A barbárie climática de Donald Trump

Por Jorge Lefevre Tavárez e Manuel Rodriguez Banchs*

Da nova presidência de Donald Trump, podemos esperar tanto uma continuidade quanto uma ruptura com relação às políticas ambientais dos últimos quatro anos sob a presidência de Joe Biden e do Partido Democrata. Não se deve esquecer que parte da explicação para o triunfo de Trump está na incapacidade do Partido Democrata de se apresentar como uma alternativa ao cenário atual dos Estados Unidos, e isso inclui a questão ambiental. A alternativa eleita, entretanto, é a face mais bizarra das contradições dessa sociedade.

Não há dúvida de que Donald Trump continuará com a política nociva do fracking, que o governo de Joe Biden defendeu e que, para surpresa de muitos, Kamala Harris pretendia continuar¹. Veremos a mesma continuidade nos planos de renovação da exploração de minérios, como parte da competição interimperialista com a China para dominar o mercado desses recursos.

O fracasso do Partido Democrata em promover e aprovar um Green New Deal talvez seja o momento mais dramático de suas limitações e de Joe Biden em relação ao meio ambiente. O Green New Deal envolvia um investimento estatal de vários bilhões de dólares que buscaria reavivar a economia dos EUA em um modelo diferente, com limitações é claro, mas que reduziria a atual lacuna metabólica entre os seres humanos e seu ambiente. Diferentemente do discurso empresarial dominante, ele propunha um projeto econômico que cuidaria do meio ambiente e criaria um grande número de empregos. A proposta, é claro, embora significasse um passo à frente nas lutas ambientais, está longe de se assemelhar a um programa de transição ecossocialista. A lógica subjacente ainda era a do capital, na qual os “lucros verdes” possibilitariam o desenvolvimento econômico e a criação de “empregos verdes”². Esse projeto de lei, que ressoou tão fortemente na primeira metade do governo Biden, não foi aprovado e mal foi tema de campanha em 2024, o que explica em parte a perda de apoio do partido.

Mas a presidência de Donald Trump, é claro, não só acentuará a destruição ambiental, como também a fará em um tom que embute delírios fascistas e eco-genocidas: barbárie ambiental está retornando à Casa Branca. Trump, por exemplo, já manifestou sua intenção de se retirar do Acordo de Paris, que, embora insuficiente³, representou um avanço em relação às metas ambientais da “comunidade internacional”. Agora, em vez de ignorar a crise climática, como fez Biden, o governo Trump a negará, como fez em sua primeira presidência, chamando-a de “mentira chinesa”, com o objetivo de tornar os Estados Unidos mais competitivos. Ainda não se sabe, por exemplo, o que acontecerá com as instituições ambientais federais, como a Agência de Proteção Ambiental, que ele já prometeu fechar.

Seu negacionismo climático, em parte, explica seu anti-intelectualismo, que inclui a eliminação do Departamento de Educação e uma campanha para impor altos impostos às universidades privadas dos Estados Unidos para criar uma “Academia Americana” virtual e fraudulenta que substituiria a atual estrutura de diplomas universitários. Dessa forma, as universidades parariam de criar “comunistas e terroristas”, “simpatizantes do jihadismo” – nas palavras de Trump. Mesmo as universidades produtoras de elite, como Harvard, mencionada nominalmente em seu discurso, não são poupadas do ataque à educação⁴. Na Flórida, forças republicanas de extrema direita já colocaram em xeque a liberdade acadêmica em universidades públicas e, embora os EUA não tenham universidades “federais”, apenas “estaduais”, isso pode ser ser replicado de outras formas sob a nova presidência.

Sob o governo Trump, a mineração de terras raras provavelmente assumirá um caráter ainda mais imperialista do que sob Biden. Uma leitura cuidadosa do Projeto 2025, o programa de políticas elaborado pela Heritage Foundation e que o governo de Donald Trump parece que seguirá de perto, pode até levar à conclusão de que é esse interesse que dá um novo significado à posse de colônias pelo governo dos EUA, bem no século XXI, e a novas incursões invasivas. Em Porto Rico, por exemplo, uma colônia sob a máscara legal de “território não incorporado”, há uma séria ameaça de retorno da proposta de mineração a céu aberto, que as lutas ambientais conseguiram impedir até agora⁵⁶. Desde a imposição, durante o governo democrata de Barack Obama, de um Conselho de Controle Fiscal ditatorial que controla a economia e as políticas públicas de Porto Rico, existe o perigo de uma nova campanha de mineração. Trump pode dar início a um novo período nessa tentativa.

