a história.