Marinor Brito – André Marinho – Sandra Helena Ribeiro Cruz
A Amazônia, desde a ocupação portuguesa até à implementação dos grandes projetos de infraestrutura patrocinados pelo Estado, sofre os impactos de ações exógenas e excludentes. Estas não valorizam a diversidade sociocultural das comunidades tradicionais e dos povos da floresta indígenas, quilombolas, ribeirinhos e trabalhadores rurais, pois enxergam a região como fonte de capital natural baseado na incorporação contínua de terras e recursos percebidos como infinitos.
O avanço dos grandes projetos voltados para a produção de commodities provenientes da mineração e do agronegócio, assim como a exploração do potencial de geração de energia da rede hidrográfica vêm promovendo a ampliação do desmatamento e dos conflitos pela posse da terra numa região detentora de exuberante biodiversidade. À medida que aumenta o desmatamento, reduz-se bruscamente a qualidade de vida das populações nativas, que veem a sobrevivência cada vez mais ameaçada.
Ecossistema complexo
A Amazônia possui um complexo ecossistema com mais de 7 milhões de km², que se estende por 8 países – Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana Francesa e Suriname e compreende cerca de 40% do território da América do Sul, a chamada “Pan-amazônia”. A região apresenta característica fisiográfica marcante, além de imensas reservas naturais, como água doce, minérios, madeira e um potencial hidroelétrico incontestável. Essas riquezas despertam a cobiça e a ganância de interesses internos e externos, que se utilizam de diversos mecanismos para garantir a apropriação privada dos recursos hídricos, florestais e do subsolo.
A região é o lar de 62 das 79 espécies de primatas existentes no Brasil, de cerca de 3 mil espécies de peixes e mais de mil espécies de árvores. A abundante biodiversidade da região a mantém como uma das poucas áreas ainda preservadas no planeta. Todavia, a Amazônia sofre, cada vez mais, com o avanço do grande capital sobre a floresta e sobre a população, alterando radicalmente o modo de vida, impondo ao lugar os processos decorrentes da globalização. A Comissão Pró-índio de São Paulo em trabalho realizado nas comunidades quilombolas de Oriximiná no Pará revelaram por meio de exames que os peixes dos corpos hídricos próximos aos locais de mineração, quando encontrados, não pareciam apropriados para o consumo.
Dois movimentos internacionais atuam na região. O primeiro é ligado ao sistema financeiro informacional das grandes potências e tende a ter uma linha “conservacionista” em função da manutenção da Amazônia como reserva de capital natural futuro. O outro tem vínculos com movimentos sociais de caráter internacionalista e busca o “desenvolvimento sustentável” da região como forma de uso racional dos potenciais de nossa biodiversidade. Esses dois movimentos se cruzam contraditoriamente na defesa de objetivos convergentes, mas que, na verdade, guardam interesses antagônicos.
Posição estratégica
Grande parte da exuberante floresta tropical se encontra no território brasileiro, o que coloca o Brasil em posição estratégica no cone sul e direciona as lentes estadunidenses para o nosso país. Os Estados Unidos mantêm forte vigilância sobre o Brasil assim como outras nações de importância regional no cenário global pois a América do Sul está na zona de ação mais próxima. A abertura da base de Alcântara no Maranhão aos militares norte-americanos pode agravar esse cenário, possibilitando o maior controle dos EUA sobre a Amazônia.
A superação dos problemas relacionados à soberania dos países da Amazônia foi sendo construída a partir do entendimento de que a região não poderia ser tratada de forma isolada e fragmentada. No entanto, as tentativas de se estabelecer uma política voltada para a integração da Amazônia sempre esbarraram nas dificuldades de mobilidade impostas pelas características fisiográficas da região, que limitam a mobilidade entre os países vizinhos.
Diante da grande preocupação com a geopolítica da região, o general Carlos Meira Mattos (1913-2007) defendia, nos anos 1970, a posição de que “para se obter sucesso na ocupação e desenvolvimento da região, é necessário levá-la em conta em sua totalidade, pensando sempre no conjunto das diversas Amazônias nacionais”. Nesse sentido, Meira Mattos “sugere o conceito de Pan-amazônia”, no qual o desenvolvimento seria um projeto comum de todos os países.
Esse entendimento tem desdobramento por meio dos encontros diplomáticos que inauguraram uma nova fase das relações entre as nações amazônicas. Essas relações inicialmente se davam de forma bilateral, mas o caráter multilateral foi sendo fortalecido progressivamente. Dentre as iniciativas voltadas para estabelecer a interação entre os países sul-americanos estava o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) que, a partir de 1980, pode ser visto como um marco do sucesso da cooperação e das boas relações entre os países da região.
“No TAC estão firmados os princípios básicos para a cooperação regional, como a concepção de que para se alcançar o integral desenvolvimento dos respectivos territórios amazônicos é necessário manter o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção ao meio ambiente” (TILIO NETO, 2010).