O poder destrutivo de Trump, evidentemente, vai além de sua política especificamente voltada para o meio ambiente. O fato de ele poder nomear um juiz da Suprema Corte durante sua presidência, por exemplo, limitará ainda mais os poucos recursos legais que as lutas ambientais têm para impedir projetos de desenvolvimento. Os ataques ao sindicalismo também terão consequências indiretas importantes para o meio ambiente. Em um momento em que o sindicalismo dos EUA está se renovando e começando a assumir demandas ambientais, não há dúvida de que a agressão será feroz.

Pelo menos um primeiro movimento já está em andamento, liderado por Elon Musk – da SpaceX, Tesla, X, e agora integrante do gabinete proposto por Trump para chefiar o recém-inventado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) – e Jeff Bezos – CEO da Amazon – que estão argumentando a inconstitucionalidade do National Labor Relations Board (NLRB), a agência que supervisiona a organização sindical e a aplicação de leis e acordos no setor privado. Embora o argumento jurídico seja fraco, uma Suprema Corte republicana e trumpista poderia fazer aprovar qualquer decisão contra a agência, cujas possíveis consequências ainda estão sendo debatidas.

A situação imediata, que inclui uma legislatura dominada pelos republicanos, embora seja o pior resultado eleitoral que se poderia esperar, não deve levar ao derrotismo. Embora o ataque ao movimento operário seja agressivo, também é verdade que o movimento operário está em uma posição melhor do que no início da primeira presidência de Trump, dadas as campanhas de organização bem-sucedidas em vários setores e as reformas alcançadas em sindicatos históricos, como o United Auto Workers. O mesmo pode ser dito do movimento socialista, ainda fraco e heterogêneo, mas mais bem organizado do que em 2016. O crescimento do Democratic Socialists of America, o desenvolvimento de caucuses internos, como Reform & Revolution e Bread & Roses, bem como diversos projetos políticos, como Solidarity, Socialist Action, Tempest e Socialist Alternative, demonstram um quadro de potencial crescimento e oportunidade.

A perspectiva é sombria, mas nem tudo está perdido. A primeira presidência de Trump levou a um aumento na organização política e sindical. Os movimentos feministas realizaram mobilizações históricas durante a primeira presidência de Trump; com os ataques que estão por vir, essas mobilizações serão necessárias. Da mesma forma, para deter os ataques que já começaram contra a comunidade LGBT+ e os imigrantes. A conjuntura exige um crescimento qualitativamente maior. As lutas ambientais continuam sendo, nos Estados Unidos e em todo o mundo, um catalisador em potencial para que grandes setores da sociedade assumam posições anticapitalistas e façam crescer o internacionalismo.
___________________________
¹ Emma Brown, “Harris says she won’t ban fracking. What to know about the controversial topic”. https://www.npr.org/2024/08/30/nx-s1-5096107/what-is-fracking-explained

² Sobre essas limitações, recomendamos “Decarbonisation and decolonisation. The Green New Deal and Puerto Rico”, de Rafael Bernabe, especialmente a seção ‘The two souls of the Green New Deal’. Em https://www.momentocritico.org/post/descarbonización-y-descolonización-el-green-new-deal-y-puerto-rico-i

³ Daniel Tanuro, Frankenstein in the White House. Trump and the global interregnum, pp. 78-81.

⁴ Donald Trump, “The American Academy”. https://www.donaldjtrump.com/agenda47/agenda47-the-american-academy

⁵ Neftalí García Martínez, “Oro, plata y otros minerales son rastreados por avionetas en Puerto Rico”.Em https://prensasincensura.com/2024/05/09/minerales-estrategicos-y-tierras-raras-rastreados-por-avionetas-en-puerto-rico/

⁶ Jorge L. Colón, Félix Córdova Iturregui e José Córdova Iturregui, J. El proyecto de explotación minera en Puerto Rico (1962-1968): Nacimiento de la conciencia ambiental moderna, Ediciones Huracán: Río Piedras, 2014.

*Integrantes da Comissão Política da Democracia Socialista de Porto Rico.

**Texto publicado na edição 3 da revista Jatobá.

***Tradução: Bruno Magalhães

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