Saímos da eleição de nossas vidas com uma vitória histórica do povo, da esquerda, das forças populares contra o projeto de avanço do fascismo no Brasil. Impor uma derrota a um candidato com a máquina do Estado em mãos e que, inclusive, a utilizou muito numa tentativa de forçar a todo custo sua reeleição é indiscutivelmente uma vitória a ser comemorada. Uma vitória da esperança de dias melhores contra o projeto de destruição da vida, uma vitória da civilização contra a barbárie. E a nossa vitória só foi possível porque o candidato era Lula. O resultado eleitoral demonstra que qualquer outro candidato, mesmo do PT, não teria conseguido vencer Bolsonaro!
A eleição de Bolsonaro em 2018 já nos custou mais de meio milhão de mortos na pandemia enquanto seu ministro da saúde fazia de cidades como Manaus, laboratório para testar “imunidade de rebanho”, conforme apontam denúncias e provas apresentadas à CPI da Covid-19. Dentre outros fatores, Bolsonaro foi resultado do cálculo golpista de 2016 orquestrado pela direita tradicional. Na tentativa de voltar ao poder, construiu um golpe de alicerce triplo: o impeachment de Dilma, a prisão injusta e ilegal de Lula e o impedimento de sua candidatura à presidência em 2018. A direita tradicional foi ao esgoto da humanidade e deu musculatura a extrema-direita fascista, na expectativa de assumir o controle dos rumos do país. Acontece que a extrema-direita não se domestica e não se controla e as eleições de 2022 evidenciaram isso.
Para o projeto de reconstrução do país temos desafios de longo e curto prazos. Primeiramente, o voto depositado em Lula é o voto para tirar o país do mapa da fome, é o voto da dignidade, do aumento real do salário-mínimo, contra o aumento da precarização da classe trabalhadora que viu crescer o desemprego e cair sua renda. No caminho temos um orçamento cooptado pelo Congresso Nacional, cheio de buracos que dizem não caber a sociedade e uma bomba-relógio de conflito distributivo. Não podemos nos enganar, se não dermos respostas materiais e objetivas nos primeiros anos do mandato de Lula, a disputa da sociedade se acirrará a favor da extrema direita, como vem acontecendo ao redor do mundo em cenários similares ao que vivemos no Brasil.
No longo prazo, temos que construir um novo projeto econômico de superação do modelo agro-exportador aprofundado principalmente na região centro-oeste, mas que expande suas bordas. O modelo agro-exportador além de atrasado quando olhado pela ótica da inserção da economia brasileira na cadeia global de produção, gerou perda de postos de trabalho, polarização através da queda da renda do trabalho para muitos e aumento da renda do capital para poucos, fome para o povo, além da destruição dos nossos biomas e ataques contra os povos indígenas com a boiada passada por Bolsonaro.
Apesar de vitorioso, o resultado eleitoral mostra uma profunda divisão no Brasil. Pela complexidade da realidade cabe a nós aqui o exercício de aferir os caminhos abertos de disputa que levam ao avanço da classe trabalhadora e qual o papel do PSOL, o nosso papel, para construir essas vias.
O governo Lula que iniciará em 2023 é muito diferente do que começou em 2003. Diferente do passado, hoje temos um líder da extrema direita derrotado nas urnas, mas com forte capacidade mobilizadora nunca antes vista na história da Nova República. Temos um governo em disputa, pela direita liberal, encabeçada principalmente pelo mercado financeiro e mídia dominante tradicional; pelo centrão, demarcada principalmente pela participação de Tebet e Kassab; pela esquerda que corretamente apostou e construiu essa candidatura desde o primeiro turno; e vigiado pela extrema direita que está e estará mobilizada disputando as ruas. A bomba do conflito distributivo permite um espaço menor de conciliação de classe.
Há uma profunda transformação e reestruturação produtiva no Brasil que reduziu o peso do trabalho assalariado, acabando com as concentrações operárias, atomizando e fracionando o trabalho. As mudanças no tecido social estão mais aceleradas e a identidade da classe trabalhadora, com sua base social cada vez mais líquida, passa a se dar a partir dos territórios.
