Pedro Luiz Tauil
Das doenças atualmente transmitidas pelo Aedes aegypti no Brasil, dengue, febre chikungunya e zikavirose, a dengue é a principal doença reemergente do mundo. Reemergentes são as doenças que nos últimos anos vêm aumentando sua incidência e/ou vêm se apresentando sob formas clínicas mais graves.
Cerca de 2,5 bilhões de pessoas estão expostas ao risco de transmissão dessas doenças em países tropicais e subtropicais da Ásia, África e América. A sua transmissão é fundamentalmente urbana e diurna.
Dengue é uma doença infecciosa aguda, que se apresenta com febre alta, acima de 38º C; com muita dor de cabeça, principalmente atrás dos olhos; dores articulares e musculares; podendo ter também uma vermelhidão na pele. Nas suas formas mais graves, pode haver hemorragias múltiplas, pelo nariz, boca, intestino e pele; derrame pleural, peritonial e pericárdico; queda de pressão arterial, choque e mesmo levar à morte. Seu agente etiológico é um vírus do gênero Flavivirus. As primeiras referências de sua ocorrência datam de 1779/80, na Ásia, África e América do Norte. No Brasil, há relatos de 1846 no Rio de Janeiro; 1852 e 1916 em São Paulo; 1923, em Niterói e 1981/82, em Boa Vista, Roraima. Em 1986, ocorreu uma grande epidemia no Rio de Janeiro. Desde então, o país vem registrando anualmente casos da doença, atingindo já todas as unidades da federação.
A febre chikungunya é também uma doença infecciosa aguda, mas que pode se cronificar, caracterizada por febre alta e dores intensas em múltiplas articulações, que numa proporção de casos pode durar de meses até anos, reduzindo a capacidade dos indivíduos afetados para realizarem suas tarefas habituais. São raros os casos de óbito. Seu agente etiológico é um vírus do gênero Alphavirus. Descoberta no início da década de 1950, o vírus foi isolado de um paciente febril no atual território da Tanzânia. Em 1954, sua presença foi confirmada na Ásia, em um surto nas Filipinas e, posteriormente, em outros países, como Tailândia, Índia e Paquistão, sempre com apenas casos esporádicos ou em pequenos surtos. Reemergiu em 2005, passando a causar grandes surtos de doença humana na Ásia, África e ilhas do Oceano Índico. Essa emergência deveu-se, provavelmente, a uma adaptação genética do vírus aos vetores da região. Em 2007, houve um surto na Itália, transmitido pelo mosquito Aedes albopictus. Chegou nas Américas em 2013, em ilhas do Caribe, e no Brasil, em 2014.
A zikavirose, por seu lado, é também uma doença infecciosa aguda, podendo apresentar febre baixa, dores musculares e articulares e uma vermelhidão pelo corpo, com muita coceira. Pode apresentar complicações na sua evolução, que é, na grande maioria dos casos, benigna. As principais complicações detectadas têm sido para o lado do sistema nervoso, apresentando a síndrome de Guillan-Barré, também presente na evolução de outras doenças infecciosas. Por outro lado, há fortes evidências de que a infecção pelo vírus Zika, no início da gestação, pode acometer o desenvolvimento neurológico dos fetos, levando a um quadro grave de microcefalia. Seu agente etiológico é um vírus do gênero Flavivirus, que foi isolado em 1947 numa floresta de Uganda, de nome Zika, em macacos Rhesus. Foi isolado em seres humanos em 1954, na Nigéria e sequenciado genomicamente em 2006. Em 2007, houve um surto da doença na Ilha Yap (Micronésia) e em 2013, uma epidemia nas Ilhas Polinésias Francesas. Em 2014, ocorreu um surto na Ilha de Páscoa (Chile) e em 2015, a doença foi diagnosticada pela primeira vez no Brasil.
O mosquito vetor é atualmente o único elo vulnerável da cadeia epidemiológica para redução da transmissão da dengue, da febre chikungunya e da zikavirose, pois ainda não há tratamento etiológico antiviral específico, nem vacinas efetivas e seguras disponíveis. O Ae. aegypti é o principal vetor, porém há outros mosquitos, principalmente do gênero Aedes, que também podem transmitir essas doenças. No final dos anos 1950 e princípios dos anos 1960, para evitar a transmissão da febre amarela no seu ciclo urbano, no qual o Ae. aegypti é também o seu vetor, o Brasil e mais 17 países das Américas eliminaram esse mosquito dos seus territórios. Porém, a partir de países que não lograram êxito nessa campanha, todos os países, com exceção do Chile continental e do Canadá, estão enfestados.
Por que dengue, febre chikungunya e zikavirose reemergiram? Ainda não são conhecidos todos os fatores responsáveis por essas reemergências, porém, não há dúvida de que o aumento da densidade de infestação pelo Aedes aegypti é um dos principais.
E por que houve esse aumento da densidade de infestação pelo Ae. aegypti? Vários fatores podem ser apontados: 1. Migração rápida e intensa rural-urbana, após a II Guerra Mundial, com aumento da densidade populacional em áreas urbanas; 2. Sistemas inadequados de habitação, suprimento de água e destino de dejetos de grande parte dessa população urbana; 3. Aumento de produção de embalagens não-biodegradáveis e descarte inadequado de resíduos sólidos; 4. Aumento do número e da frequência de viagens marítimas e aéreas; 5. Aumento da produção de veículos automotores, com destino inadequado de pneus usados; 6. Ausência ou inefetividade de programas de controle vetorial Além desses fatores citados, o Brasil enfrenta uma situação grave em termos de urbanização: em média, mais de 85% da população é urbana, sendo este percentual maior na região sudeste; e 20% da população de médias e grandes cidades vive em favelas, invasões, mocambos ou cortiços, onde as condições de habitação e saneamento (abastecimento regular de água e coleta regular de lixo) são bastante precárias, favorecendo a proliferação do mosquito vetor. Associa-se a isso, a complexidade da vida urbana, pelo problema da segurança e acesso às habitações para inspeção sanitária e a dificuldade da prática da fiscalização do grande número dos chamados pontos estratégicos para o controle da proliferação dos mosquitos, que incluem borracharias, depósitos de ferro velho, terrenos baldios, áreas públicas e cemitérios. A mão de obra tem sido considerada em número insuficiente e com instabilidade empregatícia, resultando baixa cobertura domiciliar, alta rotatividade e baixa qualidade de trabalho. A tudo isso associa-se o aparecimento de resistência do vetor aos larvicidas e inseticidas disponíveis atualmente.
O controle efetivo das doenças transmitidas pelo Ae. aegypti exige inovações para seu aprimoramento. Há necessidade de técnicas diagnósticas laboratoriais mais rápidas e simples, vacinas protetoras eficazes e seguras, tratamentos antivirais, novos larvicidas e inseticidas para superar a resistência do mosquito aos atuais e medidas de controle vetorial mais efetivas. Entre estas, estão em desenvolvimento a técnica australiana de substituição dos mosquitos Ae. aegypti, por outros infectados com a bactéria Wolbachia, que impedem que os mosquitos transmitam os vírus; a técnica inglesa dos mosquitos transgênicos, que permitem uma supressão da espécie e os mosquitos irradiados, que também levam a uma supressão da espécie, pelos machos estéreis. Todas essas inovações já estão sendo testadas em vários países, inclusive aqui no Brasil.
Pedro Luiz Tauil é Professor Colaborador Voluntário da Faculdade de Medicina da UnB