Por Pedro Ferraracio Charbel e Max André Correa Costa*
A pintura de Matheus Ribs que ilustra a capa e contracapa desta edição faz parte de uma série denominada pelo artista como “Fechar os corpos”. O título reitera o que a obra expressa: não há passividade frente à crise climática e ao racismo ambiental, operam-se feitiços, transmitem-se saberes, cultiva-se a resistência. Para além da denúncia sobre a devastação socioambiental promovida pelo capitalismo e o colonialismo – marcadamente contra pessoas periféricas, negras e indígenas – há, aqui, um desejo de vida que pulsa.
É nessa perspectiva que essa terceira edição da revista Jatobá se apresenta. Em um mundo profundamente desigual, com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e mais intensos, denunciar a tragédia ou lamentar o desastre já não basta. Estando a própria vida em emergência, as reflexões e ações sobre as diferentes faces e forças da injustiça socioambiental devem ser urgentemente aprofundadas a partir das lutas populares e territoriais. Viver é urgente.
Para isso, desnaturalizar os desastres é o primeiro passo. As enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, por exemplo, são consequências de um desmonte que constituiu engrenagens deliberadas de destruição, como bem pontua a contribuição da deputada estadual e presidenta da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, Luciana Genro, nesta edição. Também nesse sentido, vem as reflexões da Rede Sul-Americana para Migrações Ambientais: a (i)mobilidade humana por fatores ambientais tem uma faceta profundamente social e, portanto, só pode ser comprrendida de modo interssccional e antirracista.
Como enuncia Guilherme Simões, Secretário Nacional de Periferias do Ministério das Cidades, entrevistado desta edição, nem o combate às desigualdades é tema do passado, nem o combate à crise climática é tema do futuro. Estamos falando de agendas extremamente atuais que devem necessariamente andar juntas e, nesse sentido, o conceito de adaptação climática antiracista, apresentado nesta edição pela Rede por Adaptação Climática Antirracista, é extremamente preciso e deve ser traduzido cada vez mais em políticas públicas. Não há outro caminho.
Por sua vez, as colunas da pesquisadora Tatiana Oliveira e da coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Júlia Ladeira, revelam uma flagrante antítese nos modos de lidar com as catástrofes no contexto da crise climática: de um lado, seguradoras que aprofundam desigualdades num contexto de financeirização do risco; de outro, iniciativas populares como as do MTST para combater a fome, reduzir os riscos e enfrentar a própria crise climática e seus efeitos que, sabemos, são profundamente nefastos e desiguais.
Ainda sobre soluções, na seção dedicada à atuação do PSOL, a deputada federal Célia Xakriabá discorre sobre medidas legislativas e executivas urgentes para cuidar da Terra, ressaltando o papel que os povos indígenas têm tido em preservar a biodiversidade de nosso planeta. Já na seção internacional, os porto-riquenhos Jorge Lefevre e Manuel Rodríguez trazem sua análise sobre os perigos da barbárie climática de Donald Trump, que retorna ao poder em 2025 com seus “delírios fascistas e eco-genocidas”.
Além de nossas já tradicionais recomendações culturais e uma resenha do professor João Machado sobre “O Ecossocialismo de Karl Marx”, de Kohei Saito, esta edição inaugura a nova área de reportagens especiais da Jatobá. A estreia vem com duas importantes matérias: uma de Leandro Barbosa, investigando a vida nos extremos de seca, fogo e inundações; e outra de Simone Romero, fazendo um balanço sobre as ameaças a defensores socioambientais no Pará, estado sede da COP-30.
Assim, seguimos consolidando o compromisso da Jatobá em ser um ponto de encontro de reflexões urgentes e variadas, necessárias para a conformação de nossa atuação frente à emergência que afeta cada vez mais as nossas vidas – algumas mais do que outras. Longe de nos restringirmos a respostas emergenciais e conjunturais, urge aprofundar as reflexões e reconhecer a disparidade dos efeitos da crise climática, combatendo suas engrenagens de modo simultâneo aos esforços de formulação e ação coletiva para a construção de um futuro possível e necessariamente mais justo.
*Editores-chefes da Revista Jatobá.
**Texto publicado na edição 3 da revista Jatobá.