Integração da infraestrutura outra iniciativa importante é o projeto Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), que visa à interligação do cone sul das Américas. A meta é a constituição de uma estrutura física que possibilite a intensificação dos fluxos humanos, comerciais e financeiros em função de uma ação contra-hegemônica e de consolidação do Brasil frente aos interesses norte-americanos, sobre tudo na Amazônia.
Essas iniciativas pugnavam pelo fortalecimento dos países sul-americanos num bloco que poderia fazer frente aos interesses externos, principalmente para o fortalecimento do Mercosul em detrimento da ALCA e do bloco europeu. No entanto, o atual cenário político-conjuntural, regional e mundial, impõe novos desafios, pois a investida cada vez mais contundente dos EUA sobre o território sul-americano vem causando instabilidade e desestruturação política no continente.
Hoje, as tentativas de consolidação da soberania da região passam por um crescente processo de desconstrução das políticas de afirmação dos países latino-americanos sobre os territórios. A ação imperialista dos EUA busca impedir o avanço dos setores progressistas e da esquerda democrática no continente. Segundo o prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel:
“O que está acontecendo no Brasil tem a ver com o projeto de recolonização do continente. Esse projeto tem alguns objetivos estratégicos: o controle dos nossos recursos naturais e, como já disse Michel Temer, a privatização das empresas estatais. Esse é o objetivo do golpe de Estado”.
Esquivel afirmou, ainda, que os procedimentos utilizados em Honduras e no Paraguai para a derrubada de Manuel Zelaya do poder em 2009 e de Fernando Lugo em 2012 foram os mesmos. Eles envolvem o uso maciço dos meios de comunicação para alimentar um processo de desgaste por meio de uma série de acusações. Tudo conta com a cumplicidade de alguns juízes, como é o exemplo de Sérgio Moro.
Subserviência externa
No Brasil, a subserviência do governo Bolsonaro aos interesses norte-americanos se expressa por meio dos constantes ataques as populações originárias e tradicionais. Exemplo disso foi a retirada da demarcação de terras indígenas da competência da Fundação Nacional do Índio (Funai). O novo gestor é o Ministério da Agricultura, historicamente comandado pela bancada ruralista. Esse gesto demarca a posição do atual governo e as verdadeiras intenções para com os povos originários. Com a eliminação dos “entraves” para a ampliação do agronegócio e da mineração e a construção de hidroelétricas na região, potencializa-se exponencialmente um crescente processo de degradação ambiental na Amazônia.
A materialização dessa política se dá por meio da forma descompromissada com que os órgãos licenciadores e de controle vêm agindo na Amazônia, principalmente nas Regiões Oeste, Sul e Sudeste, onde o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) estão liberando novos investimentos sem a garantia do cumprimento dos critérios básicos da legislação ambiental. Esses processos ocorrem para atender aos interesses das multinacionais e do capital, a exemplo da mudança do Código Florestal Brasileiro ocorrida em 2012.
Segundo o World Wide Fund for Nature (WWF Brasil), entre agosto de 2017 e julho de 2018, o sistema Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) registrou um aumento no desmatamento na região de 13,7% em relação aos 12 meses anteriores, nos quais foram suprimidos 7.900 km² de floresta. Por outro lado, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) conclui que o desmatamento na região aumentou 40% nos últimos 12 meses, e já chegou ao coração da floresta. Trata-se do cinturão verde que atravessa os estados do Acre, norte de Mato Grosso, sul do Amazonas, parte de Rondônia e vai até o oeste do Pará. Nas zonas de sacrifício12, quanto menor são as condições socioeconômicas das regiões, maior a vulnerabilidade ao avanço do capital, consequentemente, maior a degradação ambiental.
Empresas e poluentes
Outros ataques provêm das grandes mineradoras, que não respeitam as populações locais e despejam sobre rios e igarapés da região o rejeito produzido durante a extração do ferro, bauxita e outros minerais. Um dos casos emblemáticos é o das empresas norueguesas Hydro e a Imerys, que há anos despejam seus rejeitos em barragens no município de Barcarena contaminando os recursos hídricos da região e, consequentemente, a população local. O mesmo ocorre em outras áreas onde estão instaladas empresas como a Vale e a Mineração Rio do Norte (MRN) que comprometem a qualidade de vida e colocam em situação de risco a população dessas áreas.
“A Amazônia está diante de mais um perigo: áreas estão sendo vendidas para que empresas explorem petróleo e gás natural”. Quem faz essa denúncia é o Greenpeace, que alerta a espoliação comandada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que está leiloando terras brasileiras para a prospecção de petróleo. Segundo o Greenpeace, existem territórios indígenas cercados e outros sobrepostos a blocos de bolsões de petróleo que estão sendo negociados com multinacionais. As populações locais estarão expostas diretamente aos impactos decorrentes da atividade petrolífera.