Clarissa Maçaneiro Viana
Em seu primeiro pronunciamento oficial como presidente da República, em 31 de agosto de 2016, Michel Temer, o ilegítimo, já apresentava a defesa de mudanças nas normas trabalhistas sob o argumento de “modernização” destas com vistas à geração de novos empregos e garantia dos atuais.
A demanda do empresariado pela aplicação de uma contrarreforma trabalhista, a qual, junto da famigerada reforma da Previdência, consiste em uma das agendas prioritárias do atual governo, localiza-se dentro de um quadro maior de transformações no mundo do trabalho que ocorre no Brasil a partir dos anos 1980.
O complexo de reestruturação produtiva, combinado com a mundialização do capital, a financeirização das riquezas e o surgimento do neoliberalismo, é parte integrante de uma nova temporalidade histórica do capital que surge em resposta à crise da década de 1970. Fazem-se presentes modificações organizativas e simbólicas para a intensificação do trabalho e o aumento da taxa média de lucro, com vistas a recompor os índices de valorização do capital em um contexto de crise do investimento produtivo.
A chamada quarta revolução tecnológica, com a constituição das novas tecnologias de informação e comunicação, junto das inovações organizacionais e do surgimento do toyotismo, traz efeitos bastante visíveis na morfologia da classe trabalhadora. Ocorre uma progressiva redução do proletariado industrial, herdeiro da era da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista, que proporcionava empregos estáveis e especializados, em prol do aumento de ocupações mais desregulamentadas, com altos índices de rotatividade e localizadas principalmente no setor de serviços.
Outra tendência é o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, sendo possível identificar o que Helena Hirata intitula de “processo de bipolarização dos empregos femininos”: se por um lado parcela das mulheres passa progressivamente a obter maior qualificação profissional e a ascender a ocupações de alto valor social e antes exclusivas aos homens, como a medicina, a advocacia, à docência universitária e os cargos de liderança em grandes empresas, por outro lado há uma grande massa de mulheres que se mantém nos empregos tradicionalmente femininos (conhecidos como guetos ocupacionais). A discrepância salarial existente entre homens e mulheres é identificável em todos os níveis de escolaridade, sendo maior quando combinada com o recorte racial dados recentes da PNAD indicam que, no Brasil, a mulher negra percebe 40% do salário recebido por um homem branco.
Paralelamente, a população jovem se vê cada vez mais sem perspectivas de emprego, consistindo na faixa etária com maior presença na população desempregada e naqueles alocados nas ocupações mais precárias, como o trabalho no teleatendimento e nas redes de fast-food.
Assim, nota-se que o perfil dos trabalhadores brasileiros sofreu mudanças que são centralmente balizadas pela crescente precariedade. O tardio capitalismo dos países periféricos não pode prescindir de altos níveis de informalidade e baixa garantia de direitos a fim de assegurar a sub-remuneração da mercadoria força de trabalho, em consonância com o processo de divisão internacional do trabalho.
Para situar o debate na atual conjuntura político-econômica é vital abordar a política para o emprego durante o lulopetismo. Esta, segundo Ruy Braga, possuiu um caráter dúbio onde houve uma combinação entre formalização e precarização do trabalho. Entre 2004 e 2008 houve um boom de crescimento de postos de trabalho formais, principalmente no setor de serviços, com garantia ao registro na carteira de trabalho e acesso aos direitos previstos na CLT, de modo que o desemprego, que em dezembro de 2002 estava na faixa de 10,5%, em dezembro de 2010 havia caído para 5,3%. A característica primária desses novos postos criados, como já mencionado, era a precariedade, tanto em termos salariais como em condições de trabalho. Dos 2,1 milhões de empregos formais criados nos governos Lula, dois milhões tinham remuneração de até 1,5 salário mínimo.
A terceirização abrange parte significativa desses empregos, vindo acompanhada, no Brasil, da alta rotatividade, do autoritarismo nas relações de trabalho (com formas mais agressivas de gestão da mão de obra) e da difícil organização da massa de trabalhadores por local de trabalho.
Alguns segmentos que sofreram forte impacto com a externalização da mão de obra a partir dos anos 1990 foram o setor bancário (com aproximadamente 400 mil empregos perdidos em dez anos), onde a terceirização implicou a criação de promotoras de créditos, empresas de correspondente bancário, call centers e internet bankings; o setor elétrico, com a criação de empresas interpostas para a absorção das atividades de leituristas, entrega de faturas, eletricistas e SAC; o setor petroleiro, através da externalização da análise laboratorial, manutenção e perfuração de poços; e a construção civil, com o surgimentos dos contratos de empreitada e subempreitada e das empresas construtoras e incorporadoras. Inobstante, a terceirização faz-se cada vez mais presente também na administração pública, inicialmente nas atividades de asseio, conservação, limpeza e segurança, com o progressivo avanço para o que hoje são as Organizações Sociais (OS) na saúde, fundações de apoio às universidades, a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), dentre tantas outras.
É possível notar uma mudança na perspectiva da terceirização dentro das formas de gestão da mão de obra no Brasil: ela deixa de ser um fenômeno residual e complementar à estrutura da produção para, no início dos anos 2000, passar a consistir em uma estratégia estrutural para a redução de custos.
Os efeitos para a classe trabalhadora são graves. Como as empresas terceirizadas não investem em segurança no trabalho e usualmente abarcam as profissões com maior risco à saúde do empregado, os índices de acidentes são absurdamente discrepantes se comparados aos das empresas tomadoras estima-se que quatro a cada cinco acidentes de trabalho ocorram com empregados de empresas terceirizadas.
A remuneração média dos empregados terceirizados é menor que a dos empregados de empresas tipicamente contratantes, ao passo que aqueles trabalham em média três horas a mais por semana do que estes. Também são os terceirizados a maioria dentre os trabalhadores resgatados pelos auditores fiscais do trabalho em condições análogas ao trabalho escravo entre os dez maiores resgates feitos pelos auditores, quase três mil trabalhadores eram terceirizados, enquanto 555 eram contratados diretos.
Ainda e não por acaso a pulverização dos trabalhadores oriunda da terceirização implica mais dificuldades para a sua organização sindical e consequente reivindicação de melhores reajustes salariais e condições de trabalho.
O PL 4302/98, aprovado na Câmara em 22 de março e encaminhado à Presidência para sanção, tem na expansão desse processo seu centro. Busca-se autorizar a terceirização das atividades-fim das empresas, hoje vedada pela Súmula 331 do TST, e impossibilitar qualquer possibilidade de declaração de vínculo com a empresa tomadora ou a responsabilização desta de forma solidária em relação às obrigações trabalhistas. Frisa-se que o projeto de lei em questão é bastante insuficiente em suprir as muitas lacunas abertas a partir dessa expansão, referentes à representação sindical dos empregados terceirizados.
As tentativas de ampliação da terceirização no Brasil, portanto, não podem ser vistas de forma apartada de suas consequências nefastas para a classe trabalhadora. É a partir daí que impera o absoluto rechaço às tentativas do desgoverno Temer de aprovar a toque de caixa a reforma trabalhista e a importância da resistência da classe trabalhadora no enfrentamento a mais esse golpe.