Não é só o governo que está em disputa, a sociedade é que está e é para esta que tem que estar voltado o nosso olhar. Lula se elegeu com o voto feminista, de negras e negros, da juventude trabalhadora, das LGBTQIA+, dos ambientalistas, artistas, evangélicos progressistas, com destaque para a região do Nordeste e das periferias dos centros urbanos do país.
Estamos diante de um salto de qualidade e crescimento do PSOL. Não podemos nos enganar acreditando que um eventual fracasso do novo governo que se inicia cria as condições necessárias para disputarmos a sociedade. Um eventual fracasso do governo Lula cria as condições para o ressurgimento de uma extrema direita com mais força. Tampouco podemos nos conformar em observar as disputas do novo governo como se não fossemos capazes o suficiente de dar as respostas à realidade colocada. Se não houve espaço para uma terceira via, menos ainda para uma tentativa por fora do governo.
A tática do PSOL ao apostar na unidade do campo progressista ao redor da candidatura de Lula se mostrou correta. Se na campanha acertamos ao localizar o PSOL como o pólo de esquerda dentro do campo, agora, com uma sociedade dividida, mais do que nunca temos o dever de ser a esquerda mobilizadora e capaz de disputar o governo por dentro e pelas ruas, para defender os interesses da classe trabalhadora.
Também é papel do PSOL pressionar por dentro para que as promessas de campanha sejam colocadas em prática. O PSOL saiu desta eleição com o parlamentar de esquerda mais bem votado da história e com uma bancada parlamentar federal maior e mais diversa. Nosso partido vai se consolidando como principal alternativa de esquerda e isso é resultado de uma política acertada construída na sua história recente. Não podemos nos dar o privilégio do conforto de ser apenas um partido de bons parlamentares que combatem a extrema-direita no congresso. Para enfrentar os desafios que a disputa de poder real nos impõe é necessário sair da zona de conforto, e encarar as contradições rejeitadas por posições tímidas, mas que, em nome de uma “independência”, não se importa em contrariar aquele que realmente deve nos guiar, o povo. É isso que o campo progressista e a sociedade de modo geral esperam de nós.
Teremos que lutar pela revogação do teto de gastos, disputar o orçamento público, avançar em uma reforma tributária progressiva, pela valorização real do salário-mínimo, pela vida digna das mulheres, negros e negras, população LGBTQIA+ e da juventude trabalhadora, por uma política de moradia e reforma urbana e pela revogação de medidas que atacam diretamente os povos originários e aprofundam a crise climática. É iniciativa do PSOL o “REVOGAÇO”, que apresenta vinte eixos, com medidas que devem ser revistas para reconstrução de um Brasil mais justo e igualitário. Essa luta passa por uma disputa de políticas públicas por dentro do governo, o que não significa abandonar as ruas ou esvaziar os movimentos sociais, pelo contrário, devemos manter as ruas mobilizadas em defesa das promessas vitoriosas nas urnas. É isso que os combativos movimentos sociais, próximos ao nosso partido, esperam de nós!
Só conseguiremos dialogar e disputar a sociedade ampliando nossas bancadas em unidade com Lula. Nossa tarefa colocada aqui é disputar o governo Lula eleito em 2022, permitindo que o PSOL dialogue com mais setores da sociedade, ser base de seu governo nos espaços legislativos, a fim de isolar o bolsonarismo; a conjuntura que vivemos não permite espaço para uma “terceira via de esquerda”.
Em momento algum abaixamos nossas bandeiras durante a campanha e isso resultou em vitórias eleitorais. Precisamos transformar em saldo político para criar as condições para um novo ciclo de lutas. O PSOL não deve se amedrontar diante do peso da tarefa que tem à frente. Cruzar os braços não faz parte da história de quem sempre lutou de punhos cerrados.
Revolução Solidária