Albanise Pires
Neste sentido, a reorganização da esquerda não pode ser um exercício que tome o pós-petismo ou o pós-lulismo como a única ou mesmo como a maior referência no debate. Dizer que a chegada do PT ao poder foi insuficiente para afirmar as teses fundacionais da esquerda enquanto categoria política é muito pouco. Talvez o mais acertado seja dizer que o PT no poder reforçou, por opção e não por imposição da realidade, o cenário estrutural de crise dos caminhos das esquerdas no âmbito global.
É perceptível que toda a organização da esquerda da era industrial entrou em fadiga. O sindicalismo tradicional, por exemplo, como carro-chefe das bases sociais que questionavam o status quo e o modo de acumulação do capitalismo, perdeu força e protagonismo. Algumas das perguntas centrais para se pensar hoje um processo de reorganização são: “Que sujeito ou sujeitos sociais ganharam centralidade e perspectiva de protagonismo?”; “que sujeitos vêm perdendo essa centralidade?” e “onde e como esta centralidade acontece?”. Este debate nos remete à dinâmica do processo civilizatório e da própria modernidade, sobretudo naquilo que concerne à sobreposição das camadas do direito ao longo deste processo. O mínimo ético das sociedades, que se materializa no direito na seara das leis jurídicas, avança para diferentes campos, como o terreno das lutas ambientais e do meio ambiente como sujeito de direitos; dos direitos dos animais; dos direitos urbanos e do direito à cidade; dos direitos à livre orientação sexual e ao livre exercício das identidades de gênero e raça, entre outros.
se sido congelado. Trata-se da ideologia do patriarcado, do machismo como algo estruturante da sociedade opressora e que submete o gênero feminino a condições inaceitáveis de desigualdade. A maior visibilidade das condições de desigualdade vivenciadas pelas mulheres tem colocado o feminismo em relevo e evidenciado um flagrante e muitas vezes violenta reação do machismo, que se potencializa com a exposição nas redes sociais digitais. A misoginia, estruturada em forma de cultura, ocupa a cena pública e dá forma a um conservadorismo que, simultaneamente, reage e se torna proativo, tornando a luta feminista uma condição incontornável na utopia por uma sociedade emancipada.
Organizar as mulheres, portanto, não é mais uma opção e sim uma imposição da realidade, pois somos a encarnação da luta emancipatória no mundo do trabalho opressor e duramente alienante, que nos obriga a duplas e triplas jornadas e onde a insuficiência de creches nos confere uma condição de subcidadania. Vivemos, ainda, uma situação cruel de insegurança, diretamente expressa sobre nossos corpos por meio da violência, do assédio e do estupro, realidades ainda cotidianamente presentes na vida das mulheres. A criminalização do aborto é outra face desse contexto, funcionando como uma criminalização específica de gênero.
A necessária resistência das mulheres a esta cruel realidade faz da luta feminista um dos elementos centrais e protagonista principal no processo de reorganização da esquerda nesta primeira metade do século XXI. E isto nos faz ter a certeza de que qualquer processo de reorganização da esquerda só acontecerá com a participação decisiva das mulheres como protagonistas políticas deste processo.